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Onda de atentados no Paquistão reacende temores de uma nova era do terrorismo impulsionada pelo Talibã

Desde que o grupo extremista retomou o poder no vizinho Afeganistão, ataques promovidos por grupos armados que vivem na fronteira voltaram a crescer após quase uma década de aparente tranquilidade

Agência O Globo - 04/10/2023
Onda de atentados no Paquistão reacende temores de uma nova era do terrorismo impulsionada pelo Talibã

Um atentado suicida na semana passada, que deixou 60 mortos durante uma procissão em homenagem a Maomé no Paquistão, trouxe de volta as lembranças dos tempos sombrios de terrorismo. Por quase uma década, o país parecia ter rompido este ciclo após uma operação militar nas áreas próximas ao Afeganistão forçar combatentes de grupos armados a cruzar a fronteira em 2014.

Porém, desde que o Talibã retomou o poder no Afeganistão em agosto de 2021, oferecendo refúgio seguro a alguns grupos em detrimentos de outros, que foram empurrados de volta ao vizinho Paquistão, a violência voltou a crescer.

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O número de ataques terroristas no Paquistão aumentou cerca de 50% no primeiro ano do regime Talibã em comparação com o ano anterior, de acordo com o Instituto Paquistanês de Estudos da Paz, que monitora a violência extremista e tem sede em Islamabade, capital do país do Oriente Médio.

Este ano, o ritmo dos ataques continuou a aumentar. Os atentados em si também ficaram mais ousados, reavivando os temores de uma nação que teme o terrorismo. Em janeiro, um atentado suicida em uma mesquita fortemente vigiada matou mais de 100 pessoas. Um mês depois, militantes atacaram o coração da maior cidade do Paquistão, Karachi, fazendo um cerco de horas à sede da polícia. Outra explosão suicida, em um comício político, matou mais de 50 pessoas em julho.

No último massacre, na sexta-feira, um homem-bomba provocou uma explosão em uma procissão religiosa que deixou uma carnificina na rua. Nenhum grupo ainda reivindicou a autoria.

Ao visitar as famílias das vítimas, o general Asim Munir, chefe do Exército paquistanês, reiterou o compromisso do governo de realizar uma nova operação militar nacional contra os grupos armados.

— As Forças Armadas, a Inteligência e as agências de aplicação da lei não descansarão até que a ameaça do terrorismo seja erradicada do país — disse Munir.

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A violência aumentou os temores de que a região — que já abriga uma das maiores concentrações do mundo de grupos na lista de Organizações Terroristas Estrangeiras dos EUA — esteja se tornando um foco de terrorismo internacional. Isso também alimentou as crescentes tensões entre o governo paquistanês e as autoridades do Talibã, que negam oferecer abrigo a combatentes, incluindo seu aliado, o Talibã paquistanês, também conhecido como Tehrik-e-Taliban Pakistan, ou TTP.

Até o momento, há poucas evidências de ações significativas por parte dos militares paquistaneses para acabar com os terroristas. O Paquistão não pode mais contar com o apoio militar dos EUA, que o ajudou a expulsá-los há uma década, e muitos acreditam que o país — que já enfrenta crises políticas e econômicas arraigadas — está, em grande parte, impotente para deter a violência.

Os esforços militares do governo paquistanês são prejudicados "principalmente por causa de divisões políticas e restrições financeiras", disse Adam Weinstein, vice-diretor do programa do Oriente Médio no Quincy Institute, um think tank com sede em Washington.

— É incerto que eles consigam sustentar uma campanha completa contra o TTP — acrescentou.

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O Talibã paquistanês, um gêmeo ideológico do Talibã no Afeganistão, busca impor um governo islâmico rigoroso nas áreas de fronteira do Paquistão e está por trás da maioria dos ataques nos últimos dois anos. Fundado em 2007, o grupo controlava as regiões tribais na divisa entre os país até a operação militar em 2014.

Com o Talibã de volta ao Afeganistão, o grupo ressurgiu. Centenas de combatentes do Talibã paquistanês foram libertados das prisões afegãs durante a tomada do poder. Eles se armaram com equipamentos militares americanos que antes eram fornecidos ao governo afegão apoiado pelos EUA, de acordo com as autoridades paquistanesas. O atual líder do grupo, Mufti Noor Wali Mehsud, também intensificou os esforços para reforçar as fileiras do grupo, atraindo com sucesso grupos afiliados à al-Qaeda, bem como combatentes de organizações antixiitas e combatentes paquistaneses que fizeram parte da insurgência do Talibã no Afeganistão.

Nos últimos meses, o Talibã paquistanês realizou ataques implacáveis, visando principalmente as forças de segurança do país nas áreas tribais ao longo da fronteira. Os confrontos fizeram com que as forças de segurança sofressem suas piores baixas em oito anos — cerca de 400 militares, policiais e outros funcionários do governo foram mortos até o momento neste ano, de acordo com um relatório do Center for Research and Security Studies, um think tank com sede em Islamabade.

Muitos policiais e soldados dizem que se sentem mal equipados para combater os insurgentes. Muhammad, um policial de 34 anos da província de Khyber-Pakhtunkhwa, no noroeste do Paquistão, afirmou que defender o distrito montanhoso era praticamente impossível. Uma dor persistente em sua perna o lembra do perigo — ele sofreu o ferimento quando combatentes, supostamente do Talibã paquistanês, abriram fogo contra ele e seus colegas durante uma patrulha noturna de rotina em abril.

— Os combatentes permaneceram invisíveis para nós, mas nos viram claramente, provavelmente usando óculos de visão noturna — disse Muhammad, que pediu para usar apenas seu primeiro nome porque temia represálias e não estava autorizado a falar com a mídia.

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Para os paquistaneses comuns que vivem nas áreas tribais, o retorno da violência é um retrocesso devastador que reaviva as lembranças da época em que os grupos armados operavam quase livremente na região, alimentando um sentimento de medo latente no cotidiano dos moradores. Nos últimos meses, os combatentes voltaram com suas práticas de extorsão, ameaçando comerciantes e líderes locais e exigindo grandes somas de dinheiro para evitar que suas famílias sejam alvos de ataques.

Em resposta ao aumento da violência, muitas pessoas decidiram fazer as malas e abandonar suas casas nas áreas tribais, temendo por suas vidas.

Saeed Wazir, um empreiteiro do distrito de Waziristão do Norte, em Khyber-Pakhtunkhwa, partiu para a capital Islamabad depois de uma explosão que parecia ter como alvo um comboio militar, mas que, em vez disso, atingiu um caminhão que transportava trabalhadores. Ele disse que a violência atual era quase mais aterrorizante do que antes porque os combatentes estavam atuando nas sombras, tornando o perigo e a paranoia cada vez mais presentes.

— Agora eles operam na clandestinidade e empregam táticas de ataque e fuga — disse Wazir. — Há um medo constante de tropeçar em um dispositivo explosivo na beira da estrada ou de ser pego em um tiroteio ou em um atentado suicida.