Política

Bolsonaro indiciado: herdeiro saudita que deu joias é patrão de Neymar e foi acusado de mandar matar jornalista

Mohamed bin Salman é o primeiro na linha de sucessão do trono e foi nomeado primeiro-ministro, cargo tradicionalmente exercido pelo rei, em setembro de 2022

Agência O Globo - 05/07/2024
Bolsonaro indiciado: herdeiro saudita que deu joias é patrão de Neymar e foi acusado de mandar matar jornalista

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid foram indiciados pela Polícia Federal no inquérito que apura o desvio de joias do acervo da Presidência. Os investigadores apuraram que os dois cometeram os crimes de peculato e lavagem de dinheiro num esquema de apropriação irregular de pelo menos quatro kits de joias recebidos por Bolsonaro na condição de chefe de Estado.

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Os conjuntos, que incluem relógios, abotoaduras, rosários, esculturas e aneis, foram dados por autoridades da Arábia Saudita e do Bahrein em viagens oficiais ocorridas entre 2019 e 2021. A PF reuniu provas de que alguns desses presentes foram retirados do Brasil durante missões oficiais e depois foram comercializados em lojas nos Estados Unidos.

O caso começou a ser investigado após reportagem do jornal Estado de S. Paulo. Em outubro de 2021, autoridades fizeram várias tentativas subsequentes de liberar os itens de luxo da alfândega no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, onde o material acabou apreendido por não ter sido devidamente declarado. Entre os presentes, haveria pedras preciosas, presentes da Arábia Saudita, liderada pelo ditador Mohamed bin Salman.

Um conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamante estava na mochila de um militar, assessor do então ministro Bento Albuquerque. O titular das Minas e Energia voltava, na ocasião, de uma viagem pelo Oriente Médio. Ainda de acordo com Estado de S. Paulo, ao saber que as joias haviam sido apreendidas, Albuquerque retornou à área da alfândega e tentou, ele próprio, retirar os itens, informando que se trataria de um presente pessoal para Michelle.

A cena foi registrada pelas câmeras de segurança do local. A legislação brasileira impõe como obrigatório declarar qualquer bem avaliado em mais de mil dólares (pouco mais de R$ 5,5 mil) na chegada ao país.

Ao longo da apuração da PF, a defesa de Bolsonaro chegou a afirmar que ele agiu dentro da lei" e "declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens”. Esses itens, na visão dos advogados, deveriam compor seu acervo privado, sendo levados por ele ao fim de seu mandato.

Decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2016, contudo, prevê que objetos de luxo recebidos por autoridades devem ser incorporados ao acervo público do Estado, com exceção de "itens de natureza personalíssima", o que não inclui joias.

Patrão de Neymar

O ditador Mohamed bin Salman é patrão de Neymar, que fechou um vínculo de duas temporadas com o Al-Hilal, um dos clubes adquiridos pelo fundo estatal de investimentos da Arábia Saudita. Aos 37 anos, o príncipe herdeiro é alvo de inúmeras denúncias, entre elas a de mandar esquartejar um jornalista dissidente, intolerância religiosa e de impor um apartheid contra mulheres e homossexuais.

Salman é o primeiro na linha de sucessão do trono e foi nomeado primeiro-ministro, cargo tradicionalmente exercido pelo rei, que sofre da doença de Alzheimer, em setembro do ano passado. Anteriormente, ele atuou como vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa. De acordo com uma estimativa da consultoria Brand Finance, o patrimônio avaliado em US$ 1,4 trilhão (cerca de R$ 7,8 trilhões, na cotação atual).

Nos últimos anos, Bin Salman adquiriu diversos bens. Dentre eles, comprou, em 2021, uma das mansões mais caras do mundo: um castelo localizado em Versalhes, na França, adquirido por 230 milhões de libras, equivalente a R$ 1,6 bilhão. Construído durante três anos, entre 2008 e 2011, o chateau Louis XIV tem arquitetura inspirada nos castelos do século 17. A propriedade conta com um jardim de 23 hectares, uma adega com espaço para mais de 300 garrafas de vinho, duas piscinas e um interior com portas e corrimãos de escada revestidos em ouro.

No entanto, a trajetória do príncipe é marcada por suspeitas de ordem de assassinato e perseguição a minorias. O GLOBO listou as principais acusações contra o príncipe saudita. Confira:

Assassinato de jornalista:

Um relatório da Inteligência dos Estados Unidos sobre o assassinato Jamal Khashoggi, divulgado em 2021, concluiu que Mohamed bin Salman aprovou uma operação para “capturara ou matar o jornalista”. Jamal desapareceu no dia 2 de outubro de 2018, depois que entrou no consulado saudita em Istambul. A Arábia Saudita indicou que ele foi morto “durante uma luta”.

Khashoggi vem de uma família conhecida no país e morava nos EUA, desde 2017, por uma questão de segurança. Ele escrevia colunas para o The Washington Post e havia lançado projetos para consolidar a oposição ao regime saudita, com propaganda e pressão por reformas. O jornalista foi estrangulado por um esquadrão de 15 assassinos sauditas e teve o corpo desmembrado e descartado.

“O príncipe herdeiro via Khashoggi como uma ameaça ao país e apoiava de modo geral o uso de medidas violentas, se necessário, para silenciá-lo”, aponta o documento.

Bombardeios no Iêmen:

Em 2018, um grupo de defesa dos direitos humanos iemenita processou o autocrata por cumplicidade em tortura e tratamento desumano no país. A queixa afirma que o príncipe e então ministro da Defesa da Arábia Saudita foi responsável pelos vários ataques aéreos que atingiram e mataram civis.

"Ele ordenou os primeiros ataques no território iemenita em 25 de março de 2015", disseram os advogados do grupo, Joseph Breham e Hakim Chergui. "A existência de bombardeios indiscriminados pelas forças armadas da coalizão que afetam as populações civis no Iêmen pode ser qualificada como atos de tortura".

O governo da Arábia Saudita liderado por Mohamed bin Salman também é constantemente acusado de apoiar grupos jihadistas, mas permanece como aliado do Ocidente.

Perseguição religiosa e contra minorias:

A monarquia absolutista da Arábia Saudita tem uma população quase inteiramente islâmica. O país não possui liberdade religiosa e a conversão ao cristianismo é proibida por lei. Caracterizado como crime de “apsotasia”, o cidadão pode ser punido com pena de morte. Os cristãos são proibidos de se expressar livremente até mesmo dentro das casas, que são inspecionadas pela polícia da fé. Sinais de culto podem causar a expulsão do país.

A rígida sociedade saudita também oprime as mulheres, que são monitoradas de perto. Durante o patrulhamento e perseguição contra cristãos, elas encontram-se mais vulneráveis, uma vez que, culturalmente, precisariam manter uma boa reputação da família. Um mau comportamento pode prejudicar a honra e é considerado um pecado mortal.

Mulheres sauditas não têm permissão para deixar suas casas sem companhia familiar masculina e correm risco de sofrer abuso físico e sexual. Esse comportamento está relacionado à posição subordinada feminina na sociedade saudita e sua condição desprotegida quando estão sozinhas.

A perseguição contra pessoas da comunidade LGBTQIA + no país é outro ponto denunciado. A lei estabelece pena de morte para os atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo.

Impedimento de encontros familiares:

Em depoimentos ao canal de notícias norte-americano NBC News, 14 funcionários da inteligência dos EUA alegaram que o príncipe herdeiro havia proibido a própria mãe de encontrar o pai, que é rei do país e sofre de Alzheimer, por medo que ela atrapalhasse a sua consolidação no poder.

Mohamed impediu sua mãe, a princesa Fahda bint Falah Al Hathleen, de entrar em contato com o rei Salman por mais de dois anos e pode até tê-la mantido em prisão domiciliar em um palácio real, informou a NBC News.