Internacional

De falsas promessas à exploração: como o imperialismo europeu desconfigurou o Oriente Médio?

Sputinik Brasil 04/09/2025
De falsas promessas à exploração: como o imperialismo europeu desconfigurou o Oriente Médio?
Foto: © AP Photo / EYAD BABA

Do Acordo de Sykes-Picot ao Tratado de Sèvres, passando pela criação do Estado de Israel: à sua maneira, o Ocidente interferiu na política do Oriente Médio e ditou o destino dos povos da região.

Firmado pela França e pelo Reino Unido durante a Primeira Guerra Mundial, em 1916, o Acordo de Sykes-Picot visava à partilha do Oriente Médio, em um cenário em que as duas potências prospectavam a vitória na guerra.

As divisões ambicionadas pelos diplomatas Mark Sykes, britânico, e François Georges-Picot, francês — que dão nome ao acordo — não acontecem de forma imediata, com o Oriente Médio vindo a ser fragmentado apenas após o fim da guerra e a queda do Império Otomano.

"Essa ideia do Sykes-Picot é uma coisa um pouco no papel ainda, que vai se concretizar de forma muito mais radical no Tratado de Sèvres, imposto como um tratado de guerra, porque o Império Otomano perde junto com a Alemanha na Primeira Guerra", explica Dominique Marques, professora de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil.

A divisão territorial de uma região complexa, como o que viria a ser o Oriente Médio, de forma unilateral, não trouxe prejuízos apenas nos conflitos religiosos — talvez a tensão mais evidente atualmente do ponto de vista ocidental —, mas também na imposição de formas de governo e de administração do Estado próprias do Ocidente, sem respeitar qualquer critério relacionado às populações que ali viviam.

Dessa forma, de acordo com a analista, a Europa, ao tentar organizar os territórios em Estados-nação à sua maneira, retira desses povos a possibilidade de autodeterminação e impõe o sistema europeu de Estado centralizado, ao qual eles são obrigados a se submeter.

"Compõe-se ali uma crise de identidade, onde você favorece sistemas ditatoriais, porque a própria Inglaterra, ou França, ou os países europeus que estavam ali controlando, eles vão estimular com que haja ali minorias, que eventualmente possam ser apoiadas por eles ou não. De repente eles apoiam outro grupo, então eles vão fazendo essa questão, de identitarismo sectário, onde eles privilegiam ou não determinadas partes da população de acordo com os seus próprios interesses", acrescenta.

Nesse sentido, engloba-se, por exemplo, várias promessas feitas pelos europeus aos povos árabes de independência e reconhecimento, a partir de colaborações em conflitos. No próprio contexto do Acordo de Sykes-Picot, foi prometido às lideranças árabes que, se lutassem ao lado do Reino Unido durante a Primeira Guerra Mundial, contra o Império Otomano, teriam sua independência apoiada por França e Reino Unido.

"Não a independência partilhada, como a gente vê hoje, em diversos Estados e nações, mas sim de uma grande nação árabe", comenta Bruno Mendelski, doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e professor visitante de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

"Aqui é importante dizer: a gente só sabe por causa dos revolucionários russos de 1917, eles tornaram público esse documento, os árabes foram traídos. Então, não tiveram esse apoio. O Reino Unido e França simplesmente dividiram os territórios de acordo com os seus interesses", acrescentou o analista ao Mundioka.

Ao passo que as promessas feitas aos árabes não foram cumpridas, o Ocidente garantiu aos judeus, em 1948, o Estado de Israel na região, "às custas dos territórios palestinos e da não existência, até 2025, de um território palestino soberano e independente", ressalta Mendelski.

Além disso, Marques chama a atenção, também, para o apoio indiscriminado, desde então, a Israel, que se coloca como parceiro do Ocidente na região. "Só agora está saindo um pouco do controle, porque você vê que a própria França não está mais apoiando todo esse genocídio que Israel vem cometendo contra os palestinos".

Entretanto, os países do Ocidente que tanto prometeram aos árabes seguem sem conseguir construir algo útil para os países dos quais extraem recursos.

Nesse sentindo "esses países entram num processo de dependência econômica que é basicamente o que nós temos hoje. A gente exporta, a gente não tem capacidade tecnológica para poder estar refinando petróleo e tudo mais. Então vira um produto, uma commodity que é exportada e a gente está dependente só disso e entra nesse processo que é um ciclo de subdesenvolvimento e que é muito difícil de sair", explica a analista sobre o sistema que perdura na região.

Já em relação ao imaginar o que poderia ter sido o futuro do continente sem a imposição ocidental, Mendelski reafirma que a região poderia ter um aspecto muito distinto.

"No final das contas, o ato de determinar uma fronteira é uma manifestação do poder. Só que naquela região, a gente vê que quem vai determinar essas fronteiras não são os povos que habitam aqueles territórios, mas sim potências estrangeiras, especialmente as europeias", reforça o especialista.

Sobre a possibilidade de mudanças de rumos da dependência atual, o analista pondera que há que se considerar, também, algumas elites regionais que se beneficiam da aliança com os Estados Unidos.

"Posteriormente, a gente vê que aqueles governos que questionam essa hegemonia dos Estados Unidos, a gente pode pensar na Síria, do Bashar al-Assad, que recentemente caiu, mais atrás, no Iraque, do Saddam Hussein, o próprio Irã. [...] É muito difícil a gente poder apontar um caminho", finaliza.