Internacional
Denúncias e campanha se sobrepõem e colocam Trump à prova
Quando Donald Trump entrou em um tribunal de Manhattan no início de abril sua fanfarronice de costume foi substituída por uma visível raiva e um notável silêncio, enquanto o ex-presidente era reduzido a réu sob custódia em processo criminal.
Quando ele voltou ao seu clube de Mar-a-Lago horas depois, estava pronto para soltar o verbo.
"O único crime que cometi foi de defender destemidamente nosso país daqueles que desejam destruí-lo", disse a uma multidão de apoiadores leais o primeiro ex-presidente americano a se tornar réu em processo penal.
Trump passou por uma transformação improvável, de estrela de reality show a presidente dos EUA, explorando a insatisfação dos eleitores do Partido Republicano, desiludidos com o sistema político. Enquanto prepara uma tentativa de retorno à Casa Branca, ele e sua campanha esperam que o recebimento da denúncia sirva como um grito de guerra que impulsione os mesmos eleitores. Ele já arrecadou milhões de dólares com as notícias.
É uma abordagem que testará o lema de Trump, de que " toda publicidade é boa publicidade ", agora que seu histórico de décadas dobrando o mundo à sua vontade está indo ao encontro da dura realidade jurídica.
Trump, o primeiro candidato à indicação presidencial pelo Partido Republicano, agora enfrenta a perspectiva inédita de compor outra campanha à Casa Branca ao mesmo tempo em que é julgado por acusações envolvendo uma tentativa de pagar pelo silêncio de mulheres durante sua campanha de 2016. Ele permanece sob investigação nos estados de Geórgia e Washington, criando a possibilidade de vários julgamentos em diversas jurisdições, tudo isso no mesmo momento em que os republicanos começam a votar em seu próximo candidato.
Enquanto isso, os adversários de Trump pela indicação do partido estão lutando para sair de sua sombra que se torna cada vez maior, mesmo diante das graves questões trazidas pelos processos em curso sobre a viabilidade de sua candidatura nas eleições gerais.
"Muitas vezes há um candidato com problemas, cria-se uma distração", disse um pesquisador da campanha de Trump, John McLaughlin. "Eles estão denunciando Trump, ele consome todas as manchetes e a cobertura da mídia."
A maioria dos réus consideraria a prisão uma indignidade para ser tratada com discrição, mas Trump - um homem que sempre buscou os holofotes midiáticos - aproveitou a oportunidade de fazer relações públicas e arrecadação de recursos, anunciando seu itinerário e narrando o passo a passo nas redes sociais.
"A caminho de Baixa Manhattan, o tribunal. Parece tão SURREAL - UAU, vão me PRENDER. Não acredito que isso esteja acontecendo na América. MAGA!" ele escreveu na rede Truth Social enquanto sua comitiva se dirigia ao tribunal, cada um de seus movimentos acompanhado por helicópteros da imprensa pairando no alto.
Sua campanha promoveu ainda mais o evento, com pedidos de arrecadação de recursos. "Meu último e-mail antes da prisão", dizia um deles.
Enquanto ele estava a portas fechadas no tribunal, sendo registrado e tendo as digitais coletadas, sua campanha começou a anunciar um "NOVO ITEM" para doadores: uma camiseta com uma montagem de "foto de identificação" de Trump estampada em preto e branco, incluindo uma régua de altura exagerada e as palavras "NOT GUILTY" ("inocente").
Na realidade, Trump não tirou uma foto de identificação na terça-feira, 4, uma dentre várias exceções ao procedimento operacional regular concedidas ao ex-presidente, destacando o contraste entre a imagem que ele esperava projetar e seu efetivo comparecimento para enfrentar 34 acusações de falsificação de documentos comerciais em primeiro grau.
Pego de surpresa pelas acusações, Trump parecia indiscutivelmente irado ao deixar a Trump Tower na tarde de terça-feira e chegar ao tribunal em Baixa Manhattan. Ele estava impassível e calado ao abrir ele mesmo a porta e entrar sozinho no tribunal.
"Qual você imagina que tenha sido a reação dele?" Foi o que perguntou o advogado de Trump, Todd Blanche, diante do tribunal, logo depois de sua aparição. "Ele está frustrado, está chateado. Mas vou dizer uma coisa: ele está motivado. E isso não vai detê-lo. Não vai reduzir a velocidade."
Durante a audiência, Trump estava contido. Ele passou a maior parte do procedimento ouvindo, e falou apenas 10 palavras no total, incluindo "inocente", "sim", e "obrigado". A certa altura, depois de uma discussão sobre a possibilidade de um de seus advogados estar em conflito de interesses, o juiz disse a Trump que ele tinha direito à representação sem conflito, e perguntou se ele entendia. A resposta de Trump foi tão baixa que o juiz apontou para a própria orelha, sinalizando que não havia escutado. "Sim," disse Trump, então.
Antes da audiência, Trump se recusou a falar com os repórteres reunidos, como era esperado.
"Ele está com raiva", disse Barbara Res, ex-funcionária de longa data que foi vice-presidente da Organização Trump, depois de assistir à audiência. "Ele está com um olhar que eu já vi. E esse olhar diz: eu vou te matar."
De acordo com as pessoas que falaram com ele nos últimos dias, Trump parecia ao mesmo tempo resignado e irritado enquanto lidava com a realidade das acusações em aberto, que permaneceram sob sigilo até a audiência.
"Ele está com raiva. Está frustrado, mas empenhado em derrotar isso", disse a deputada federal Marjorie Taylor Greene, do Partido Republicano da Geórgia, que participou de um evento pró-Trump em Nova York do outro lado da rua do tribunal e se juntou ao ex-presidente em Mar-a-Lago na terça-feira à noite.
Na terça-feira, no tribunal, ele foi descrito como determinado e calmo - furioso com as circunstâncias, mas também satisfeito com o tratamento respeitoso concedido pelos oficiais do juízo, pelo Serviço Secreto dos Estados Unidos e pela equipe do Ministério Público.
"Os GRANDES PATRIOTAS dentro e fora do tribunal na terça-feira foram incrivelmente gentis, na verdade, não poderiam ter sido mais gentis", disse Trump em uma declaração. "Funcionários do tribunal, policiais, e outros foram todos muito profissionais, e representaram muuuuito bem a cidade de Nova York. Obrigado a todos!"
Depois da audiência, Trump pegou um avião direto para sua casa no estado da Flórida, onde fez um discurso indignado em horário nobre, criticando novamente os membros do Ministério Público e o juiz do processo, embora tivesse sido repreendido horas antes em razão de sua retórica inflamada.
Seus assessores haviam reunido uma multidão de centenas de seus apoiadores mais leais. A cena, de certa forma, pareceu mais um lançamento de campanha do que o anúncio moderado que aconteceu na mesma sala em novembro, com o apoio de uma multidão entusiasmada. Depois do discurso, ele se juntou a seus apoiadores em uma recepção no pátio de Mar-a-Lago, onde socializou até tarde da noite.
Trump, de fato, chegou a insistir que o dia havia sido "ótimo" durante uma oração "de emergência" depois de deixar o tribunal.
"Estamos vencendo. Tivemos um ótimo dia hoje, na verdade, porque acabou sendo uma farsa", teria dito ele, de acordo com o áudio.
Trump deve voltar ao tribunal em dezembro para uma audiência, embora os advogados tenham solicitado que ele seja dispensado do comparecimento em razão das medidas extraordinárias de segurança exigidas. O Ministério Público pediu ao juiz que marcasse o julgamento para janeiro - poucas semanas antes do início da votação das primárias do Partido Republicano para a eleição presidencial de 2024. Os advogados de Trump disseram que uma data mais realista seria a primavera do hemisfério Norte, no segundo semestre, um momento em que Trump teoricamente já poderia ter garantido a indicação pelo partido, ou estar no meio de uma dura disputa nas primárias.
Ainda não está claro como as acusações irão repercutir a longo prazo, especialmente se Trump enfrentar novas denúncias na Geórgia e em Washington, onde o Ministério Público está investigando seus esforços para anular os resultados das eleições de 2020 e a forma como lidou com documentos confidenciais. Trump já afastou muitos eleitores indecisos, especialmente as mulheres suburbanas, que o abandonaram em 2020.
Uma pesquisa da CNN realizada depois que a notícia das denúncias foi trazida a público, mas antes que o sigilo fosse removido, constatou que, embora 60% dos adultos nos EUA aprovassem a decisão de apresentar as acusações, a maioria - cerca de três quartos - considerava que a motivação seria pelo menos parcialmente política.
"A curto prazo, acho que, sem dúvida, isso vai reunir mais eleitores de centro-direita em torno do presidente Trump", disse o ex-governador do estado de Wisconsin, Scott Walker, que disputou as primárias do Partido Republicano contra Trump em 2016. "Quem poderia imaginar que um recebimento de denúncia poderia ser alguma coisa além de negativo?"
McLaughlin, o pesquisador eleitoral, disse ter constatado que os eleitores das primárias do Partido Republicano estão se unindo ao ex-presidente.
"Isso só está irritando ainda mais as pessoas que já estavam com raiva", disse. "Elas têm um candidato que é atualmente o favorito à presidência (...) e ele está sendo denunciado por algo que elas não entendem."
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