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Presidente da Turquia condiciona entrada da Suécia na Otan à venda de caças F16 pelos EUA

Ancara tem travado a entrada de Estocolmo na aliança há meses por conta do abrigo de dissidentes curdos pelo país escandinavo; por outro lado, líder turco usa veto para negociar concessões com ociedente

Agência O Globo - 08/12/2023
Presidente da Turquia condiciona entrada da Suécia na Otan à venda de caças F16 pelos EUA
Turquia - Foto: Reprodução

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, condicionou nesta sexta-feira a ratificação da adesão da Suécia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) à aprovação "simultânea" pelo Congresso dos EUA da venda de aeronaves F-16 para a Turquia. No fim de outubro, o processo tinha dado sinais de que finalmente caminharia, mas as discussões no Parlamento turco foram mais uma vez adiadas — dando espaço para que Erdogan pressionasse por mais concessões.

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Erdogan alega, segundo a Reuters, que tanto o Canadá, também membro da Otan, quanto os EUA insistiam para ratificação da entrada da Suécia antes que Ottawa voltasse a exportar câmeras para drones para Ancara. O país concordou de maneira discreta em voltar a exportar peças de drones para a Turquia após seu aceno favorável à entrada de Estocolmo na aliança.

O jato F-16 é necessário para modernizar a Força Aérea turca. Segundo a Reuters, o pedido foi feito em outubro de 2021. São 40 caças F-16 da Lockheed Martin Corp (LMT.N), além de 79 kits de modernização para seus aviões de guerra. O negócio sairia por US$ 20 bilhões. O governo americano não é hostil à venda, mas o Congresso tem bloqueado por motivos políticos, como violações de direitos humanos pelo país ou tensões com a Grécia.

— O Canadá só fala sobre a Suécia a respeito das câmeras que queremos para nossos drones. Os EUA dizem a mesma coisa. Vocês dizem que tomarão medidas sobre a questão do F-16 depois que ele [o protocolo] for aprovado pelo Congresso [...] Façam simultaneamente e em solidariedade o que têm direito, e nosso Parlamento tomará a decisão necessária — disse o chefe de Estado turco.

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Historicamente neutra, a Suécia passou a avaliar a possibilidade de se tornar membro da organização em maio do ano passado, poucos meses após a invasão russa à Ucrânia, em fevereiro. O processo de adesão foi iniciado ainda no ano passado, juntamente com a Finlândia, cujo processo foi concluído em abril.

A adesão, porém, requer aprovação de todos os integrantes da aliança — algo que Ancara não estava disposta a conceder tão facilmente. Parte de sua hesitação vem da percepção de que os suecos não agiam suficientemente para conter grupos considerados terroristas pela Turquia, com militantes curdos exilados no país escandinavo, especialmente do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Os curdos são a minoria étnica de maior peso na Turquia e defendem mais autonomia.

O sinal verde veio em julho deste ano, embora Erdogan já tivesse indicado dias depois que a ratificação ocorreria somente em outubro, quando o Congresso retornasse do seu recesso. Nesse meio tempo, manifestações anti-Alcorão em cidades suecas irritaram Ancara e quase comprometeram a entrada do país ao bloco — um "crime de ódio que alimenta a hostilidade ao Islã", segundo Erdogan.

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No fim de outubro, o presidente Turco anunciou a apresentação do protocolo ao Parlamento. A Suécia disse que havia recebido garantias pouco tempo depois de que Ancara ratificaria a adesão "dentro de algumas semanas". Mas as discussões foram adiadas, e o comitê de Relações Exteriores do Parlamento turco ainda não definiu uma nova data para a retomada da análise do documento.

Se ratificado, o ingresso da Suécia na aliança completará a transformação do Mar Báltico em uma via navegável dominada pela Otan, fortalecendo assim a segurança e a estabilidade militar do norte da Europa Central e aumentando a capacidade do bloco de proteger seus membros mais vulneráveis: as nações bálticas.

Barganha

Como agora, a Turquia tem usado seu poder de veto para negociar concessões com o Ocidente. Em julho, Erdogan disse que o apoio à entrada da Suécia na aliança só ocorreria se a União Europeia (UE) retomasse negociações de adesão com Ancara. As negociações caminham a passos lentos há quase duas décadas e, apesar de um acordo migratório firmado há sete anos ter quase carimbado a entrada no bloco, as violações de direitos humanos e o retrocesso democrático no país falaram mais alto.

Em 2019, uma comissão do Parlamento Europeu votou para suspender o processo de candidatura turca, e a situação está no limbo desde então. Durante uma Assembleia Geral da ONU, em setembro deste ano, Erdogan chegou a afirmar que o bloco "se esforçava para cortar os laços com a Turquia".

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A resposta, citada pela Associated Press, dizia respeito a um relatório adotado pelo Parlamento Europeu que pedia para a UE explorar "uma estrutura paralela e realista para as relações entre UE-Turquia".

No caso dos grupos de militantes curdos, a Suécia chegou a aceitar algumas condições, implementando uma lei que transforma em crime a filiação de indivíduos vivendo no país em grupos considerados terroristas por Estocolmo e, mais importante, de concordar com a extradição de cidadãos turcos acusados de crimes em seu país — algo anteriormente vetado pela Justiça do país.

Para Vinicius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV e Faap, esta não é a primeira vez que Erdogan utiliza "barganha" para alcançar concessões e, dentro de outros contextos, usar sua posição para aumentar ainda mais seu poder de negociação — ele cita como exemplo o caso do acordo migratório.

Durante a crise na Síria com o Estado Islâmico, Ancara aceitou receber os imigrantes e exigia concessões em troca da não abertura de suas fronteiras com outros países, o que "aumentou o seu poder de barganha". Ao mesmo tempo, o professor frisa que a Turquia também "não tem o poder absoluto".

— Se Erdogan quisesse impedir, ele já teria esticado a corda. Claro, o Ocidente não tem o poder de negociação do passado, mas também é ilusão achar que qualquer um pode fazer o que quiser contra eles — afirmou, salientando que a própria Suécia não fará qualquer concessão.

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Além da Turquia, a Suécia também depende da aprovação da Hungria. O primeiro-ministro Viktor Orbán é próximo da Rússia, que vê na adesão dos países nórdicos uma ameaça à sua segurança, com o Mar Báltico sendo "dominado" pela Otan.

Orbán, líder direitista, disse em setembro que o país não tinha pressa em ratificar a adesão sueca à aliança. Ainda assim, segundo a Reuters, o ministro das Relações Exteriories da Hungria, Peter Szijjarto, havia sugerido em julho que a aprovação do país seria concomitante à turca.

Também neste caso, o professor enxerga o mesmo movimento de poder e negociações condicionados ao aval húngaro:

— Quem é o último a ter o poder de veto tem mais poder, e tudo indica que o Orbán quer isso. Ele pode cobrar um preço mais alto — observou Rodrigues, acrescentando: — A União Europeia não quer a saída da Hungria e por isso que talvez uma concessão mais forte para o Oráan seja feita. E ele estaria em condições desse pedido, se for o último.

Se aprovada pelos dois Parlamentos, a Suécia será o 32º país a fazer parte do bloco militar liderado pelos Estados Unidos e criado no fim da Segunda Guerra Mundial para conter o avanço da influência soviética em direção ao Ocidente. A adesão representa o ápice de uma virada histórica, mas também uma derrota estratégica para a Rússia, que classifica a expansão da aliança como um "ataque à segurança" do país — a aproximação de Kiev da Otan foi uma das justificativas de Moscou para invadir o país vizinho. (colaborou Beatriz Coutinho, com AFP)