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Criador de figurinhas do WhatsApp, que usa IA, é desativado no Brasil. Entenda

Meta tomou decisão dias após órgão nacional barrar a nova política de privacidade da empresa, que abria espaço para uso de conteúdo dos usuários para treinar inteligência artificial

Agência O Globo - 18/07/2024
Criador de figurinhas do WhatsApp, que usa IA, é desativado no Brasil. Entenda

A Meta — que responde por Instagram, Facebook e WhatsApp — suspendeu no Brasil, nesta quarta-feira (dia 17), o acesso a recursos de inteligência artificial (IA) generativa em suas redes sociais. A suspensão afeta, por exemplo, o criador de figurinhas do WhatsApp. A decisão é decorrente do fato de a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANDP) do país suspender a nova política de privacidade da empresa, que permitia o uso de informações e postagens dos usuários para treinar sistemas de IA.

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Qual foi a justificativa da empresa?

A empresa informou, em nota, que decidiu “suspender ferramentas de genAI (termo, em inglês, para IA generativa) que estavam ativas no Brasil”, enquanto trabalha com a ANPD “para endereçar suas perguntas sobre IA generativa”.

A Meta planejava para este mês o lançamento, no mercado brasileiro, da IA da Meta, um pacote de recursos, já disponível em alguns países, que inclui robôs de inteligência artificial generativa no WhatsApp, Facebook e Instagram. O anúncio sobre a disponibilidade do novo sistema para o Brasil, em português, foi feito por Mark Zuckeberg, CEO da Meta, no início de junho.

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Além da IA da Meta, a empresa vinha liberando para parte dos usuários brasileiros um recurso de criação de figurinhas usando IA generativa que permitia a geração de stickers pelo WhatsApp e Instagram com base em comandos de texto. As imagens, depois, podiam ser compartilhadas nas conversas.

Qual foi a restrição à Meta no Brasil?

A ANPD, em 2 de julho, proibiu a big tech de usar as informações postadas para alimentar sua IA. Segundo a autarquia, faltou transparência da empresa ao mudar seus termos de privacidade.

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A Meta também teria dificultado o trâmite para os usuários se oporem ao uso de suas informações e infringido a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Para a ANPD, havia “riscos de dano grave e de difícil reparação aos usuários”.

A decisão é como a adotada pela União Europeia (UE), onde a empresa chegou a informar aos usuários que as publicações seriam usadas para alimentar os modelos de IA. No Brasil, nem houve aviso.

O que pensam especialistas?

Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, a decisão da ANPD foi acertada. O Data Privacy Brasil, organização civil que trabalha com o tema, considerou que a suspensão cautelar representou "um importante precedente para proteção de direitos" diante da expansão da IA.

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Um dos argumentos da ANPD para a suspensão é que a Meta utilizou a hipótese de "legítimo interesse" para tratar dados pessoais sem justificar claramente a necessidade e finalidade de forma ampla. A empresa não detalhou como iria diferenciar, por exemplo, a coleta de informações sensíveis, como as referentes à origem étnica e racial de usuários, vinculação política, saúde, religião e vida sexual, o que vedaria a hipótese do legítimo interesse.

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— O escopo amplo e vasto adotado pela Meta, que incluiu uso até de dados sensíveis, como de crianças e adolescentes (para treinar a IA), pode ser entendido como ilícito. Mas há várias outras maneiras de usar os dados para desenvolver sistemas de IA — diz o coordenador da Data Privacy Brasil, Pedro Martins.

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Alerta a outras 'big techs'

Rony Vainzof, sócio do VLK Advogados, diz que exigência de consentimento como base legal para o treinamento de IA "praticamente inviabiliza" o desenvolvimento desses sistemas. Ele pondera, no entanto, que o argumento de "legítimo interesse" usado pela Meta precisaria das salvaguardas adequadas, incluindo transparência e garantia do direito à recusa.

— Espero que haja diálogo entre regulador e regulado para que esse caso (suspensão do treinamento e retirada dos serviços) não se torne padrão. Deveria haver diálogo no sentido de garantir o legítimo interesse. Acredito que esse será o caminho — diz Vainzof.

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Para aperfeiçoar os sistemas de IA, a Meta e toda a indústria depende de enormes quantidades de dados, lembra Carlos Rafael Gimenes, professor do curso de Sistemas da Informação da ESPM. Mas é difícil saber o quanto de informações a Meta já coletou para criar os sistemas que pretendia lançar no Brasil.

Léo Xavier, sócio fundador da consultoria de estratégia digital Môre, diz que o caso da Meta é positivo por trazer a discussão "sobre ética e limites de uso da IA generativa". Ele também avalia que o movimento da ANPD pode impulsionar as big techs a adotarem melhores práticas no Brasil, em um cenário ainda sem regulações específicas para a inteligência artificial.

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O que a Meta estava fazendo para treinar sua IA?

A Meta começou a coletar informações de vídeos, fotos e legendas postadas nas redes sociais para treinar inteligência artificial. Para bloquear o uso de seu conteúdo, o usuário brasileiro tinha que enviar uma solicitação para a empresa, em um processo que envolvia pelo menos sete passos até chegar ao formulário.

A companhia alega que o uso das informações públicas de seus usuários teria como fim o aperfeiçoamento de seus sistemas, em um momento em que vem ampliando os recursos de inteligência artificial generativa em suas plataformas.

Na semana passada, a Meta chegou a pedir que a ANPD reconsiderasse sua decisão, mas a entidade negou e concedeu um prazo adicional para que a empresa apresentasse a documentação necessária para comprovar a interrupção da coleta de dados, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.