Internacional

Grupo que saqueou petrolífera venezuelana deu apartamento de luxo de R$ 4,8 milhões à miss, revelam documentos

Testa de ferro de organização criminosa investigada por corrupção e lavagem de dinheiro transferiu valor para conta em banco suíço em 2010

Agência O Globo - 04/10/2023
Grupo que saqueou petrolífera venezuelana deu apartamento de luxo de R$ 4,8 milhões à miss, revelam documentos

odelo que representou a Venezuela no concurso Miss Mundo de 2007, Claudia Paola Suárez Fernández, foi cortejada pela quadrilha que saqueou US$ 2 bilhões (R$ 10 bilhões) da principal empresa estatal do seu país, a Petróleos de Venezuela SA (PDVSA). O empresário Luis Mariano Rodríguez Cabello, apontado como líder da rede criminosa, deu à rainha da beleza um apartamento de US$ 950 mil (R$ 4,8 milhões) no edifício Parque Residencial Campo de Oro, em Caracas, em 2010. A informação consta de um relatório confidencial da Unidade de Inteligência da Instituição Financeira de Andorra (Uifand), ao qual EL PAÍS teve acesso.

Donald Trump réu: Saiba como ex-presidente dos EUA subverte lógica e usa acusações legais como trampolim político

'Niño Guerrero': Quem é o líder do Trem de Arágua, maior organização criminosa da Venezuela

Através de uma empresa panamenha (sem atividade), o suposto testa de ferro da organização corrupta transferiu o valor para uma conta no Bank Sarasin, na Suíça, ao casal venezuelano que vendeu a propriedade. Rodríguez Cabello enviou o dinheiro em 11 de fevereiro de 2010 de uma de suas contas no Banca Privada d'Andorra (BPA), entidade escolhida pela conspiração para encobrir as transações.

"Anexo o apoio à transferência de 950 mil dólares para a compra de um imóvel para a senhora Claudia Suárez", indicou o responsável da rede por e-mail, em abril de 2010, a um dirigente sênior da instituição financeira andorrana, segundo os documentos.

Ao analisarem a transação, os investigadores do pequeno principado – onde um tribunal processa desde 2018 trinta membros da organização – ficaram surpreendidos com o fato de o membro da rede ter pago o valor do apartamento. No contrato, apenas a Miss aparece como compradora.

"É suspeito que a Highland (empresa de fachada) tenha ordenado a transferência, mas que nem esta empresa nem Rodríguez Cabello apareçam no contrato de compra e venda", alertaram os agentes da Uifand num relatório confidencial datado de novembro de 2022.

O contrato de compra e venda é assinado pelo casal venezuelano proprietário do apartamento e Claudia Paola Suárez. O "El País" tentou, sem sucesso, localizar a modelo e os vendedores do imóvel para obter a sua versão.

A ligação da representante da Venezuela no concurso Miss Mundo 2007 com a trama que saqueou a PDVSA não é nova. Ela abriu uma conta no BPA para depositar US$ 1 milhão em março de 2009, como o jornal. A modelo então informou ao banco que mantinha relações comerciais com as empresas High Rise e Red Bouquet controladas por outro integrante da conspiração, Diego Salazar, primo do ex-ministro chavista de Energia, ex-presidente da PDVSA e ex-embaixador na ONU Rafael Ramírez.

Em 2019, Rodríguez Cabello conseguiu evitar o pedido de extradição solicitado a Espanha pelas autoridades venezuelanas que o acusam de corrupção. Diego Salazar está preso por corrupção numa prisão venezuelana.

A rede que saqueou a petrolífera venezuelana cobrou comissões de 10% às empresas chinesas que posteriormente receberam prêmios da PDVSA. A equipe operou entre 2007 e 2012 e incluiu entre suas fileiras os ex-vice-ministros venezuelanos de Energia Nervis Villalobos e Javier Alvarado. Através de trinta empresas fictícias panamenhas, criadas pelo banco andorrano, e com contas em paraísos fiscais como a Suíça ou Belize, a organização movimentou os fundos que acabaram em Andorra, um país de 78 mil habitantes protegido até 2017 pelo sigilo bancário.

Os saqueadores escondiam as suas comissões milionárias sob a capa de um trabalho de assessoria e consultoria - por vezes apoiado por uma simples folha de papel com vários parágrafos explicativos - que - segundo os investigadores - não existia. Um tribunal de Andorra investiga os saques colossais desde 2015.