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Em novo livro, Ruy Castro revela lado B de Tom Jobim: 'Gostava de falar de poesia, dicionário, ecologia'

"Ouvidor do Brasil" reúne textos que celebram vida, obra, curiosidades e contemporâneos do compositor

Agência O Globo - 10/07/2024
Em novo livro, Ruy Castro revela lado B de Tom Jobim: 'Gostava de falar de poesia, dicionário, ecologia'
Em novo livro, Ruy Castro revela lado B de Tom Jobim: 'Gostava de falar de poesia, dicionário, ecologia' - Foto: Reprodução / internet

Em agosto do ano passado, a Academia Brasileira de Letras promoveu uma sessão de pré-estreia de “Elis & Tom — Só tinha de ser com você”, documentário de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay sobre o álbum gravado pela dupla em 1974. Entre o seleto público estava o jornalista e escritor Ruy Castro, eleito para a ABL cinco meses antes. “Em certo momento, olhei para a plateia atrás de mim e pude sentir as ondas de amor partindo dos convidados em direção à tela”, escreve Ruy em “O ouvidor do Brasil”, livro inspirado por aquele sessão especial e que acaba de chegar às livrarias.

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Neste trabalho, o autor reúne 99 crônicas (nove inéditas e 90 reescritas a partir de textos publicados na Folha de S.Paulo) que celebram Tom Jobim (1927-1994), reafirmando seu lugar na cultura brasileira. Ao longo das páginas, o leitor reencontra o compositor de “Chega de saudade”, “Garota de Ipanema”, “Águas de março” e “Wave”, carioca embaixador da bossa nova que gravou com Frank Sinatra. Ao mesmo tempo, é apresentado ao sujeito que colecionava dicionários, prezava botecos e tinha um apito diferente para cada pássaro que queria atrair. Ruy comenta esta opção por dar ênfase ao “Tom longe do piano”:

— Nenhum artista passa o dia inteiro fazendo arte. É muito comum o artista, no caso o músico, só querer saber do seu assunto, a música, quando está trabalhando. É que a música não tem hora para acontecer na cabeça de um músico e, se ele não se cuidar, vai, digamos, trabalhar o dia todo. Por isso, Tom gostava de falar de poesia, dicionário, palavras diferentes, ecologia, floresta, peixe, passarinho.

‘Tom não seria um bom biografado’

Biógrafo de figuras como Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda, o jornalista afirma que Tom “não seria um bom biografado” porque sua trajetória praticamente não teve baixos, só altos:

— Sua vida foi uma saraivada de triunfos artísticos, pessoais, financeiros etc. O leitor ficaria incomodado com tanto sucesso.

E, durante um período, o sucesso de Tom chegou a incomodar. Na virada dos anos 1970 para os 1980, recorda Ruy, as gravadoras diziam que ele não vendia e, na imprensa brasileira, tinha a pecha de “americanizado”. Além disso, o maestro era tido como “chato” por insistir em um assunto sobre o qual, na época, ninguém queria falar: meio ambiente — tema muito presente na fase final de sua carreira. Como ele encararia o caos climático atual?

— Estaria tão ou mais desesperado do que nós. O fato é que, se hoje estamos assim, é porque não resolvemos os problemas que Tom apontava já naquele tempo — diz Ruy, que arrisca que Tom só falou de política uma vez na vida, ao reconhecer que tinha ficado parecido com Luiza Erundina.

Amnésia do Brasil

Se afirma que “Tom não morreu” por sua “permanência em nosso dia a dia”, o autor também reconhece que “tantos de seus parceiros e contemporâneos foram reduzidos a referências nos livros de História”.

Contra o esquecimento, o autor trata de tirar a poeira de nomes importantes da música brasileira, como Johnny Alf, Tito Madi, Newton Mendonça, Billy Blanco e Astrud Gilberto — além de estrangeiros como o arranjador alemão Claus Ogerman, que trabalhou com Tom em sete álbuns e morreu esquecido em 2016.

— O Brasil está cada vez mais amnésico. E nem podia ser diferente, dado o nosso maciço e crescente grau de atraso. Mas o esquecimento dos antigos valores é inevitável. No tempo em que Alf, Tito, Newton e Astrud eram muito conhecidos, nos anos 1960, a maioria dos jovens já não sabia quem eram Assis Valente, Orestes Barbosa, Orlando Silva e Dircinha Batista (estrelas de décadas anteriores). E olhe que estavam todos vivos e trabalhando — diz Ruy, que, apesar de não usar as plataformas digitais, reconhece seu valor. — O que nos salva é que, em qualquer época, há sempre um punhado de jovens que se interessa pelo passado. São eles que mantêm a História viva. Era assim nos anos 60 e é assim hoje. E olhe que há agora um instrumento que não existia lá atrás: o YouTube. Praticamente toda a música brasileira está nele.

O jornalista estreou no domingo uma série na Rádio MEC, escrita com sua mulher, a escritora Heloisa Seixas, e Julia Romeu e narrada por ele. Serão seis programas (disponíveis no site da rádio e nos apps de música) de uma hora contando a história da influência da música americana na brasileira e vice-versa, dos anos 1930 até tempos contemporâneos:

— Temos de “As time goes by” com Francisco Alves a “Mamãe, eu quero” com Bing Crosby.

Ainda sobre futuros projetos, o notório rubro-negro brinca ao comentar o plano do Flamengo de construir seu estádio na Zona Portuária do Rio de Janeiro:

— O Flamengo, quando viaja, joga em verdadeiras arapucas. Quando recebe aqueles times de volta, lhes oferece o Maracanã. Se é para ser assim, melhor oferecermos nossa própria arapuca.