Política

Decisão do Supremo não é necessariamente boa para os senadores, diz professor da FGV

13/10/2017
Decisão do Supremo não é necessariamente boa para os senadores, diz professor da FGV
 Dias Toffoli (esq.) e Gilmar Mendes (centro) ficaram do lado vencedor no julgamento | foto: Carlos Moura / STF Foto: BBCBrasil.com

Dias Toffoli (esq.) e Gilmar Mendes (centro) ficaram do lado vencedor no julgamento | foto: Carlos Moura / STF
Foto: BBCBrasil.com

À primeira vista, os senadores brasileiros obtiveram uma vitória na última quarta-feira, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que o Senado precisa autorizar o afastamento de um membro da casa.  Não necessariamente, diz Thomaz Pereira, professor de Direito da FGV-Rio e doutorando da universidade Yale (EUA).

Para o especialista legal, a decisão pode, inclusive, deixar o STF mais à vontade para determinar o afastamento de senadores investigados na Lava Jato, e cobrar um preço político elevado dos senadores, que terão de “salvar” ou “condenar” os próprios colegas.

O STF atendeu parcialmente a um pedido formulado em maio de 2016 pelos partidos PP, PSC e Solidariedade. O que as legendas queriam, à época, era que o STF permitisse à Câmara dar a última palavra sobre o afastamento do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O peemedebista estava afastado das funções desde o dia 5 de maio, por ordem do STF. Cunha é, inclusive, citado no pedido.

Na prática, a decisão dos ministros do STF permitirá ao Senado decidir se mantém ou não o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato de senador. Aécio está proibido de frequentar o Senado, de sair de casa à noite e até de falar com a própria irmã, a jornalista Andrea Neves, por ordem do STF.

Se o Supremo tivesse julgado o pedido à época em que foi feito, a própria Câmara teria que decidir sobre o afastamento de Eduardo Cunha, lembra Pereira. É possível que o destino do político fluminense, alvo de vários processos na Lava Jato, tivesse sido diferente.

O professor da FGV Thomaz Pereira | foto: acervo pessoal / Thomaz Pereira

O professor da FGV Thomaz Pereira | foto: acervo pessoal / Thomaz Pereira
Foto: BBCBrasil.com

 Pereira, que também integra o Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio e o grupo de análise político-jurídica Supra, no qual se dedica a examinar decisões do STF, diz ainda que a decisão de quarta-feira pode deixar o Judiciário mais confiante para determinar o afastamento de políticos que estejam usando o mandato para barrar as investigações, já que o caso acabará no Congresso.

“O STF pode agora, talvez, decidir com mais tranquilidade. ‘Olha, se vocês não acham que é o caso (de afastar), votem aí’. Só o tempo vai dizer se o Supremo vai ser mais restritivo ou mais expansivo no exercício desse poder”, diz.

Ele menciona ainda a possibilidade do desgaste político para senadores e deputados por conta do afastamento ou “salvação” dos colegas investigados.

“Talvez os senadores não queiram ser colocados constantemente nessa situação de ter que votar sobre isso. O primeiro caso a gente vai ver logo, que é o do Aécio Neves. Mas, no decorrer da Lava Jato, é possível que a gente veja essa história acontecendo mais vezes. E não está claro se os senadores querem se ver em uma situação de ter que ficar votando sobre isso, principalmente em um ano eleitoral, como será 2018”, diz Pereira.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – A decisão do STF ontem reestabelece o equilíbrio entre os poderes ou cria um super-legislativo?

Thomaz Pereira – Não dá para dizer que só essa decisão de ontem cria um “super-legislativo”. Acho que o que as pessoas talvez não entendam é que a Constituição já prevê, e isso é indiscutível, que no caso de prisão de congressistas, a Casa (Câmara ou Senado) ao qual ele pertence precisa votar em até 24 horas para decidir se autoriza ou não a prisão.

O que eu diria é que, dado que o Senado já tem que votar no caso de prisão, ele ter que votar também no caso de afastamento não o torna um “super-Senado”. É uma interpretação ampliativa dessa exigência? É. Mas é uma interpretação razoável.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) será beneficiado com a decisão do STF | foto: Wilson Dias / Agência Brasil

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) será beneficiado com a decisão do STF | foto: Wilson Dias / Agência Brasil
Foto: BBCBrasil.com

 O que aconteceu é que, dado o contexto, muita gente ficou com a impressão de que a decisão do Supremo também foi motivada pela conjuntura, pela a reação do Senado (os senadores ameaçaram derrubar a decisão do STF em plenário). Então, tem menos a ver com a razoabilidade da tese e mais com a sinceridade da tese. Essa seria a decisão que o STF teria escolhido se não estivesse numa situação de confronto?

BBC Brasil – Os parlamentares, com essa decisão, ficam mais protegidos da lei que os cidadãos comuns?

Thomaz Pereira – Os parlamentares já são mais protegidos. Eles efetivamente têm algumas imunidades. Têm, por exemplo, uma imunidade sobre o que eles dizem maior que a de um cidadão comum. Assim como um presidente da República, como um juiz ou ministro do STF (que têm outras imunidades).

O que é interessante no contexto é que talvez isso não é algo necessariamente bom para o Senado.

 O STF pode agora, talvez, decidir com mais tranquilidade. ‘Olha, se vocês não acham que é o caso (de afastar), votem aí’. Só o tempo vai dizer se o Supremo vai ser mais restritivo ou mais expansivo no exercício desse poder. E só o tempo vai dizer também como o próprio Senado vai se comportar em relação a esse poder.

Para quem está na situação de sofrer a ordem, a proteção (dada pela decisão de ontem do STF) é boa. Mas para os colegas não é necessariamente bom ficar na posição de ter que fazer esse tipo de controle (dada a pressão da opinião pública).

BBC Brasil – Pode-se dizer que para os congressistas a construção de alianças políticas agora é mais importante que a defesa jurídica propriamente dita?

Thomaz Pereira – A Lava Jato tem um número muito grande de congressistas investigados. Então, essa aliança de pessoas que estão ‘no mesmo barco’ é natural e a gente tem visto isto ocorrendo.  Mas tem certas coisas sobre as quais não há discussão. Não há nenhuma dúvida que o STF pode receber denúncias (tornando os políticos réus). Pode eventualmente condenar, caso haja provas, esses políticos que estão denunciados ou sendo investigados. E caso isso aconteça, sobre isso não tem votação.

Claro que existe proteção, que pode envolver alterações de legislação, envolve o exercício desse poder de autorizar ou não as medidas cautelares. Mas há certas situações que não tem aliança (política) que resolva.

BBC Brasil – O senhor acha que o STF caminha no sentido de minar a própria autoridade com essa decisão de ontem?

Thomaz Pereira – Autoridade tem a ver com percepção. Tem a ver com como a sociedade ou as pessoas sentem que aquele poder está sendo exercido. Autoridade não é meramente poder (de determinar alguma medida). Envolve você aceitar o exercício daquele poder, você considerar que aquele poder está sendo exercido de maneira legítima.

Há sim certas coisas que o Supremo fez nos últimos tempos que prejudicam isso.

Quanto mais parece que as decisões no Supremo dependem aleatoriamente da sua sorte, de com qual relator caiu, em qual turma caiu, mais difícil é levar a sério, e mais ameaçada fica a autoridade do Supremo.

O respeito à decisão decorre de uma certa crença de que aquela decisão está sendo tomada independentemente de quem é o ministro específico ou o réu do caso. Essa fragmentação do STF é algo que atrapalha, assim como isto se manifesta nas críticas de um ministro às decisões tomadas por outros.

BBC Brasil – O que explica que o STF tenha dado decisões monocráticas contra parlamentares (com o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado pelo ministro Marco Aurélio, no fim de 2016) e agora diga que não poderia ter feito isto?

Thomaz Pereira – O exemplo de Renan Calheiros foi o primeiro round do que a gente acaba de ver agora com o Aécio Neves.

Nesses casos, não existe uma incoerência entre a cautelar que afastou o Renan Calheiros da presidência do Senado e a decisão de ontem.

Tinha (no caso de Calheiros) uma questão específica de ele estar na linha sucessória da presidência (da República). E no final das contas aquele caso não foi testado, porque a decisão foi tomada pouco tempo antes do Renan Calheiros sair da presidência do Senado, pelo fim do mandato.

 Em relação ao (ex-deputado Eduardo) Cunha, a decisão foi tomada individualmente pelo Teori Zavascki, mas foi levada imediatamente ao plenário (do STF). No mesmo dia. Foi confirmada pelo plenário por unanimidade. De forma coesa. Todos eles concordaram que aquele caso específico era de afastamento do mandato e da presidência da Câmara. Mas de novo a gente não teve esse teste. Havia um consenso.

Depois do julgamento de quarta-feiora, se fosse exatamente o mesmo caso de Eduardo Cunha, pelo que foi decidido, realmente seria o caso de ser votado pela câmara o afastamento.

 Na época, não falaram nada sobre isto (se a Câmara teria de referendar ou não). Poderiam argumentar que não foram provocados a falar sobre essa questão.

BBC Brasil – Os ministros disseram que tudo que afeta o “exercício regular do mandato” terá de ser referendado pelo Congresso. Ficou claro que tipo de medida terá que ser referendada?

Thomaz Pereira – O final do julgamento foi um pouco confuso. Ficou meio cinzento onde estaria esta linha. Mas o ministro (Dias) Toffoli fez questão de exemplificar: busca e apreensão, interceptação telefônica, todas estas coisas, não precisam de autorização. O critério é algo que atrapalhe o exercício do mandato.

Do outro lado tem um caso extremo, que é a suspensão do exercício do mandato. Que claramente precisaria de autorização do Congresso.

BBC Brasil – O STF decidiu motivado pelo contexto – de uma possível rebelião do Congresso, ou de ter a decisão questionada. E não é a primeira vez que isso ocorre. Está se tornando um padrão?

Thomaz Pereira – Há reações que o Senado ou o Congresso podem ter em relação ao tribunal quando eles discordam de alguma decisão, e que são reações legítimas. Se o Tribunal, por exemplo, interpreta a Constituição de uma maneira com a qual o Congresso discorda, é possível que o Congresso emende a Constituição. No final das contas, quem tem o poder de fazer e emendar as leis são os próprios legisladores.

 Então isto, em situações normais, faz parte de um diálogo saudável para a democracia. O nosso problema é o contexto. A gente sabe que o nosso contexto não é de relações saudáveis e de discordâncias razoáveis e leais entre poderes. A gente está numa situação de crise, uma situação na qual a Lava Jato é o fato político mais relevante do país.

BBC Brasil – A decisão de ontem põe em risco a Lava Jato? Ou há exagero da parte dos procuradores nas críticas à decisão do STF?

Thomaz Pereira – No contexto que a gente vive, é natural que as pessoas vejam com suspeita este tipo de movimento. Achem que este tipo de movimento possa minimizar a capacidade do Judiciário de lidar com esta crise. Mas como eu já disse, há certos poderes que o Judiciário tem que são inquestionáveis.

Receber a denúncia é um poder que o STF tem a qualquer momento. Condenar esses congressistas é um poder que o STF tem a qualquer momento.

A crítica e a pressão devem ser para que as denúncias sejam oferecidas, para que sejam apreciadas, e que os casos sejam efetivamente julgados, antes que os crimes prescrevam. Tanto da parte do Ministério Público quanto do Judiciário.