Internacional

Tratado para preparar o mundo para a próxima pandemia termina sem acordo após dois anos de discussões

Entre os pontos de discórdia estão o acesso equitativo às vacinas e o financiamento para a criação de sistemas de vigilância

Agência O Globo - 24/05/2024
Tratado para preparar o mundo para a próxima pandemia termina sem acordo após dois anos de discussões
Foto: Reprodução

As negociações entre os países-membros da Organização Mundial da Saúde ( OMS) para desenvolver um tratado sobre a prevenção e combate às pandemias foram concluídas nesta sexta-feira sem consenso, após dois anos de esforços. Negociadores esperavam adotar o tratado na próxima semana, mas reuniões canceladas e debates turbulentos impediram o acordo em seções importantes, incluindo o acesso equitativo às vacinas. O órgão de negociação planeja pedir mais tempo para continuar as discussões.

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Uma vez adotado, o tratado estabeleceria políticas juridicamente vinculativas para os países-membros da OMS sobre vigilância de agentes patogênicos, compartilhamento rápida de dados sobre surtos e produção local e cadeias de abastecimento de vacinas e tratamentos, entre outros.

— Já que vocês fizeram todo o possível, não há razão para se lamentar — disse o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, aos delegados.

"Isto não é um fracasso", acrescentou Tedros, apelando aos países que avancem porque "o mundo ainda precisa de um tratado sobre pandemias".

— O que importa agora é saber o que aprendemos com esta experiência e como podemos reiniciar as coisas, recalibrá-las, identificar os principais desafios e avançar — disse.

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As negociações foram prolongadas diversas vezes, sem sucesso. O copresidente do grupo responsável pelas negociações — Órgão de Negociação Intergovernamental, INB, na sigla em inglês —, Roland Driece, descreveu-as como uma "montanha-russa".

— Não chegamos onde esperávamos — disse.

O grupo terá de informar a ausência de acordo à Assembleia Mundial da Saúde — órgão supremo da OMS e do qual fazem parte 194 países, que se reunirá em Genebra de 27 de maio a 1 de junho.

— Esperamos sinceramente que a Assembleia Mundial da Saúde tome as decisões certas para fazer avançar este processo (…) e que cheguemos a um acordo sobre a pandemia, porque precisamos dele — acrescentou Driece.

Obstáculos

A importância de prevenir e combater as pandemias tornou-se evidente após a catástrofe humana e econômica causada pela Covid-19 a partir de 2020, que demonstrou falta de preparação e coordenação entre países.

Há mais de dois anos que um grupo de países tenta desenvolver um quadro geral de resposta para este tipo de situação e, apesar dos progressos alcançados nas últimas semanas, obstáculos difíceis de ultrapassar ainda perduram.

O principal deles é a criação de um sistema multilateral liderado pela OMS para acesso aos patógenos com potencial pandêmico detectados em diferentes países e aos insumos utilizados para combatê-los. Mas países em desenvolvimento têm se mostrado relutantes em compartilhar informações sobre os seus agentes patogênicos sem garantias de acesso a vacinas e outros produtos de saúde.

O financiamento deste plano, especialmente para os países mais pobres, é outro ponto delicado, tal como a distribuição equitativa de testes de detecção, tratamentos e vacinas e os meios para os produzir.

Os negociadores tiveram a opção de apresentar um esboço do tratado à assembleia, na esperança de convencer o órgão a lhes conceder mais tempo. Numa versão preliminar de quinta-feira que a AFP pôde consultar, grande parte do texto já havia sido aprovada.

Assunto em pauta no G20

A dependência dos poucos produtores de insumos farmacêuticos ficou evidente durante a pandemia. Sem uma arquitetura global preparada para responder a uma emergência sanitária em grande escala, a propriedade intelectual para a produção de insumos das vacinas — o que inclui informações sobre a tecnologia de fabricação, formulações específicas e metodologia — ficou nas mãos de poucos países, como por exemplo os Estados Unidos (com a Pfizer e Moderna), o Reino Unido (com a Astrazeneca/Oxford) e a China (com a Sinovac).

A prevenção e resposta a pandemias é dos principais focos nas discussões sobre saúde durante a presidência do Brasil no G20 deste ano. Entre as apostas do Brasil está a criação de uma aliança global para a produção de insumos, medicamentos e vacinas, sobretudo após a pandemia de Covid-19 ter evidenciado as desigualdades nos sistemas de saúde ao redor do mundo. (Com AFP e NYT.)