Internacional
Honduras, o país onde o método Bukele de combate às gangues fracassou
Presidente Xiomara Castro decretou estado de emergência inspirado em El Salvador há 10 meses. Assassinatos diminuíram, mas poder das gangues continua
Eram quase 9h do dia 20 de junho e 46 detentas estavam sendo assassinadas dentro da prisão de Támara, em Honduras, no pior massacre da História em uma prisão feminina. O ataque, com fuzis, facões e gasolina, ocorreu pelas mãos de uma gangue, em um país que estava em estado de emergência havia meses. Foi o golpe definitivo para que o governo da presidente Xiomara Castro, pressionada pelas críticas à insegurança e pela pressão das elites empresariais, tomasse novo rumo.
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Ninguém em Honduras acredita que o massacre de Támara tenha sido uma coincidência. Obrigou Castro a dar uma reviravolta no regime de emergência: demitiu o ministro da Segurança e mais uma dezena de funcionários, reverteu uma das primeiras medidas que tinha tomado ao entrar no Executivo e devolveu o controle das prisões aos militares, anunciou a construção de uma prisão de segurança máxima em uma ilha para isolar completamente membros de gangues e publicou no Twitter imagens de prisioneiros sendo subjugados apenas em roupas íntimas. Tudo apontava na mesma direção: Honduras estava disposta a adotar o método do presidente salvadorenho Nayib Bukele.
Até agora, mesmo em plena situação de emergência, muitos hondurenhos resumem a vida em Tegucigalpa, a capital, como uma prisão a céu aberto. Assaltos e sequestros são diários, há pontos de táxi que pagam taxas de extorsão a até sete grupos diferentes, farmácias alertam que o dinheiro fica guardado em um cofre do qual os funcionários não têm chave, as avenidas estão cheias de carros com vidros enfumaçados e os bairros em locais mais altos, as favelas, ainda são controlados por gangues.
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Em nove meses, 23 caminhoneiros foram mortos. O primeiro crime contra ambientalistas em 2023 ocorreu em Honduras — Jairo Bonilla e Aly Domínguez, que defendiam o Rio Guapinol contra uma mineradora — e desde então oito já foram assassinados. Todos os crimes ocorreram dentro de um estado de exceção, onde 90% dos homicídios permanecem impunes.
Ao assumir a presidência, Xiomara Castro tomou uma decisão inédita: tirou a segurança das mãos do Exército. Queria fortalecer a polícia, órgão ineficaz, carente de pessoal e de credibilidade junto à população. O experimento não teve tempo de tomar forma.
— Não é coincidência que chegue uma mulher reformista, que não é perfeita, já que também tem acusações de corrupção, mas que diz que vai mudar as coisas e desde então a violência aumente — diz o jornalista investigativo Jared Olson.
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No dia 6 de dezembro de 2022, após uma crise aguda devido à extorsão no setor de transportes, Castro decretou estado de emergência em metade do país, o que inclui as grandes cidades e os municípios mais violentos. Suspendeu garantias constitucionais, como a liberdade de circulação e associação, e permitiu buscas e apreensões sem mandado com o objetivo declarado de facilitar a investigação de crimes. O estado de emergência foi prorrogado, por enquanto, até 6 de outubro.
O Ministério da Segurança, que publica periodicamente os avanços da medida, indica que até julho de 2023 foram registrados 375 homicídios a menos do que no mesmo período do ano passado. É um fato: Honduras tem agora a taxa de homicídios mais baixa dos últimos 18 anos e, mesmo assim, continua a ser a segunda mais alta da América Latina, atrás apenas da Venezuela.
— Acreditamos que a taxa não diminuirá muito mais, porque responde a um modelo de dissuasão e controle, onde o uso da força é priorizado mas as raízes da violência em si não são atacadas — afirma o analista de segurança Leonardo Pineda. — Ou seja, a falta de acesso à saúde, à educação, a um ambiente de vida digno.
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A principal pesquisa de opinião do país, realizada em julho pela empresa ERIC-SJ, mostra que a insegurança é a terceira preocupação da população, muito atrás da crise econômica e da falta de emprego. As três causas levaram a uma fuga de hondurenhos: cerca de um milhão de pessoas deixaram o país, o equivalente a 10% da população.
Mas, se quase metade dos cidadãos concorda com o estado de exceção, de acordo com outra sondagem da Associação para uma Sociedade Mais Justa (ASJ), 77% dizem se sentir igualmente ou ainda mais inseguros do que antes da medida entrar em vigor. Analistas concordam que o estado de exceção existe no papel, mas não mudou, nem para melhor nem para pior, o cotidiano da população.
— Tentaram seguir a tendência de Nayib Bukele, mas Honduras não está preparada para algo assim — diz Pineda.
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Os motivos são muitos: Honduras tem uma posição geográfica chave, com fronteiras terrestres com a Guatemala, El Salvador e Nicarágua.
— É um país-chave para o tráfico de drogas no hemisfério. El Salvador é apenas um pequeno pedaço de terra que pode ser evitado, mas para levar cocaína da Venezuela para o México é preciso passar por Honduras — diz Olson, que investiga corrupção e segurança no país há quatro anos.
Além disso, El Salvador tem um território cinco vezes menor, com quase três vezes mais policiais e duas vezes mais militares que Honduras. O país tem uma das concentrações policiais mais baixas do continente por pessoa: 1,8 por mil habitantes. O Panamá, por exemplo, tem 5,9 — a ONU recomenda uma proporção de 3 policiais para cada mil habitantes.
— Temos um déficit aproximado de cerca de 17 mil policiais no país. Em 2022 ainda houve uma queda. Os jovens não querem ser policiais — acrescenta o diretor de segurança da ASJ, Nelson Castañeda.
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Há ainda outra questão: a forte ligação entre os membros das gangues e o Estado.
— É mais fácil em El Salvador eliminar os membros das gangues porque eles não servem para nada, mas em Honduras é diferente. As forças de segurança movimentam muito dinheiro do tráfico de drogas e não querem eliminar completamente os membros das gangues, porque eles lhe são úteis, são usados para massacres e assassinatos — diz Olson, que mora na Cidade do México, para onde teve que fugir como resultado de suas investigações. — E enquanto os deixam agir, as forças de segurança abandonam as comunidades à própria sorte, durante meses inteiros, anos.
As gangues e os militares
Nada parece ter mudado muito na configuração dos bairros mais perigosos desde a entrada em vigor do estado de emergência. Pelo menos, não na prática. Nas comunidades da capital hondurenha não se pode entrar sem convite. Se estiver dirigindo, o motorista precisa deixar as janelas abertas e piscar as luzes; se estiver de moto, o capacete precisa ser levantado para que o rosto possa ser visto.
Desde o estado de emergência, são muitos os jovens "olheiros" que aparecem na imprensa como imagem de sucesso das operações especiais. O Ministério da Segurança se vangloria em um relatório recente onde afirma que, até 19 de julho, mais de 1.300 pessoas foram detidas — cerca de 500 supostamente envolvidas com gangues. A grande maioria foi levada por crimes de tráfico de drogas, e cerca de 250 por extorsão.
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No entanto, segundo dados da Associação para uma Sociedade Mais Justa (ASJ), menos de metade dos presos por extorsão, por exemplo, foram julgados: apenas 84. A maioria é presa e libertada.
— Eles levam os detidos a um tribunal e não conseguem provar os crimes, porque há muitas deficiências na investigação e o sistema de identificação balística não funciona, por exemplo. Aí, têm que libertá-los ou mantê-los presos sem pena, o que é tão ruim quanto. O universo dos presos tornou-se mais uma medida de pressão e repressão, para propagandear que algo está sendo feito contra a insegurança — diz Pineda.
Segundo os analistas, as gangues são o inimigo perfeito no imaginário público:
— Eles são o inimigo criado, representam todos os males. Mas dizemos desde 2004: os membros das gangues são assassinos de aluguel e um braço executivo da liderança empresarial, política e militar. Eles servem como bucha de canhão e são a desculpa perfeita para um estado de emergência — afirma a jornalista investigativa Wendy Funes.
O último presidente, Juan Orlando Hernández, está preso em Nova York por tráfico de drogas, acusado de facilitar a entrada de toneladas de cocaína no território dos Estados Unidos e de receber milhões de dólares de organizações criminosas de seu país e do México, incluindo o sanguinário Cartel de Sinaloa.
— O problema do tráfico de drogas não foi embora com Juan Orlando, ficou aqui. Os traficantes estão usando as gangues como braço armado, como assassinos de aluguel — diz Pineda. — Há intercâmbio entre o Estado e o crime organizado. Usam uns ao outros para seus próprios interesses. Principalmente o Exército, que manipula as gangues como peças de xadrez.
Relatos de tortura nas prisões também dispararam desde que elas voltaram ao controle dos militares. Durante décadas, a corrupção permitiu que as penitenciárias no país se tornassem centros de operações e laboratórios do crime organizado, e ordens de assassinato e extorsão saíam diariamente das prisões.
Agora, elas são o principal foco de queixas contra os direitos humanos. São bunkers onde jornalistas e organizações não podem entrar: a maior semelhança que Honduras conseguiu até agora com o regime de Bukele.
— Elas eram um braço executor do narco-Estado — explica Wendy Funes. — Os militares fizeram uma cópia barata das prisões de El Salvador. Até agora o estado de emergência tem sido apenas uma resposta de emergência, um teatro, uma medida tomada para dar uma resposta à opinião pública, mas se toda a questão da segurança passar para os militares, sim: teremos um risco.
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