Variedades
Para François Ozon, visão feminina se impõe em ‘O Amante Duplo’
Vinte e tantos filmes, incluindo o clássico Z, do grego Constantin Costa-Gavras, que ganhou o Oscar e ainda o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro de 1970. Todo ano, o Festival Varilux contempla um grande filme restaurado, mas o objetivo de Emanuelle e Christian Boudier, ao lançar essa plataforma, é promover e divulgar o cinema francês contemporâneo.
O evento compromete distribuidores e artistas, com o aval da Unifrance. Os filmes prometem – Carnívoras, de Jérémie Renier, Yannick Renier, mostra a ligação autofágica entre duas irmãs; O Poder de Diane, de Fabien Gorgeart, é sobre mulher que resolve gestar o filho dos amigos gays e, no processo, vive a própria e intensa história de amor. E, claro, o François Ozon, O Amante Duplo.
Uma mulher se envolve com seu terapeuta. Vai viver com ele e descobre que o amado esconde um lado sombrio. De perto, ninguém é normal? Se a cena inicial, o sexo e o olho, já causam perturbação em O Amante Duplo, o que vem a seguir pode perturbar ainda mais. Ozon filma a garganta de sua protagonista, Chloé. “O que mais me impressionou nessas imagens é o seu aspecto, digamos, clínico. Isso não apenas está no espírito do filme como me pareceu visualmente intrigante. Não faço filmes para chocar – já estou velho para isso (risos). Mas tirar o espectador da sua zona de conforto, e eu mesmo me propor coisas diferentes faz todo sentido”, afirma o diretor francês.
Um psicanalista que se envolve com sua paciente? “Fiz minha lição de casa. Conversei com alguns enquanto escrevia o roteiro. Todos consideram possível, porque o psicanalista também é humano, mas levantam as reservas de ordem ética. No filme, temos dois personagens antagônicos. Louis é perverso, não é um bom psicanalista. Paul é mais honesto. Quando descobre seus sentimentos ele tenta parar as sessões. Muita gente acha que representei Paul com barba e óculos para forçar a semelhança com Sigmund Freud. Não é verdade. Freud não é nem um pouco sexy – eu, pelo menos, não acho. E era fundamental que Jérémie (Renier) fosse viril aos olhos do espectador. Sem isso, não haveria filme. E você sabe – quantas vezes já nos falamos, você como jornalista, eu como diretor, o que me interessa são as pessoas. Quanto mais você penetra no íntimo das pessoas mais tende a se surpreender. Eu me surpreendo. É o que me motiva para filmar”, diz ainda.
O filme baseia-se num livro da norte-americana Joyce Carol Oates. Tem certa semelhança com Gêmeos – Mórbida Semelhança, de David Cronenberg, até porque o horror termina sendo muito forte na história. “Não conhecia o filme de Cronenberg, embora seja um diretor interessante, a quem admiro pontualmente. Gosto dessas suas ideias de que as pessoas podem se tornar aberrações aos olhos de seus semelhantes, mas acho que há uma diferença considerável.
Cronenberg é homem e vê essa história com olhos masculinos. No meu filme, filtrando duplamente Marine Vacth e Joyce (Oates) o que se impõe é a visão feminina. Sinto que estamos ingressando numa era de empoderamento das mulheres. Tenho colocado isso em meus filmes. É um tema que vai se tornar cada vez mais relevante.”
E François Ozon comenta como é, para um homem, refletir esse ponto de vista feminino? “Eu me sinto muito à vontade com a representação do feminino, e não tem nada a ver com o fato de ser gay. Quando filmo homens, a sensação de que estou diante de um espelho. Filmar mulheres é mais lúdico e, ao mesmo tempo, sinto um certo distanciamento. Acho que é mais fácil me esconder por trás de uma mulher.” Marine Vacth? “Para mim, ela é maravilhosa. Marine é jovem, é bela, é sexy. E ela lida muito bem com seu corpo, seus desejos. Posso lhe pedir não importa o que, e acho que ela vai se empenhar em dar o melhor de si. Atores têm de ser seres especiais. Não podem estar presos ao próprio gênero. Um ator que não possa liberar seu lado feminino ou uma atriz que reprime seu lado masculino estão podando a própria capacidade de colocar na tela a complexidade da natureza humana.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: Luiz Carlos Merten
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