Internacional

Quênia enfrenta resistência interna a liderança de missão no Haiti

Envio de força de segurança precisa ser aprovado pelo Parlamento queniano; país africano ofereceu 1 mil policiais, em julho

Agência O Globo - 04/10/2023
Quênia enfrenta resistência interna a liderança de missão no Haiti

O governo do Quênia enfrenta resistência interna para levar adiante a missão internacional no Haiti, aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU na segunda-feira, e considerada de alto risco por especialistas e políticos de oposição. Para liderar a força internacional no país assolado pela violência das gangues, as autoridades quenianas precisam de autorização do Parlamento .

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Dois anos após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, o país caribenho vive uma situação de “catástrofe” segundo as Nações Unidas. Grupos armados já controlam 80% da capital e se espalharam por outras regiões, fazendo com que a insegurança atinja níveis semelhantes aos de países em guerra, segundo a ONU. Até julho, mais de 400 pessoas morreram pela violência promovida pelas gangues este ano, de acordo com a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti (RNDDH).

O governo haitiano vinha pedindo ajuda internacional na segurança havia meses. O atual primeiro-ministro Ariel Henry, nomeado apenas 48 horas antes de Moise ser assassinado, enfrenta dúvidas sobre sua legitimidade — e suspeitas de que possa estar diretamente envolvido no crime.

Em julho, o Quênia apresentou a possibilidade de enviar um contingente de 1 mil policiais [e não soldados das Forças Armadas, como ocorreu durante a missão da ONU liderada pelo Brasil, entre 2004 e 2017]. A oferta foi bem recebida pelos Estados Unidos, um dos cindo integrantes permanentes do Conselho de Segurança. O sinal verde da ONU despertou preocupação no país e críticas de políticos de oposição.

— Qual a missão no Haiti? — pergunta o general reformado Emiliano Kipkorir Tonui, que supervisionou os contingentes quenianos em missões na antiga Iugoslávia, na Libéria e no Timor Leste, completando que — os quenianos devem ser informados. Os dirigentes devem responder ao povo.

Vontade de Deus

O governo está em campanha para defender a missão, mas ainda não encaminhou a proposta ao Parlamento. A Constituição queniana prevê a necessidade de aprovação dos parlamentares para o envio de contingentes ao exterior. Nesta quarta-feira, os parlamentares anunciaram que vão convocar o diretor da Polícia, Japhet Koome, e o ministro do Interior, Kithure Kindiki, para fornecerem detalhes sobre a missão.

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O presidente do Quênia, William Ruto, defendeu o que chamou de “missão pela Humanidade”. O ministro das Relações Exteriores, Alfred Mutua, afirmou ser a “vontade de Deus” ajudar aos descendentes de escravos africanos no Haiti.

As forças de segurança do Quênia, principalmente militares — mas também a polícia — já foram enviadas em missões pelo mundo, mas a do Haiti é “especialmente perigosa”, afirmou Murithi Mutiga, diretor do programa para África do International Crisis Group.

— Os desafios de segurança no Haiti são muito diferentes, já que há gangues que operam em áreas densamente populosas, em assentamentos pobres, que conhecem muito bem o terreno e têm interesse comercial de manter esse controle — ponderou.

Missão suicida

Tonui frisou que os policiais quenianos não têm formação direcionada para esse tipo de missão.

— Não estão treinados como os militares para ler um mapa. Não estão treinados em comunicações. Não estão treinados para manejar armas como metralhadores — apontou o general reformado.

Em uma publicação no X [antigo Twitter], o político de oposição Ekuru Aukot classifiou a proposta de “missão suicida”.

Outro crítico do presidente queniano, o governador do condado de Siaya, James Orengo, atacou a postura dos Estados Unidos.

— Não vamos aceitar que se use sangue queniano para lutar às portas dos EUA, que é uma das nações mais poderosas do mundo, somente para agradar nosso presidente — afirmou.

Defensores de direitos humanos acusam também a polícia do Quênia de ter precedentes em abusar da força contra civis, o que implicaria em risco para os haitianos.