Economia

'Capital privado virá com regras estáveis', diz ex-presidente da Agência Nacional de Águas

Jerson Kelman, que também presidiu a Sabesp, afirma que é preciso ter normas homogêneas em todo território nacional

Agência O Globo - 26/07/2023
'Capital privado virá com regras estáveis',  diz ex-presidente da Agência Nacional de Águas

As novas concessões viabilizadas por leilões já realizados desde 2020 e os efeitos do trabalho inicial dessas novas empresas atuando em água e esgoto no país demonstram o efeito positivo do Marco do Saneamento, avalia Jerson Kelman, engenheiro especialista em hidrologia e ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Sabesp.

Ele ressalta, porém, que é preciso acelerar investimentos e padronizar normas do setor para alcançar a universalização dos serviços.

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Há avanços desde o marco do setor, em 2020?

Já houve mobilização de capital significativo no setor privado, com a assunção de compromisso de investimento de longo prazo, incluindo pagamento de outorgas como no caso dos leilões do Rio de Janeiro. Ainda estamos longe do necessário. Mas já há resultados visíveis. Os novos concessionários têm maior agilidade e trazem resultados com pequenas melhorias.

Na Praia de Copacabana, no Rio, por exemplo, já não vemos mais a formação de línguas negras. A (concessionária) Aegea fez o básico: limpou o interceptor que passa por baixo da Avenida Atlântica e vem desde o aeroporto Santos Dumont até o emissário submarino de Ipanema.

Havia a ideia de que empresas privadas só se interessariam pelo ‘filé-mignon’ do saneamento. Mas vimos a Equatorial assumindo os serviços do estado do Amapá e a BRK pegando Alagoas. O Estado do Rio, que tem áreas difíceis, captou mais de R$ 20 bilhões em outorgas.

É viável universalizar os serviços em 2033?

O marco colocou a meta de universalização para 2033. Já era desafiadora porque envolve uma mobilização de capital difícil de ser alcançada. É bom ter meta porque nos esforçamos para alcançá-la. Ainda que seja difícil.

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Quais os desafios para avançar mais rápido?

Eu comparo o saneamento com a energia elétrica porque praticamente todos os brasileiros têm acesso à energia, mas apenas metade da população tem coleta e tratamento de esgoto. A diferença principal é uma certa homogenização das regras de regulação. A energia é de responsabilidade da União. E este poder concedente tem uma única agência reguladora atuando em todo território nacional. No saneamento, não temos isso. O poder concedente é o município.

Quando há gestão compartilhada, é ainda mais complexo, faltando uniformidade de regras. Isso aumenta a insegurança para o investidor privado. O capital privado só virá com maior intensidade com regras estáveis e homogêneas no território nacional. É tarefa da ANA, que tem se esforçado. Tem um contingente de profissionais muito capacitados.

Mas tem de estimular que se especializem mais em regulação econômica ou atrair esses profissionais de outros setores. Sugeri que se criasse um ranking de agências reguladoras locais. Isso estimularia boas práticas e sinalizaria o grau de risco local a quem quer investir.

E o novo decreto para o setor?

Este ano houve turbulência com os dois decretos do governo Lula. O novo decreto, e não estou dizendo que a solução ficou perfeita, bota uma pedra sobre a discussão, determinando que regras vão valer. É aquela coisa: o ótimo é inimigo do bom. Agora vamos ver se caminhamos para a perenidade das regras.

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Virão novos grandes leilões?

Eles têm sido por maior valor de outorga. Não é o melhor modelo sob o ponto de vista da população. É mais viável do ponto de vista político porque coloca recursos para o dirigente na administração dele. Mas a outorga sai do custo das tarifas. O ideal seria vencer a melhor tarifa. E o edital tem de fixar metas, e não quanto se gasta porque há muita inovação no setor.