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Libertadas contra a sua vontade, mulheres árabes-israelenses sofrem estigma social após acordo de cessar-fogo

Elas foram presas por suas postagens nas redes sociais, acusadas de se 'identificarem com uma organização terrorista'

Agência O Globo - 07/12/2023
Libertadas contra a sua vontade, mulheres árabes-israelenses sofrem estigma social após acordo de cessar-fogo

Entre os 240 prisioneiros e detentos palestinos libertados durante o cessar-fogo de uma semana entre Israel e o Hamas, 15 mulheres se destacaram por serem cidadãs de Israel. Elas fazem parte da minoria árabe de Israel. A maioria foi presa após o ataque liderado pelo Hamas a Israel em 7 de outubro e foi acusada, com base em suas postagens nas redes sociais, de se identificar com uma organização terrorista. Nenhuma delas havia sido condenada por um crime, e todas, exceto uma, se opuseram a serem libertadas como parte do acordo, preferindo se defender no tribunal, segundo entrevistas com uma das mulheres e três advogados envolvidos em seus casos.

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No entanto, no final, 14 das 15 foram libertadas contra a vontade delas, afirmaram os advogados, deixando-as confusas sobre seu status legal e com medo de viver com o estigma de serem associadas a um grupo que a maioria dos israelenses considera uma organização terrorista abominável.

— Socialmente, é muito problemático — disse Nareman Shehadeh Zoabi, advogada da Adalah, um grupo israelense de direitos da minoria, que representa uma das mulheres. — Antecipamos que haverá uma situação social muito complexa para elas depois de serem incluídas neste acordo, e começamos a ver exemplos aqui e ali.

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Algumas das mulheres pagaram um preço por sua inclusão no acordo. Tiros foram disparados perto da casa de uma delas, e muitas estão preocupadas com a possibilidade de serem atacadas na rua.

O Technion, Instituto de Tecnologia de Israel, expulsou uma das mulheres que estava estudando ciência da computação.

— É muito claro: alguém que foi libertado como parte de um acordo de reféns com o Hamas não pode estudar aqui — disse Doron Shaham, porta-voz da universidade.

Árabes em Israel

Aproximadamente um quinto dos israelenses são árabes cujas famílias estavam vivendo no que se tornaria Israel antes da fundação do Estado em 1948. Ao contrário dos refugiados palestinos que acabaram na Cisjordânia, Faixa de Gaza e países árabes vizinhos, esse grupo permaneceu em Israel e recebeu cidadania.

Embora tenham passaportes israelenses, votem e possam exercer outros direitos civis, muitos árabes israelenses acusam Israel de tratá-los como cidadãos de segunda classe e se simpatizam com os palestinos na Cisjordânia, Gaza e no Oriente Médio.

Os ataques liderados pelo Hamas contra Israel em 7 de outubro mataram mais de 1.200 israelenses, principalmente civis, e levaram 240 outros de volta a Gaza como prisioneiros, segundo autoridades israelenses. Israel respondeu lançando uma vasta campanha militar em Gaza contra o Hamas, que controla o enclave. As autoridades de saúde de Gaza afirmam que a campanha militar matou mais de 15 mil pessoas, principalmente mulheres e crianças.

Liberdade de expressão

À medida que a guerra se intensificava, a maioria das 15 mulheres fez postagens nas redes sociais que levaram à sua prisão.

Uma delas compartilhou uma piada sobre capturar uma soldado e uma postagem que dizia "Onde estavam as pessoas pedindo humanidade quando fomos mortos?" sobre fotos de crianças palestinas, segundo capturas de tela vistas pelo New York Times.

Outra mulher adicionou um emoji de coração batendo a uma postagem que dizia "Gaza hoje" com uma foto de palestinos andando em um veículo militar israelense capturado e compartilhou uma foto de palestinos rompendo uma brecha na cerca da fronteira de Gaza em 7 de outubro com um texto que dizia: "Enquanto o Exército que não pode ser derrotado estava dormindo".

Essas duas mulheres e outras 12 foram presas e acusadas de se identificarem com um grupo terrorista e outras acusações. Outra mulher havia sido detida anteriormente por acusações, incluindo tentativa de homicídio e identificação com um grupo terrorista, mas não havia sido condenada por nenhum crime.

Em 24 de novembro, Israel e o Hamas concordaram com o cessar-fogo que duraria uma semana e permitiria a libertação de 105 reféns de Gaza, principalmente mulheres e crianças, em troca de 240 mulheres e menores de idade palestinos detidos por Israel. A maioria dos palestinos libertados era da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, mas a lista também incluía as 15 cidadãs israelenses.

Zoabi, a advogada, disse que Israel evitava há muito tempo permitir que seus cidadãos árabes fossem representados por grupos palestinos, incluindo o Hamas, em tais acordos, e não estava claro por que o governo agiu de maneira diferente desta vez.

David Becker, porta-voz do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, se recusou a comentar sobre a libertação das mulheres.

O governo não perguntou às mulheres ou a seus advogados se elas queriam ser incluídas no acordo, nem respondeu aos pedidos de seus advogados para mantê-las fora dele, disse Zoabi. Assim como os outros advogados entrevistados, Zoabi queria defender sua cliente no tribunal por atos que ela chamou de "definitivamente dentro dos limites de sua liberdade de expressão".

As mulheres e seus advogados também temiam que serem libertadas sob um acordo negociado pelo Hamas pudesse prejudicar suas vidas.

— Eu escrevi que minha cliente não queria ser libertada do acordo com o Hamas — disse Ahmad Massalha, outro advogado representando uma das mulheres. — Ser rotulada como afiliada ao Hamas é pior do que qualquer punição que o tribunal teria dado.