Internacional
Às vésperas da eleição presidencial, pesquisa mostra cansaço dos russos com a guerra e pessimismo em alta
Base de 'apoiadores convictos' do conflito ficou abaixo de 20%, enquanto maior parte dos entrevistados quer mais gastos sociais e melhores relações com o Ocidente
Uma pesquisa divulgada às vésperas da eleição presidencial da Rússia revelou uma população cada vez mais cansada com a guerra na Ucrânia e preocupada com os problemas internos, como salários, infraestrutura e condições melhores de vida. Não que o ceticismo ameace os planos de reeleição de Vladimir Putin, mas ele deve ter um efeito cada vez maior em seu governo.
Segundo a nova edição da pesquisa do Projeto Crônicas, comandado pelo político de oposição Alexei Miniailo, a chamada “base” de apoiadores da guerra, que defendem o discurso do Kremlin e os seus propalados objetivos, é de 17% dos entrevistados. Em fevereiro do ano passado, eles eram 22% — o número é um pouco mais alto do que o de outubro de 2023, quando essa parcela era de 12%. Foram ouvidas 1.602 pessoas entre 23 e 29 de janeiro, por telefone.
Em um país onde falar abertamente sobre a guerra, especialmente se suas opiniões foram críticas ao presidente Vladimir Putin, pode levar a uma indesejada visita à cadeia ou até a penas longas de prisão, Miniailo e a equipe adotam uma estratégia conhecida de pesquisadores independentes desde os tempos da União Soviética. Afinal, existe, além do medo de discutir o tema com estranhos, a desconfiança sobre quem está perguntando.
Ao invés de questões como “você apoia a guerra” ou “você defende um cessar-fogo”, os pesquisadores perguntaram sobre as atitudes das pessoas sobre a “operação militar especial”, nome dado pelo Kremlin à guerra, sobre a retirada das tropas da Ucrânia sem a conclusão dos objetivos da guerra e sobre as prioridades do orçamento, ou seja, se mais ou menos dinheiro deveria ser destinado ao Exército ou ações sociais.
Sobre o apoio à guerra, 56% dos entrevistados dizem apoiar o conflito, enquanto 39% deles não concordam com uma retirada sem que os objetivos da guerra fossem atingidos e 33% afirmam que os gastos militares devem ser prioritários. Com base nessas respostas, Miniailo e a equipe do Projeto Crônicas descobriram que apenas 17% dos russos concordam com essas três afirmações favoráveis à guerra — segundo os pesquisadores, essa é a “real” base de apoio à invasão, que completou dois anos no mês passado.
— Vemos aqui um cansaço da população com a guerra — afirmou Miniailo, em entrevista ao GLOBO.
Quando o assunto é a mobilização, outro neologismo kremliniano para chamado em massa de homens para o front, 17% — justamente a “base” dos apoiadores da guerra, concordam com uma nova rodada de convocações, algo que o Kremlin não admite, ao menos publicamente. A maior parte dos entrevistados, 29%, diz que a melhor opção é trazer de volta os “mobilizados” sem que novas pessoas sejam chamadas ao front.
Do outro lado do espectro político, o núcleo pacifista é composto por 19% dos entrevistados, um patamar similar ao de fevereiro de 2023 (20%) e de outubro do ano passado (18,5%). Entre os entrevistados, 44% não apoiam a guerra, 40% defendem a decisão de retirar as tropas mesmo sem que os objetivos tenham sido atingidos e, no ponto que parece ser para Putin, 40% dizem que a prioridade são os gastos sociais.
Pobreza e gastos sociais
Na quinta-feira passada, Vladimir Putin proferiu o Discurso sobre o Estado da União ao Conselho da Federação, a Câmara Alta do Parlamento russo. No Ocidente, as menções às armas nucleares repercutiram com destaque, mas internamente chamou a atenção o tom de campanha da fala, que incluiu promessas de aumento de gastos sociais e até da compra de novos veículos, como ônibus urbanos.
— O problema da pobreza ainda é agudo, ele afeta diretamente mais de 9% da população. E entre as famílias maiores a taxa de pobreza é de mais de 30% — disse o presidente. — É necessário definir objetivos claros e avançar consistentemente para os alcançar: garantir que até 2030 o nível de pobreza na Rússia caia abaixo dos 7%, e entre as famílias numerosas caia em mais de metade, para pelo menos 12%.
Para Miniailo, foi uma fala forte na aparência, mas frágil no conteúdo.
— Tenho a absoluta certeza de que esse não é um plano genuíno de Putin, as pessoas querem mais atenção aos temas internos, e ele fez promessas falsas. Por exemplo, ele prometeu 40 mil ônibus novos, mas isso é menos do que o necessário para a reposição natural da frota — opinou.
Caminhando para a quinta vitória nas urnas, Putin moldou o sistema para garantir mais uma vitória sem sustos: além do apoio que ele tem entre boa parte dos russos, a Justiça Eleitoral eliminou potenciais rivais com base em alegações questionáveis e permitiu nas cédulas apenas nomes já simpáticos ao Kremlin.
Isso não impede que a insatisfação de muitos russos transpareça — embora Putin não seja alvo direto de protestos, eles não são tão raros ao redor da Federação Russa, e em muitas ocasiões os pontos mais atacados são a ineficácia do Estado e os muitos problemas a resolver.
Esse sentimento é capturado na pesquisa: os entrevistados foram questionados sobre como eles veem o país depois das eleições se Putin vencer, e também sobre como a Rússia seria se um candidato considerado ideal vencesse. Além disso, a pesquisa incluiu alguns alguns cenários do que seria o futuro perfeito, independente de quem for o líder.
No cenário perfeito a maior parte dos esforços do Estado estaria concentrada na resolução dos problemas econômicos e sociais (83%) o fim da guerra (82%) após o cumprimento dos objetivos militares — apenas 15% consideram que uma nova mobilização faria parte desse mundo, enquanto 58% incluíram a trégua com a Ucrânia e 51% a restauração dos laços com o Ocidente.
Sobre as expectativas para o próximo governo, com Putin e com um hipotético candidato ideal, a imagem de Putin é mais associada ao aumento de gastos militares (72%), ao fim da guerra após o cumprimento dos objetivos militares (56%) e aos problemas internos da Rússia (56%). Apenas 19% dos entrevistados consideram que ele será capaz de eliminar as sanções internacionais e 28% creem que conseguirá reatar os laços com o Ocidente. Os números do candidato ideal para os entrevistados são similares aos do presidente, o que mostra, segundo os pesquisadores, um certo ceticismo dos russos com sua classe política.
“Nem Putin nem o ‘candidato ideal’ saciam a demanda dos eleitores por mudanças positivas em 2024 e 2025”, afirma o relatório. “Por um lado, isso demonstra o pessimismo dos entrevistados, e por outro, uma grande demanda por mudanças, especialmente pelo fim da guerra e pela mudança do foco de uma política externa agressiva para a resolução dos problemas internos e a restauração dos laços com os países ocidentais.”
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