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Os resultados da COP28 e a política nacional

Conferência do Clima em Dubai deixou um certo ar pessimista após seu término, mas avanços importantes foram obtidos nas conversas e no documento final

Agência O Globo - 26/01/2024
Os resultados da COP28 e a política nacional
Os resultados da COP28 e a política nacional - Foto: Reprodução

Perspectivas otimistas e pessimistas rechearam as análises sobre os resultados da COP28, a conferência do clima da ONU realizada no fim do ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A síntese das diferentes interpretações é que houve um passo significativo na direção certa, apesar de não nos colocar numa trajetória segura frente à emergência climática que atinge o planeta.

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Independentemente das percepções, a verdade é que muito do acordado na COP28 irá afetar direta e indiretamente as políticas públicas e estratégias da maioria dos países e empresas. Os complexos acordos internacionais têm papel fundamental para normatizar mudanças e reorientar políticas e investimentos. Pelo menos quatro resultados da COP28 irão influenciar a política nacional nos eixos de energia, adaptação e mercado de carbono, além da próxima meta climática, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês).

No setor energético, o artigo 28 do Balanço Global aprovado em Dubai quebrou um importante dogma das negociações multilaterais de clima, que sempre resistiram a incluir metas setoriais no arcabouço legal do Acordo de Paris. Ao concordar com metas globais para o setor de energia, a COP28 influenciará não só os futuros objetivos de descarbonização dos países e suas NDCs, mas também políticas econômicas, de investimentos e arranjos produtivos.

Na COP28 foi aprovado o objetivo de “triplicar a capacidade global de energia renovável e duplicar a média global de eficiência energética até 2030”. É um sinal político claro de que os investimentos em renováveis vão aumentar ainda mais. Também reforça a posição do Brasil, com seu alto potencial de produção de energia renovável, como um polo de atração no setor. As políticas nacionais de promoção de hidrogênio verde, biometano e biodiesel deverão se beneficiar desta resolução.

A COP28 também fechou acordo para “acabar o mais rápido possível com subsídios aos combustíveis fósseis que sejam ineficientes, ou seja, subsídios não voltados à transição justa ou ao combate à pobreza”. É outro sinal político para reorientar o debate no Congresso Nacional, que hoje considera aprovar uma medida que prorrogaria até 2050 os subsídios ao carvão mineral no Brasil. Uma bizarrice nacional incoerente com as deliberações internacionais.

A decisão mais importante da COP28, que deverá influenciar políticas nacionais e futuros investimentos dos países, foi certamente a menção aos combustíveis fósseis, que demorou três décadas de negociações climáticas para entrar no papel: "fazer a transição em direção ao fim dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando as ações nesta década crítica para atingir emissão líquida zero até 2050, de acordo com a ciência”. A importância desta frase, talhada com esmero diplomático, é deixar finalmente claro que o sistema energético global deve desacelerar ainda nesta década a dependência dos combustíveis fósseis nas matrizes energéticas.

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Assim, todos os países produtores e consumidores de combustíveis fosseis terão de assegurar que suas futuras NDCs contemplem também metas setoriais de energia, levando em conta essas deliberações. Isso amplificará o escrutínio e o debate nacional e internacional sobre o aumento da produção de petróleo e gás, e quais medidas serão adotadas para diminuir seu consumo.

Outro resultado da COP28 refere-se à meta global de adaptação. O texto determina que todos os países tenham planos de adaptação, com avaliações de impactos, riscos e vulnerabilidades, além de sistemas de monitoramento e avaliação. Estabelece também metas temáticas que devem ser atingidas até 2030 para redução de vulnerabilidades em setores como recursos hídricos, segurança alimentar, saúde, cidades, infraestrutura e ecossistemas, entre outros.

Essas metas estão em sintonia com o que o Brasil vem construindo e reforçarão o caminho trilhado pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima na priorização do tema, ampliando o engajamento na elaboração de 15 planos setoriais de adaptação. Como o acordo decidiu dobrar o financiamento para adaptação globalmente, ainda que o recurso seja considerado insuficiente, abriu-se uma nova oportunidade para o Brasil pleitear mais fundos internacionais para esta área.

Não se chegou na COP28, porém, a um acordo sobre as regras gerais de operacionalização do mercado internacional de carbono. Um possível impacto negativo para o Brasil é o atraso no desenvolvimento de capacidades para participar de maneira efetiva do mercado regulado global. O “não acordo” é resultado de uma disputa sobre o nível de detalhamento necessário das regras e processos globais versus nacionais para garantir integridade climática e ambiental dos projetos do mercado de carbono.

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Em paralelo ao debate global, o Congresso atravessa intenso processo para aprovação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões. A discussão internacional sobre integridade ambiental e climática é um aspecto crítico ao qual os parlamentares brasileiros precisarão ter especial atenção na construção do mercado de carbono nacional. Mesmo sem um acordo na COP28, as deliberações deixaram claro que uma governança sólida e meios de verificação de integridade ambiental serão essenciais para alavancar os investimentos necessários no futuro mercado de carbono global.

Finalmente, uma das mais importantes decisões da COP28 foi que as próximas NDCs deverão estar alinhadas com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5°C até 2100, e não mais aos 2°C acordados em Paris. A decisão baseou-se em evidências científicas sobre o profundo impacto da mudança do clima.

Essa diferença de 0,5°C tem consequências catastróficas. Por exemplo, as pessoas expostas à falta de água no mundo podem subir de 245 milhões com 1,5°C para 490 milhões com 2°C. Em vez de 68 milhões, 135 milhões de pessoas podem ser levadas a uma situação de pobreza até 2030 em razão de eventos extremos.

Assumir a meta de 1,5°C significa mitigar de 22 a 25 gigatoneladas de gás carbônico equivalente até 2030 e zerar as emissões líquidas globais até no máximo 2050. Ou seja, as NDCs que serão entregues na COP30, em Belém, terão que aumentar muito suas ambições. O Brasil, como presidente da conferência em 2025, precisará liderar pelo exemplo não só garantindo que sua meta esteja alinhada com 1,5°C, mas apresentando planos robustos para implementação de seus objetivos de mitigação e adaptação.

COPs não são “balas de prata” para resolver o problema sistêmico da mudança do clima. Como expressões concretas da governança global de clima, as conferências têm contribuição importantíssima e única na busca de soluções para o combate à mudança do clima, mas ações em todos os níveis de governança e por todos os setores da sociedade são necessárias.

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A avaliação positiva ou negativa de uma COP pode ser medida de diversas maneiras e perspectivas. Um critério é o nível de ambição que uma COP conseguiu agregar coletivamente para pôr o planeta numa trajetória de 1,5°C. Outro, a capacidade de assegurar os meios de implementação financeiros e tecnológicos para cumprir as metas estabelecidas. Ou ainda a capacidade de influenciar e normatizar políticas públicas nacionais e internacionais, investimentos e atuação do setor privado. Os resultados de Dubai, por exemplo, influenciaram a agenda de grandes investidores na recente reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos.

O tempo dirá se foram significativas as deliberações da COP28, mas a emergência climática não aguarda resultados de acordos internacionais.

*Secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima