Internacional

'Corda arrebenta para os latinos': Trump terá política externa mais intervencionista, diz analista

Pedidos de Natal elencados por Trump em postagem incluem territórios de aliados como o Canadá, Groenlândia e Panamá. Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, Trump terá que equilibrar o seu ímpeto expansionista com as limitações materiais e financeiras

27/12/2024
'Corda arrebenta para os latinos': Trump terá política externa mais intervencionista, diz analista
Foto: © AP Photo / Alex Brandon

Em sua mensagem pública de Natal, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, voltou a manifestar desejo de controlar territórios de países terceiros, como a Groenlândia ou o Canal do Panamá.

"Feliz Natal para todos, inclusive para os maravilhosos soldados da China, que estão amorosamente, mas ilegalmente, operando no Canal do Panamá", escreveu Trump na sua rede social. "Os EUA investem bilhões de dólares em reparos [no Canal do Panamá], mas não têm absolutamente nada a dizer sobre nada."

O futuro chefe da Casa Branca voltou a tratar o presidente do Canadá como "governador", aventando a possibilidade de anexar o Canadá aos EUA. Em troca, Trump prometeu impostos mais baixos para os canadenses e "uma proteção militar que nenhum outro país tem no mundo".

O território dinamarquês da Groenlândia também figurou na lista de desejos de Trump, que o considera "necessário aos EUA para objetivos de segurança nacional e, se quisermos que os EUA estejam lá, estaremos!".

Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, discursa durante evento AmericaFest, em Phoenix, EUA, 22 de dezembro de 2024
Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, discursa durante evento AmericaFest, em Phoenix, EUA, 22 de dezembro de 2024

As declarações do presidente dos EUA apontam para uma política externa mais expansionista, afirmam analistas ouvidos pela Sputnik Brasil. A competição estratégica com potências como a Rússia e China leva os EUA a almejar o controle de áreas estratégicas, como o Canal do Panamá ou a Groenlândia.

"Os comentários de Trump sobre aumentar o controle estadunidense no Canadá e em territórios como a Groenlândia ou mesmo o Canal do Panamá sugerem, sim, uma inclinação para uma política externa mais expansionista", disse o pesquisador e membro do grupo de pesquisas sobre o BRICS da Universidade de São Paulo (GEBRICS-USP), Valdir da Silva Bezerra, à Sputnik Brasil.

Já as declarações referentes ao Canal do Panamá devem acender alarmes entre as lideranças latino-americanas, acredita o professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira.

"Acredito que teremos um mandato muito ruim para os latino-americanos, por haver uma sinalização da retomada da política do Big Stick, com intervenções diretas ou ao menos pressões diplomáticas que beiram a intervenção", disse Vieira à Sputnik Brasil. "Isso vai gerar uma reação por parte dos latino-americanos que poderão ou se unir, ou buscar alternativas."

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa da cerimônia de assinatura de aditivo para obras da Transnordestina, em Brasília (DF), em 28 de novembro de 2024
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa da cerimônia de assinatura de aditivo para obras da Transnordestina, em Brasília (DF), em 28 de novembro de 2024

O presidente do Panamá José Raúl Mulino reafirmou a soberania de seu país sobre o canal e negou que a região fosse passível de negociação. Mulino, considerado um político pró-EUA, garantiu que "não existem soldados chineses no Canal [do Panamá], pelo amor de Deus".

"A doutrina Trump de 'América Primeiro' depende da reedição da Doutrina Monroe, que pregava a 'América para os americanos’'", explicou Vieira. "Então a ideia de que Trump comandará uma política externa isolacionista é equivocada. O que veremos é uma tendência a mais intervenção e tensões. E a corda tende a arrebentar pro lado latino-americano."

As intenções geopolíticas listadas na mensagem de Natal de Trump surpreendem por estarem todas voltadas para países aliados dos EUA: Canadá, Dinamarca e Panamá. Para o professor de Relações Internacionais da ESPM, Ricardo Leães, isso exigirá cautela por parte dos países sob o guarda-chuva norte-americano.

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, participa do evento Parceria para infraestrutura global e investimento na cúpula do G7, 13 de junho de 2024
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, participa do evento Parceria para infraestrutura global e investimento na cúpula do G7, 13 de junho de 2024

"O [ex-secretário de Estado dos EUA] Henry Kissinger já dizia que é muito perigoso ser inimigo dos EUA, mas ser aliado dos EUA é fatal", disse Leães à Sputnik Brasil. "Na América Latina, países em posições-chave como o Panamá, ou que possuem recursos estratégicos como o lítion na Bolívia, deverão redobrar a sua atenção."

Rumo ao norte

A cobiça de Trump em relação à Groenlândia revela desejo de diminuir as desvantagens dos EUA em relação às demais potências do Ártico, acredita o pesquisador do GEBRICS-USP, Valdir Bezerra.

"O Ártico se tornará um dos principais territórios de disputa geopolítica do século XXI, envolvendo grandes potências como os EUA, Rússia e até mesmo a China, ainda que ela não seja um país ártico, geograficamente falando", disse Bezerra.

Segundo ele, "a Groenlândia possui vastos recursos naturais, incluindo minerais e potenciais reservas de petróleo e gás, que se tornam mais acessíveis com o derretimento do gelo devido às mudanças climáticas".

Soldados e funcionários do Serviço Nacional de Parques descarregam equipamentos e suprimentos de um helicóptero CH-47 Chinook do Exército dos EUA na geleira Kahiltna em 27 de abril de 2022
Soldados e funcionários do Serviço Nacional de Parques descarregam equipamentos e suprimentos de um helicóptero CH-47 Chinook do Exército dos EUA na geleira Kahiltna em 27 de abril de 2022

A abertura da rota marítima do norte, que permite a conexão por mar entre a China e a Europa através da costa russa do Ártico, também preocupa os norte-americanos. Com a frota de navios quebra-gelo ainda bem menor que a russa, Washington busca se reposicionar na região, em detrimento da soberania de sua aliada, a Dinamarca.

Em comunicado oficial, o gabinete do primeiro-ministro da Groenlândia, Múte Egede, declarou que "a Groenlândia é nossa [...], não está à venda e nunca estaremos à venda". A região, que enfrenta embates com Copenhagen por maior autonomia, "não perderá a luta de anos pela liberdade".

O primeiro-ministro da Dinamarca reiterou a posição de Egede, dizendo que o território "não está à venda", mas sim aberto à cooperação. O tom dinamarquês foi menos enfático, prometendo trabalho conjunto com o novo embaixador dos EUA em Copenhagen, recentemente nomeado por Trump.

Trump turbinado, EUA fragilizados

Gerar polêmica com três países diferentes em uma só postagem de rede social mostra como Donald Trump retorna à Casa Branca em posição política mais confortável, acredita o professor da ESPM Ricardo Leães.

"Trump terá uma política externa similar à anterior, mas agora turbinada com esteroides", disse Leães. "Ele volta como uma figura hegemônica dentro do Partido Republicano e com uma equipe formada por pessoas que pensam como ele."

Ademais, o futuro presidente dos EUA terá mais capacidade para implementar suas promessas de política externa, já que contará com a maioria em ambas as câmaras do Congresso norte-americano.

O então presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente chinês, Xi Jinping, chegam para uma reunião à margem da Cúpula do G20 em Hamburgo. Alemanha, 8 de julho de 2017
O então presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente chinês, Xi Jinping, chegam para uma reunião à margem da Cúpula do G20 em Hamburgo. Alemanha, 8 de julho de 2017

"Se aprendemos algo com o primeiro mandato de Trump, é que ele não é um estelionatário e busca cumprir as promessas de campanha, por mais absurdas que elas possam parecer", considerou Leães. "Ele nem sempre teve sucesso ao implementar a sua agenda, mas agora, com o seu partido e o Congresso ao seu lado, as chances são muito maiores."

O professor da FAAP Vieira acredita que "Trump vai apostar no mais do mesmo, isto é, tarifas, belicismo, bilateralismo", mas lembra que as condições materiais dos EUA são agora mais frágeis do que eram do que eram quatro anos atrás.

"Os EUA têm fatores muito mais debilitantes com Trump II do que com Trump I, especialmente a grande dívida do país, reconhecida inclusive por um dos principais membros do novo time da Casa Branca, Elon Musk. Portanto, nos resta ver como Trump vai se comportar frente a um declínio norte-americano mais acentuado", concluiu o especialista.

Por Sputinik Brasil