Brasil

A saga de Lampião e Maria Bonita, 83 anos após a chacina de Angicos

28/07/2021
A saga de Lampião e Maria Bonita, 83 anos após a chacina de Angicos

A biografia do lendário cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião tem sido traçada e retraçada desde aquele lendário e sangrento episódio em 1938, na gruta de Angicos. Na foto, cangaceiros do bando de Virgulino.
Foto colorizada/Internet

O dia 28 de julho de 1938 ficou marcado para o povo nordestino. Neste dia, a volante alagoana comandada pelo Tenente Bezerra encurralou o bando mais temido de todos os tempos na cidade de Angicos, e, ali, ao amanhecer trucidou o capitão Virgulino Ferreira e sua tropa, pondo fim a uma história de horror no sertão brasileiro. Porém, depois daquele dia criou-se um mito para a história: Lampião, qur até hoje é lembrado pela sua perspicácia, inteligência e bravura, o que torna um mito para todo o nordestino.

A biografia do lendário cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião tem sido traçada e retraçada desde aquele lendário e sangrento episódio em 1938, na gruta de Angicos, no lado sergipano do Rio São Francisco, em que a polícia alagoana o trucidou e a Maria Bonita, sua mulher, junto com um pequeno grupo que com ele ali se homiziara. Quase todas elas o endeusam sem escrúpulos e quase sempre lhe reconhecem uma qualidade – a de bandido que rouba dos ricos para dar aos pobres – que os fatos continuamente revelados desde então não têm comprovado.  Contam-se às centenas os fatos e lendas (misturados) que se acumulam sobre ele e que têm em comum sua reconhecida coragem e bravura pessoal. Também lhe atribuem, apropriadamente, ter enfrentado à altura a arrogância e estupidez da conhecida figura do “coronel”, espécie de “manda-chuva” em toda a região. Os novos perfis, entretanto, beneficiados das mil histórias e livros que se escreveu sobre ele – sem contar filmes, músicas, peças de teatro e muitos livretos de cordel – tentam se aproximar mais objetivamente dessa figura tão intrinsecamente vinculada a todas às peculiaridades e características do Nordeste que é usualmente considerado um símbolo da região.  O texto de Tânia Maria de Souza Cardoso, pesquisadora do Rio Grande do Norte, filia-se a esta corrente que tenta o equilíbrio entre a lenda e a realidade.

 

A  figura de Lampião, o rei do cangaço

Lampião tornou-se a figura mais conhecida do fenômeno do cangaço, em parte devido as suas proezas contra a polícia e poderosos locais, a despeito de ter seguidamente estabelecido diversas alianças com esses. Tornaram-se míticas as estratégias que seu bando utilizou durante o período de duração do seu domínio no sertão.

De cabra de “Sinhô” Pereira a chefe de bando, Lampião ficou conhecido como “o rei do cangaço”, título alcançado devido as suas atrocidades.

De cabra de “Sinhô” Pereira a chefe de bando, Lampião ficou conhecido como “o rei do cangaço”, título alcançado devido as suas atrocidades. Através de métodos desumanos dominou o semiárido de seis estados nordestinos: Alagoas, Sergipe, Bahia, Paraíba, Ceará e, em uma oportunidade, esteve no Rio Grande do Norte, desafiando volantes policiais, infligindo-lhes vergonhosas derrotas. Entre as suas façanhas encontra-se o roubo da Baronesa de Água Branca, o ataque a Sousa e a tentativa de saquear Mossoró.

Batizado com o nome de Virgulino Ferreira da Silva, nasceu a sete de julho de 1897, em Vila Bela, (hoje Serra Talhada), Estado de Pernambuco, falecendo em 1938, juntamente com sua companheira Maria Bonita e os membros de seu bando, em Angicos, Sergipe, assassinado por policiais de Alagoas. O apelido de Lampião veio de uma expressão que costumava repetir, gabando-se de que, ao lutar contra seus inimigos, sua espingarda não deixava de ter clarão “tal qual um lampião”.

Seu ingresso no cangaço ocorreu quando tinha apenas 17 anos, tomando parte no bando de Sinhô Pereira. O motivo de sua entrada no banditismo é controverso: para alguns, deveu-se ao desejo de vingar o pai, assassinado por chefes políticos que desejavam as terras da família; para outros, Lampião já era membro de tropas de cangaceiros quando seu pai foi assassinado. Enquadra-se no primeiro grupo Hobsbawn (1976, p. 56), que assim descreve o processo que levou Lampião ao cangaço:

Quando ele [Lampião] tinha 17 anos, os Nogueiras expulsaram os Ferreiras da fazenda onde viviam, acusando-os falsamente de roubo. Assim começou a rixa que o levaria à marginalidade “Virgulino”, recomendou alguém, “confie no divino juiz”, mas ele respondeu: “O Bom Livro [A Bíblia] manda honrar pai e mãe, e se eu não defendesse nosso nome, perderia minha macheza”. Por isso,

Comprou um rifle e punhal na vila de São Francisco; e formou um bando com seus irmãos e 37 outros combatentes para atacar os Nogueiras, na Serra Vermelha. Passar da rixa de sangue ao banditismo era um passo lógico (e necessário, dada a maior força dos Nogueiras). Lampião tornou-se um bandido errante, ainda mais famoso que Antônio Silvino, cuja captura em 1914 deixara uma lacuna no panteão do sertão:

Porém, não poupava a pele

de militar nem civil;

Seu carinho era o punhal

E o presente era o fuzil

Deixou ricos na esmola

Valente caiu de sola

Outro fugiu do Brasil

A vida de fora-da-lei de Lampião começou em razão de roubos de artefatos da pecuária. Sucederam agravos, perseguições a toda sua família, levando-o assim a abraçar o cangaço. Como todo cangaceiro, seu lema era vingança. No princípio começou com tiroteio, emboscada, cerco, resultando mais tarde em mortes e outros feitos.

Logo após a sua ascensão a chefe de bando, Lampião decidiu atacar a cidade de Água Branca, Estado de Alagoas, visando roubar D. Joana Siqueira Torres. Sendo bem sucedido em sua empreitada, logo granjeou notoriedade regional.

Em 1924 uniu-se ao bando de Chico Pereira, natural da cidade de Nazarezinho, Estado da Paraíba, desferindo ousado ataque à cidade de Sousa, sem resistência e nenhum estado de alerta, o município foi palco para mais um capítulo da história de terror do cangaço nordestino.

Implantando o terror por onde passou, Lampião assaltou cidades, incendiou fazendas, assassinou pessoas, desonrou moças. Hobsbawn (Op.cit, p. 57-58), descreve alguns de seus feitos terríveis:

[A história de Lampião] registra horrores: como Lampião assassinou um prisioneiro, embora sua mulher o tivesse resgatado, como ele massacrava trabalhadores, como torturou uma velha que o amaldiçoara (sem saber de quem se tratava) fazendo-a dançar com um pé de mandacaru até morrer, como matou sadicamente um de seus homens, que o ofendera, obrigando-o a comer um litro de sal, e incidentes semelhantes. Causar terror e ser impiedoso é um atributo mais importante para esse bandido do que ser amigo dos pobres.

Já em 1926, Lampião torna-se um nome lendário no Nordeste quando recebeu a patente de Capitão do Exército Brasileiro, armas e munições para combater a Coluna Prestes, concedidos pelo Padre Cícero Romão Batista. Essa patente, não sendo reconhecida pelo Governo Brasileiro, fê-lo continuar com a vida cangaceira.

A Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1994, p. 3548) descreve assim o episódio do encontro com a Coluna Prestes;

Com Lampião vigorou a lei do extermínio, indo do estupro ao incêndio, do saque ao assassinato frio. Na época da Coluna Prestes, Lampião foi convidado a colaborar com o governo por intermédio do Padre Cícero, que lhe ofereceu a patente de capitão. Aproveitou-se do momento para armar melhor todo o seu bando”.

No ano seguinte, 1927, agindo por incentivo de Massilon Leite, resolveu atacar Mossoró, naquela época considerada uma das cidades ricas do Nordeste. Dessa vez, porém, o bando de cangaceiros foi derrotado, batendo em retirada (1).

O prefeito Rodolfo Fernandes e alguns moradores, recebendo informações que o bando cortara a fronteira com a Paraíba e estava marchando para o Rio Grande do Norte, tomaram providências, preparando homens munidos com armas e munição à espera de Lampião e seu bando. Assim, no dia 13 de junho os homens estavam esperando os cangaceiros em pontos estratégicos como as torres das igrejas, casa do prefeito, mercado, cadeia e muitos outros pontos.

Próximo a Mossoró, Lampião se abrigou na fazenda oiticica na companhia do bando, encontrando o Coronel Antônio Gurgel, a quem obrigou a redigir bilhete ao prefeito de Mossoró, que se indispôs a pagar a quantia de 400 contos de Réis estipulada por Lampião, para que a cidade fosse poupada de um ataque fulminante. Indignado, o cangaceiro ataca a cidade, sendo rechaçado pela população armada.

Em 1930, Lampião conheceu Maria Bonita, que abandonou o marido para acompanhar o cangaceiro. À mulher é creditada uma forma de obstáculo ao instinto assassino do novo esposo.

Mesmo diante de tantas atrocidades, o mito do cangaço se espalhou pela caatinga, convertendo em herói os personagens que optaram pela marginalidade e o banditismo. E nesse processo, as diferentes manifestações artísticas tiveram um papel relevante, fazendo da figura do cangaceiro uma temática frequente, principalmente as de caráter acentuadamente popular, dentre as quais se destaca a literatura de cordel.

 

O dia da morte de Virgulino Ferreira da Silva

Madrugada de 28 de julho de 1938. O sol ainda não tinha nascido quando os estampidos ecoaram na Grota do Angico, na margem do Rio São Francisco. Depois de uma longa noite de tocaia, 48 soldados da polícia de Alagoas avançaram contra um bando de 35 cangaceiros. Apanhados de surpresa – muitos ainda dormiam -, os bandidos não tiveram chance. Combateram por apenas 15 minutos. Entre os onze mortos, o mais temido personagem que já cruzou os sertões do Nordeste: Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião.

Virgulino Ferreira, o Lampião em foto rara

Virgulino foi o terceiro filho de José Ferreira da Silva e de Maria Selena da Purificação. Tinha como irmãos: Antônio, João, Levino, Ezequiel, Angélica, Virtuosa, Maria e Amália.

Lampião teve uma infância comum a todos os meninos de uma baixa classe média sertaneja: aprendeu a ler e a escrever, mas logo foi ajudar o pai, pastoreando seu gado. Trabalhou também com seu pai como almocreve – pessoa que transportava mercadorias a longa distância no lombo de burros. Quando adolescente, acompanhado por seus irmãos Levino e Antônio, envolveu-se em crimes por questões familiares. Na época de adolescentes, ele e seus dois irmãos, Levino e Antônio já tinham fama de valentões, andavam armados e gostavam de arrumar confusão nas feiras livres para impressionar as moças. Também tinham o costume de pedir dinheiro por onde passavam. No sertão de sua época, dizia-se, homem macho e de valor, tinha de ser brigão.

Seu pai era um homem tranquilo e pacífico. Após várias tentativas que procuravam finalizar a rixa (por questões de disputa de terras e demarcação de divisas entre propriedades rurais) existente contra a família do seu vizinho José Saturnino, acabou sendo morto pelo delegado de polícia Amarílio Batista e pelo Tenente José Lucena, quando o destacamento procurava por Virgulino, Levino e Antônio, seus filhos.

No ano de 1920, com o objetivo de vingar a morte do pai, Lampião alistou-se na tropa do cangaceiro Sebastião Pereira, também conhecido como Sinhô Pereira.

Em 1922, Sinhô Pereira decidiu deixar o cangaço e passou o comando para Virgulino (Lampião).

Sede de vingança, cobiça e concentração do poder que por Sinhô Pereira lhe fora outorgado, levaram Lampião a se tornar um dos bandidos mais procurados e temidos de todos os tempos, no Brasil. Nesse mesmo ano realiza o primeiro assalto, à casa da baronesa de Água Branca (AL), na qual seus homens saquearam vultosa quantia em dinheiro e jóias[2].

Em 1926, refugiou-se no Ceará e no de 4 de Março recebeu uma intimação do Padre Cícero em Juazeiro do Norte (CE). Compareceu a sua presença, recebeu um sermão por seus crimes e ainda a proposta de combater a Coluna Prestes que, naquela época, se encontrava pelo Nordeste.

Em troca, Lampião receberia anistia e a patente de capitão dos Batalhões Patrióticos, como se chamavam as tropas recrutadas para combater os revolucionários. O capitão Virgulino e seu bando partiram à caça de Prestes, mas ao chegar a Pernambuco, foi perseguido pela polícia e descobriu que nem a anistia nem a patente tinham valor oficial. Voltou, então, ao banditismo.

Em 13 de junho de 1927, após sequestrar o Coronel Antônio Gurgel, promoveu uma tentativa de invasão à cidade de Mossoró (RN), onde perdeu dois de seus famosos auxiliares: “Colchete”, fulminado por uma bala de fuzil logo no início dos combates com os defensores da cidade, e “Jararaca”, ferido no tórax e na perna, capturado no dia seguinte, depois de passar a noite escondido fora da cidade, e depois executado e sepultado no cemitério da cidade pela polícia local. Depois desta derrota, Lampião passaria a ser perseguido pela polícia de três estados: Paraíba, Pernambuco e Ceará. Em fuga, atravessou o rio São Francisco com apenas 5 cabras e reestruturou seu bando no Estado da Bahia. A partir daí, passou a agir principalmente nos estados de Sergipe, Bahia e Alagoas.

Maria Bonita

Em fins de 1930, escondido na fazenda de um coiteiro – nome dado a quem acolhia os cangaceiros – conheceu Maria Déia, a mulher do sapateiro Zé de neném, que se apaixonou por Lampião e com ele fugiu, ingressando no bando. A mulher de Lampião ficou conhecida como Maria Bonita e, a partir daí, várias outras mulheres se integraram ao bando.

Pouco tempo depois, Maria Bonita engravida e sofre um aborto. Mas, em 1932, o casal de cangaceiros tem uma filha. Chamam-na de Expedita. Maria Bonita dá à luz no meio da caatinga, à sombra de um umbuzeiro, em Porto de Folha, no estado de Sergipe. Lampião foi o seu próprio parteiro.

Como se tratava de um período de intensas perseguições e confrontos, e a vida era bastante incerta, os pais não tinham condições de criá-la dentro do cangaço. Os fatos que ocorreram viraram um assunto polêmico porque uns diziam que Expedita tinha sido entregue ao tio João, irmão de Lampião que nunca fez parte do cangaço; e outros testemunharam que a criança foi deixada na casa do vaqueiro Manuel Severo, na Fazenda Jaçoba.

No ano de 1936, o comerciante Benjamin Abraão, com uma carta de recomendação do Padre Cícero, consegue chegar ao bando e documenta em filme Lampião e a vida no cangaço. Esta “aristocracia cangaceira”, como define Lampião, tem suas regras, sua cultura e sua moda. As roupas, inspiradas em heróis e guerreiros, como Napoleão Bonaparte, são desenhadas e confeccionadas pelo próprio Lampião. Os chapéus, as botas, as cartucheiras, os ornamentos em ouro e prata, mostram sua habilidade como artesão.

Maria Bonita sempre insistia muito para que Lampião cuidasse do olho vazado. Diante dessa insistência, ele se dirige a um hospital na cidade de Laranjeiras, em Sergipe, dizendo ser um fazendeiro pernambucano. Virgulino tem o olho extraído pelo Dr. Bragança – um conhecido oftalmologista de todo o sertão – e passa um mês internado para se recuperar. Após pagar todas as despesas da internação, ele sai do hospital, escondido, durante a madrugada, não sem antes deixar escrito, à carvão, na parede do quarto: “Doutor, o senhor não operou fazendeiro nenhum. O olho que o senhor arrancou foi o do Capitão Virgulino Ferreira da Silva, Lampião”.

No dia 27 de julho de 1938, o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. A volante chegou tão de mansinho que nem os cães pressentiram. Por volta das 5:15 do dia 28, os cangaceiros levantaram para rezar o oficio e se prepararem para tomar café, foi quando um cangaceiro deu o alarme, já era tarde demais.

Não se sabe ao certo quem os traiu. Entretanto, naquele lugar mais seguro, segundo a opinião de Virgulino, o bando foi pego totalmente desprevenido. Quando os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva, abriram fogo com metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer tentativa viável de defesa.

O ataque durou uns vinte minutos e poucos conseguiram escapar ao cerco e à morte. Dos trinta e quatro cangaceiros presentes, onze morreram ali mesmo. Lampião foi um dos primeiros a morrer. Logo em seguida, Maria Bonita foi gravemente ferida. Alguns cangaceiros, transtornados pela morte inesperada do seu líder, conseguiram escapar. Bastante eufóricos com a vitória, os policiais apreenderam os bens e mutilaram os mortos. Apreenderam todo o dinheiro, o ouro, e as joias.

A força volante, de maneira bastante desumana para os dias de hoje, mas seguindo o costume da época, decepa a cabeça de Lampião. Maria Bonita ainda estava viva, apesar de bastante ferida, quando sua cabeça foi degolada. O mesmo ocorreu com Quinta-Feira, Mergulhão (os dois tiveram suas cabeças arrancadas em vida), Luis Pedro, Elétrico, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete (2) e Macela. Um dos policiais, demonstrando ódio a Lampião, desfere um golpe de coronha de fuzil na sua cabeça, deformando-a. Este detalhe contribuiu para difundir a lenda de que Lampião não havia sido morto, e escapara da emboscada, tal foi a modificação causada na fisionomia do cangaceiro.

Feito isso, salgaram as cabeças e as colocaram em latas de querosene, contendo aguardente e cal. Os corpos mutilados e ensanguentados foram deixados a céu aberto para servirem de alimento aos urubus. Para evitar a disseminação de doenças, dias depois foi colocado creolina sobre os corpos. Como alguns urubus morreram intoxicados por creolina, este fato ajudou a difundir a crença de que eles haviam sido envenenados antes do ataque, com alimentos entregues pelo coiteiro traidor.

Percorrendo os estados nordestinos, o coronel João Bezerra exibia as cabeças – já em adiantado estado de decomposição – por onde passava, atraindo uma multidão de pessoas. Primeiro, os troféus estiveram em Piranhas, onde foram arrumadas cuidadosamente na escadaria da igreja, junto com armas e apetrechos dos cangaceiros, e fotografadas. Depois Maceió e depois, foram ao sul do Brasil.

No IML de Maceió, as cabeças foram medidas, pesadas, examinadas, pois os criminalistas achavam que um homem bom não viraria um cangaceiro: este deveria ter características sui generis. Ao contrário do que pensavam alguns, as cabeças não apresentaram qualquer sinal de degenerescência física, anomalias ou displasias, tendo sido classificados, pura e simplesmente, como normais.

Do sul do País, apesar de se encontrarem em péssimo estado de conservação, as cabeças seguiram para Salvador, onde permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da UFBA da Bahia. Lá, tornaram a ser medidas, pesadas e estudadas, na tentativa de se descobrir alguma patologia. Posteriormente, os restos mortais ficaram expostos no Museu Nina Rodrigues, em Salvador, por mais de três décadas.

Durante muito tempo, as famílias de Lampião, Corisco e Maria Bonita lutaram para dar um enterro digno aos seus parentes. O economista Silvio Bulhões, em especial, filho de Corisco e Dadá, empreendeu muitos esforços para dar um sepultamento aos restos mortais dos cangaceiros e parar, de vez por todas, essa macabra exibição pública. Segundo o depoimento do economista, dez dias após o enterro do seu pai violaram a sepultura, exumaram o corpo e, em seguida, cortaram-lhe a cabeça e o braço esquerdo, colocando-os em exposição no Museu Nina Rodrigues.

O enterro dos restos mortais dos cangaceiros só ocorreu depois do projeto de lei no. 2867, de 24 de maio de 1965. Tal projeto teve origem nos meios universitários de Brasília (em particular, nas conferências do poeta Euclides Formiga), e as pressões do povo brasileiro e do clero o reforçaram. As cabeças de Lampião e Maria Bonita foram sepultadas no dia 6 de fevereiro de 1969. Os demais integrantes do bando tiveram seu enterro uma semana depois. Assim, a era CANGAÇO se encerrou, com a Morte de Virgulino.

 

Hipóteses sobre a morte de Lampião

A morte de Lampião é assunto que gera controvérsias. Existem duas hipóteses para a sua morte e de dez dos seus cangaceiros.

As cabeças dos cangaceiros foram expostas em diversas cidades do Nordeste

1ª hipótese: Em 1938, Lampião faz uma incursão no agreste alagoano, escondendo-se depois no estado de Sergipe. A polícia de Alagoas ficou sabendo do esconderijo de Lampião e uma volante comandada pelo Tenente João Bezerra da Silva juntamente com o Sargento Ancieto Rodrigues e sua tropa alagoana, conduzindo inclusive metralhadoras portáteis, cerca o bando.

Na madrugada de 18 de julho de 1938 começou o ataque que durou aproximadamente 20 minutos e cerca de 40 cangaceiros conseguiram fugir.

Lampião e 10 cangaceiros foram mortos na gruta de Angico, suas cabeças foram cortadas e expostas em praça pública em diversas cidades. Angico era o esconderijo, a fortaleza de Lampião. É uma gruta de pedras redondas e pontiagudas que pertence ao estado de Sergipe. O esconderijo foi apontado para os policiais por um homem de confiança de Lampião, Pedro Cândido, que depois foi morto misteriosamente em 1940.

2ª hipótese: Admite-se que houve um plano de envenenamento. Como Pedro Cândido era homem da inteira confiança de Lampião, ele poderia ter levado garrafas de quinado ou conhaque envenenadas, sem que as tampas tenham sido violadas. Outros historiadores afirmam que Pedro Cândido teria levado para os cangaceiros pães envenenados e como era de total confiança, os alimentos não foram testados antes de serem comidos.

Tal argumento se baseia nos urubus mortos perto dos corpos após terem comido as vísceras dos cangaceiros e também porque quase não houve reação às balas da volante policial.

A tropa, que tomou parte no fuzilamento e na degola dos cangaceiros, se compunha de 48 homens. O tenente João Bezerra que chefiava o ataque disse que foi rápido. Cercaram os bandidos num semicírculo. Um soldado da polícia foi morto, alguns ficaram feridos e 11 cangaceiros tiveram suas cabeças cortadas.