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Mais de uma década de investimento no patrimônio

09/11/2015
Mais de uma década de investimento no patrimônio
(Foto: Divulgação)

(Foto: Divulgação)

Recursos de R$1,6 bilhão, destinados a obras de restauração de monumentos e espaços urbanos tombados. Esse é principal resultado de quase 15 anos de persistentes esforços por investimentos e soluções para o Patrimônio Cultural Brasileiro. Desde o ano 2001, com o efetivo início da execução do Contrato de Empréstimo para o Programa Monumenta, o Governo Federal mantém uma curva ascendente de investimentos no resgate da memória do País, buscando responder ao direito da sociedade de garantir a preservação de seu patrimônio. Mesmo considerando que as demandas do patrimônio seguem sendo complexas e volumosas, há, nessa mais de uma década, muito a comemorar. Em períodos anteriores, especialmente na década de 1990, a situação era o oposto. O valor médio do orçamento federal para investimentos no Patrimônio Cultural de todo o País no período 1995/2000 era pouco mais de R$ 1 milhão anuais, já considerando a atualização monetária. Esse montante foi evoluindo consideravelmente, até alcançar o patamar de cerca de R$ 144,6
milhões em 2010, incluídos os recursos do Programa Monumenta.

Concluído o Monumenta em 2010, o ritmo praticamente não decresceu, prosseguindo os investimentos com diversas fontes, incluindo o orçamento regular do MinC/Iphan, recursos incentivados e de outros programas federais, até que se obteve, em agosto de 2013, a autorização definitiva da presidenta Dilma Rousseff para início do PAC Cidades Históricas. Em 2015, o orçamento atual para investimentos em patrimônio tombado federal alcançou R$ 177,9 milhões, incluídos o orçamento regular do Iphan e o PAC Cidades Históricas.

O PAC Cidades Históricas

Para o Programa iniciado em 2013, foram selecionadas 44 cidades de 20 estados brasileiros. As cidades escolhidas foram aquelas que preencheram uma ou mais das seguintes condições: possuir bens tombados em nível federal; ser declaradas pela Unesco como Patrimônio da Humanidade; possuir conjuntos tombados em situação de risco; ou serem marcos da diversidade das formas de ocupação do território nacional. Resultou um grupo de cidades selecionadas que abrange as várias regiões do País, tem representatividade de diferentes períodos históricos e processos culturais e distribuição que contempla, indistintamente, gestões municipais cujos prefeitos eleitos são dos mais diversos partidos políticos.

À escolha das cidades seguiram-se entendimentos com os municípios para a escolha dos projetos, observando seu enquadramento nos objetivos do Programa e sua contribuição para atrair novas dinâmicas para as áreas preservadas. Não apenas conservar imóveis tombados, mas favorecer a vitalidade dos sítios históricos. Por isso, dentre as mais de 400 obras selecionadas, 100 são em imóveis que abrigam equipamentos culturais, como teatros, cinemas e bibliotecas, além dos 38 museus cujos edifícios estão contemplados pelo Programa. O sistema de fortificações do litoral brasileiro, valioso como patrimônio e como potencial turístico, participa com nove das mais importantes fortalezas, entre elas a de São Marcelo (em obras), em Salvador (BA), a dos Reis Magos, em Natal (RN), e a de Nossa Senhora dos Remédios, em Fernando de Noronha (PE). Dando continuidade a uma estratégia de sucesso para a dinamização das áreas tombadas, 13 edificações destinadas a instituições públicas de ensino e pesquisa estão entre as selecionadas. O P
AC Cidades Históricas priorizou o patrimônio ferroviário, com 25 obras que possibilitarão novos usos a estações e conjuntos ferroviários, como, por exemplo, os emblemáticos complexos de Paranapiacaba, em Santo André (SP), em obras, e de São João del Rey (MG), em fase final de projeto. Um vasto conjunto de igrejas tombadas, de valor artístico e cultural, também está incluído no Programa.

O Programa segue sendo executado pelo Iphan, prefeituras e outros parceiros locais, em conformidade com as diretrizes dos Ministérios da Cultura e do Planejamento. Para a presidenta do Iphan, Jurema Machado, “inserir o patrimônio no programa estratégico de desenvolvimento do governo é uma medida emblemática. Os investimentos – o maior volume já disponibilizado para o Instituto em toda a sua trajetória – significam também mais vitalidade para os ambientes urbanos, tendo o patrimônio cultural como vetor de desenvolvimento”.

É frequente que os menos habituados com a forma de funcionamento do PAC digam que “o dinheiro não chegou”. É que o modelo de desembolso do PAC Cidades Históricas não prevê repasse antecipado aos executores, como ocorre com convênios, mas sim a liberação de recursos contra a efetiva execução de serviços, sejam projetos, sejam obras, desde que aprovados e contratados mediante autorização do Iphan.

Como não havia estoque de projetos – aliás, o gargalo histórico, não apenas do patrimônio, mas das obras em bens públicos no Brasil – o Programa não apenas ofereceu recursos para projetos, como dispensa os municípios de qualquer contrapartida financeira. O que se espera das prefeituras é, sobretudo, seu envolvimento e empenho, responsabilizando-se pela preparação das contratações que lhes couberem, fazendo a coordenação local do Programa, desembaraçando questões fundiárias e oferecendo condições necessárias ao bom andamento das obras. Afinal, a Constituição Federal, no seu Artigo 216, estabeleceu que conservar o patrimônio é competência concorrente, o seja, conjunta, dos três entes da federação e da comunidade!

O andamento do PAC Cidades Históricas

O Programa tem até o momento poucas obras concluídas, embora já um número considerável em andamento. A maior dificuldade encontrada foi a execução de projetos, por razões inerentes à natureza das obras selecionadas. Projetos de restauração partem, necessariamente, de minucioso diagnóstico da edificação existente, da análise de suas condições arquitetônicas, estruturais e de seus elementos artísticos integrados. Só então será possível definir com precisão a intervenção mais adequada, segundo referências conceituais próprias desse campo de conhecimento. No Brasil, ainda são poucas as empresas especializadas, sobretudo empresas com experiência prática, especialmente se considerada a grande demanda simultânea de contratações.

Por sua vez, o item mais desafiador da fase de projetos vem sendo a orçamentação das obras, ou seja, definir custos precisos de materiais e serviços, em sua maioria não previstos em planilhas oficiais (Sinapi – Caixa, por exemplo), o que leva à necessidade de composições de custos para cada elemento, ou seja, de quantificação precisa dos ingredientes e do modo de fazer de cada serviço, considerados os materiais, a mão de obra especializada, encargos etc. Tal exigência decorre de determinações dos órgãos de controle (em especial o Decreto TCU 7983/2013) e só assim se pode chegar com segurança a valores justos.

Mesmo diante desse grande desafio, o Iphan já deu encaminhamento a 30% da meta estabelecida para o PAC Cidades Históricas, ou seja, 127 das 425 ações selecionadas já estão equacionadas: 10 obras foram inauguradas, 60 estão em execução e 57 em licitação. As demais 298 não estão paradas. Seus projetos estão em andamento em diferentes fases, havendo umas poucas cujos problemas fundiários ou mesmo a mudança de destinação prevista pelo executor local poderá vir a implicar decisão de não executá-las.

O início de um legado

Com atuação em 26 cidades históricas brasileiras, entre os anos 2000 e 2009, o Monumenta conseguiu realizar ações exemplares, ao associar o patrimônio cultural a ações de desenvolvimento econômico, cultural, urbano e social. Os investimentos de cerca de R$320 milhões, 50% vindos do empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), representaram, pela primeira vez, um ataque mais concentrado nos sítios históricos, o que permitiu, em muitos casos, integrar a preservação com estratégias de desenvolvimento local.

Um dos melhores exemplos é o de Cachoeira, no Recôncavo Baiano. A pequena e pouco conhecida cidade guarda tesouros importantes do barroco e do colonial. Além da recuperação de diversos monumentos, foi ali instalado um novo campus da Universidade Federal do Recôncavo Baiano. O lugar escolhido foi um conjunto de ruínas, que deram lugar a uma estrutura moderna, com salas de aulas e laboratórios. Hoje, funcionam no novo edifício (ingredientes aos jovens da cidade, mas vem dinamizando o lugar, gerando novos empregos, mudando o perfil da região e, principalmente, estabelecendo uma referência para experiências similares). Outro campus foi instalado em Laranjeiras (SE), também pelo Programa Monumenta, com as mesmas características e objetivos

Já em Natividade (TO), o Monumenta mudou a imagem da cidade em pouco mais de cinco anos. Foi desenvolvido amplo projeto de requalificação urbana, a grande maioria dos bens protegidos em esfera federal sofreu modificações e cerca de 80% dos imóveis do Centro Histórico foram atendidos pelo programa de recuperação de imóveis privados. Ao mesmo tempo, a pesquisa sobre a cultura local identificou a tradição da ourivesaria portuguesa, que foi então apoiada pelo Programa sob a forma de cursos de formação de novos artesãos, exposições e divulgação.

Resultados que renderam frutos

Com base nesse aprendizado, em 2008, decidiu-se almejar uma política pública federal mais abrangente, não voltada a apenas 26 localidades, mas a todas as cidades possuidoras de monumentos ou centros históricos tombados. A estratégia passou a ser mobilizar os municípios para planejar o futuro do seu patrimônio, inventariando amplo rol de necessidades, desde restaurações até a infraestrutura do seu centro histórico (saneamento, contenção de encostas, iluminação pública e acessibilidade, desde que relacionados ao patrimônio tombado).

Foi assim que, em 2009, com o encerramento do Contrato de Empréstimo do Monumenta (que ainda teria obras a serem finalizadas até 2010), o Governo Federal denominou PAC Cidades Histórias à consolidação os resultados desse grande inventário, que, concretamente, não logrou obter recursos da fonte exclusiva do PAC, mas serviu de diretriz para os investimentos do Iphan no período de 2010 e 2012, que viabilizou R$ 129 milhões do seu próprio orçamento e R$ 35 milhões de outros programas federais.

De posse do quadro de demandas, o Iphan manteve permanente negociação com o Ministério do Planejamento para obter recursos específicos do PAC 2, o que acabou se materializado no Programa lançado em agosto de 2013 com o atual perfil de recursos, cidades e ações selecionadas.

As perspectivas e os desafios do PAC Cidades Históricas e do patrimônio urbano brasileiro

O volume de obras em andamento, em licitação ou com projetos em vias de conclusão permite, potencialmente, um crescimento exponencial do ritmo de execução em 2016. Há, no entanto, sabidas dificuldades financeiras para o ano e o orçamento destinado ao Iphan priorizará as obras iniciadas, com contratação paulatina das demais. Para 2017, não é ainda possível estabelecer previsões. O ciclo dos últimos anos enseja, no entanto, reflexões mais abrangentes.

Após a concentração de investimentos em monumentos e imóveis públicos, hoje o maior desafio dos sítios históricos, em sua grande maioria coincidentes com áreas urbanas centrais, segue sendo a conservação e o uso dos imóveis de particulares, sobretudo nos locais onde ocorre esvaziamento da função habitacional ou moradias em situação inadequada, insalubre ou de risco. O Iphan atacou experimentalmente esse problema com um programa de empréstimos subsidiados para moradores de edificações tombadas, mas em escala ainda modesta frente às necessidades. O PAC Cidades Históricas previu recursos para tal, mas um programa habitacional não depende exclusivamente de dotação orçamentária, mas sobretudo de um modelo mais abrangente, com previsão legal para garantias na contratação dos empréstimos, definição de fontes de subsídio (inevitáveis em se tratando de imóveis com essas características), além de necessitar estar associado a um programa social que trate de todas as questões relacionadas à habilitação de mutuários e à p
ós-ocupação das moradias restauradas. Nesse campo, não apenas o Ministério das Cidades, mas parcerias locais com estados municípios, são a condição essencial para que tal se realize.

Em síntese, as questões de patrimônio não são isoladas, mas se relacionam intrinsecamente com condições sociais, de desenvolvimento e planejamento urbanos, todos elementos que, historicamente, vêm jogando papel antagônico à viabilidade da preservação. O reconhecimento do patrimônio como um valor e um direito dos cidadãos, felizmente hoje em bom curso, é o único caminho viável para que o tema se insira, definitivamente, na agenda de compromissos de todos os entes da federação.