Política

Entrevista: 'É possível corrigir emendas para que haja transparência', diz presidente do TCU

Ao GLOBO, ministro Bruno Dantas amplia coro por mudanças no modo de destinação de verbas pelo Congresso. Ele também diz que decisão sobre relógio de Lula foi jurídica

Agência O Globo - 18/08/2024
Entrevista: 'É possível corrigir emendas para que haja transparência', diz presidente do TCU
TCU - Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Chefe do órgão responsável por fiscalizar a aplicação dos recursos públicos federais, o presidente do Tribunal de Contas da União ( TCU), Bruno Dantas, se une ao grupo de autoridades que defendem mudanças no sistema destinação de emendas de comissão — que não identifica o autor da indicação da verba. Em entrevista, Dantas atribui a falta de transparência a um provável descuido do Congresso e diz que a Corte de Contas pode atuar para corrigir eventuais “distorções”.

A opacidade nos repasses de recursos indicados por deputados e senadores conflagrou uma crise entre os Três Poderes na semana passada. Ao falar da relação com o governo Lula, Dantas minimiza a “guerra fria” com a Advocacia-Geral da União (AGU) após criar um órgão de mediação de acordos no TCU e diz que decisões recentes que contrariaram o Planalto não representam qualquer tipo de recado.

Leia a seguir a entrevista:

O Supremo Tribunal Federal tem cobrado mais transparência às emendas parlamentares e determinou a atuação do TCU na auditoria desses recursos. Como o Tribunal vai atuar?

O problema que se está identificando é nas emendas de comissão, que são deliberadas coletivamente. Então, por vezes, ao que parece, não constava no sistema o autor da emenda. A deliberação é coletiva, mas quem foi o autor da emenda? Quem alocou aquele recurso para o município A, o estado B? Não acho que tenha grandes dificuldades para o Congresso identificar quem foi o autor das emendas. O que eu acredito é que esse modelo de emenda de comissão foi implementado meio que às pressas, talvez tenha sido algum descuido do Congresso na identificação disso.

Quais são os problemas que o senhor vê nesse modelo?

O que parece que está acontecendo é que emendas de comissão estão sendo usadas para transferências pulverizadas em muitos municípios. Se isso é uma distorção, acredito que é possível corrigir e que o esforço que deve haver daqui para frente é para que haja essa identificação. O TCU tem recursos técnicos para colocar à disposição do Congresso para que essa transparência seja realizada.

O TCU contrariou interesses do governo ao manter mandatos de dirigentes de agências reguladoras. O Planalto via a possibilidade de indicar novos nomes. Houve alguma pressão do Congresso?

Para mim, não houve. Claro, o plenário é composto de nove ministros, cada um forma sua convicção de acordo com a prova dos autos, de acordo com a sua convicção jurídica. A maioria dos ministros entendeu que se tratava de um ato político, e não de um ato administrativo. Portanto, o tribunal não tinha competência. A governança do TCU não permite que se possa conjecturar um alinhamento de opiniões para passar mensagem X ou mensagem Y.

O senhor acredita que a decisão do TCU de liberar o presidente Lula de devolver um relógio de luxo abre brecha para a anistia no caso dos presentes de Jair Bolsonaro?

Não cabe a mim, como presidente do TCU, comentar o que as pessoas pensam dos julgamentos do tribunal. O TCU se manifesta pela maioria do seu plenário e cinco ministros votaram como votaram. O presidente do tribunal nem vota. A maioria entendeu que precisaria de lei. Isso é o que foi decidido. De novo, decisão jurídica. O compromisso do TCU vai até a proclamação do resultado. Como personagem político A ou B vai utilizar essa decisão, isso não pode nem influenciar, sob pena de nós adotarmos decisões casuísticas.

Lula ligou para o senhor para avisar que irá devolver o relógio?

Aprendi com o presidente José Sarney que telefonema de presidente da República você não revela nem o telefonema nem o conteúdo.

Por que o senhor foi contra a inclusão da AGU na mediação de acordos entre governo e empresas? O governo precisou alterar um decreto que previa essa participação.

Não é a AGU que faz controle de legalidade. A AGU faz orientação de uma das partes. Quem cuida disso é o TCU. Mas isso foi bem entendido. Os ministérios têm consultorias jurídicas que são ocupadas por membros da AGU. Então, dizer que a AGU não estava acompanhando é uma mentira. O que poderia dizer é que o gabinete do ministro da AGU também queria participar. Acho que essa demanda é legítima e nós já atendemos.

A competência do TCU para atuar como mediador nesses acordos entre governo e empresas tem sido questionada...

O Código de Processo Civil diz que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual de conflitos. Mas não é só. A câmara de mediação do TCU, batizada de SecexConsenso, não torna o tribunal parte do acordo. Ela nada mais é do que o nosso esforço para antecipar a análise dos auditores sobre eventuais irregularidades nas cláusulas da repactuação, criando para as partes segurança jurídica.

O senhor vê risco fiscal na situação das contas do governo?

Penso que o Brasil vive uma situação fiscal que inspira atenção, mas não há descontrole. Seria muito útil reunir os presidentes dos Poderes, as lideranças partidárias, o procurador-geral da República, colocar todo mundo numa mesa e mostrar o quadro fiscal do Brasil. É preciso que todos tenham responsabilidade.

O nome do senhor foi cotado para assumir o comando da mineradora Vale. Há interesse do senhor nessa vaga?

Termino o meu mandato no TCU em 6 de março de 2053. Portanto, tem muito chão pela frente. Talvez tenha gente que deseja vir para o TCU e gostaria que eu saísse. Para esses, eu só posso dizer que vão ter que esperar um pouco.