Internacional

Caminho sem volta: BRICS impulsionou desdolarização do mercado mundial, opina analista

A exclusão do dólar já é uma realidade em acordos comerciais entre grandes potências, como a Rússia e o Irã e vem sendo discutida com cada vez mais frequência e intensidade entre os integrantes do BRICS, tirando o sono do governo dos EUA, principal afetad

13/01/2025
Caminho sem volta: BRICS impulsionou desdolarização do mercado mundial, opina analista
Foto: CC0 / /

A hegemonia do dólar está com os anos contados? Para analisar o momento atual e arriscar conjeturas a respeito, o podcast Mundioka da Sputnik Brasil ouviu estudiosos no assunto.

Para a professora de Relações Internacionais do Ibmec- SP, Karina Calandrin, graças a grupos como o BRICS, a dependência do dólar tem diminuído consideravelmente nas exportações de países como o Brasil. O recente aumento do número de integrantes deve acelerar esse processo, opinou.

"Com o BRICS aumentando é muito difícil os Estados Unidos recuperarem essa essa pujança econômica e mesmo geopolítica que eles tiveram no passado", opinou ela. "Acho que é um caminho sem volta, um caminho longo, mas é um caminho que já está acontecendo".

A Indonésia acaba de entrar como membro pleno do BRICS, juntando-se ao Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Arábia Saudita.

Outros nove se enquadram na categoria de parceiros: Belarus, Bolívia, Indonésia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia e Uzbequistão.

Sob a batuta de Donald Trump o governo norte-americano “vai tentar de qualquer forma” enfraquecer o BRICS e ameaçar essa tentativa de quebra da hegemonia do dólar, ponderou ela, que também colocou em dúvidas sua eficácia.

Atualmente, essas trocas comerciais alternativas no BRICS ocorrem com as próprias moedas dos países envolvidos nas transações, mas a pesquisadora vê em um futuro próximo a criação de uma moeda virtual para transações comerciais.

O professor de economia do Ibmec de Brasília, Renan Silva, ponderou que, embora viável, até que uma nova moeda ganhe credibilidade e peso em transações comerciais, é necessário uma série de estratégias e tempo, muito tempo de maturação.

Entre as complexidades que envolvem a implementação de uma moeda, mesmo que virtual, estão as diferenças políticas dos países do BRICS, apontou ele. Silva também citou o atual protecionismo norte-americano como resultado do impacto da entrada da China nos últimos 40 anos na economia globalizada.

"O maior exportador de petróleo hoje para a China são os Estados Unidos. Assim como a soja. Consequentemente, quando a China produz lá, quem é o principal mercado consumidor dos produtos com valor agregado da China? São os Estados Unidos. Por isso que a balança comercial com a China, Estados Unidos-China, é negativa para o lado dos Estados Unidos", disse ele ao lembrar que as principais empresas e fábricas dos Estados Unidos foram para a China nos últimos 30 anos.

As transações comerciais com moedas locais também preocupam o governo Trump, avaliou Silva, pois isso torna esses países "mais autossuficientes, com uma logística mais barata, que é um grande trunfo dos Estados Unidos com relação ao resto do mundo", comentou o economista.

Sanções contra a Rússia catalisaram o processo

As sanções aplicadas à Rússia devido ao conflito na Ucrânia, que incluiu o banimento do sistema Swift de transações financeiras internacionais, acelerou o processo de desdolarização, na opinião dos entrevistados. Ao passar a utilizar outros sistemas, como o chinês, a Rússia tem ajudado a fortalecê-los como alternativas eficientes.

Caso Trump cumpra as recentes promessas de enfraquecer o BRICS por meio de sanções ou ultra taxações dos Estados Unidos, outros países tomarão o mesmo rumo da Rússia.

“O Brasil já tem feito esse caminho já nas últimas décadas pelo menos uma década e meia pelo menos [...] Acredito que seja um caminho que o Brasil vai continuar fazendo e no começo pode vir um um um revés se isso de fato se a política do Trump se consolidar”.

Desdolarização e Brasil

Para Caladrin, a busca pela desdolarização livraria o Brasil do momento atual, em que o dólar interfere diretamente na economia brasileira, consequentemente, na política e na vida das pessoas.

"Se sobe o dólar sobe, sobe o preço de tudo dentro do Brasil e o brasileiro perde poder aquisitivo. O seu poder de compra diminui, porque o nosso salário, o real perde poder de compra em relação ao dólar. O Brasil é um país agrário exportador e todos os insumos para a área agrícola vêm de fora e são comprados em dólar [...] Se a gente fizesse o comércio não em dólar, mas nas nossas moedas locais isso facilitaria", explicou a professora.

Para o economista, o Brasil não está suscetível às oscilações dos Estados Unidos, mas sim a questões estruturais, como gastos obrigatórios, que forçam as contas públicas negativamente.

Entretanto, ele admitiu que um país como os EUA, com risco soberano menor, quando passa a pagar uma taxa de juros maior atrai investimentos que visam taxa de juros maior em ambiente mais seguro.

Uma moeda virtual do BRICS que dispute esse lugar do dólar de única moeda universalmente conversível torna-se nesse contexto mais que oportuna, para a pesquisadora. Mas, para isso, é necessária massiva adesão dos parceiros, defendeu Calandrin, o que ainda é um desafio, já que produtores veem o dólar como mais vantajoso em termos de lucro.

"Não depende só dos países. Estamos em países capitalistas, em que a produção não é estatal, não é toda feita pelo Estado. É feita por produtores privados individuais que controlam suas produções. Então, no caso, depende do interesse deles também nessa negociação".

A disputa regional entre Índia e China, segundo ela, também prejudica o processo de aceleração da desdolarização na opinião da especialista, pelo temor do governo indiano que isso deixará a China ainda mais poderosa econômica e comercialmente.

"Seria realmente uma mudança no jogo e então a Índia tem que ponderar isso: 'Quero que meu adversário regional tenha esse avanço enquanto alta potência ou prefiro perder um pouco'?", disse ela ao destacar que a Índia é aliada dos EUA que é uma aliança importante para ela somente na esfera militar considerando que ela tem um conflito com o Paquistão, ainda não resolvido", comentou ela.

Ela ressaltou que a oscilação do preço do dólar se dá não apenas por conta do comércio, como também devido ao uso da moeda como reserva de valor. E é justamente por isso, que hoje o dólar representa o lastro de todas as outras moedas do mundo, quase uma moeda universal para as transações correntes no mundo.

Dentre as alternativas ao dólar como reserva de valor, o ouro é a principal e cada vez mais utilizada por China e Rússia na última década.

"Os países investindo em outras formas de ter a sua própria reserva de valor que não seja o dólar também auxilia em que esse processo da desdolarização seja mais rápido".

Silva alertou no entanto, que com a cotação do ouro subindo nos últimos quatro anos, os EUA ficaram mais ricos, pois são os maiores detentores mundiais de reservas do metal precioso.

"Por que eles são estrategistas e desde os anos 70. Com o fim do padrão ouro, com receio de um ataque contra o dólar ou com a desvalorização do dólar, eles fizeram uma reserva absurda de ouro. E esse é um outro quesito que dificulta a vida do BRICS", observou.

Ao mesmo tempo, acrescentou: "Se você tiver um arrefecimento do dólar, as reservas do BRICS, da China estão praticamente tudo em dólar. Então todo mundo empobrece também se você tiver uma desdolarização relevante", comentou.

Por Sputinik Brasil