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O informante
No início ele veio se achegando entre os frequentadores do Bar do Chope, Rua do Livramento. Ninguém sabia de onde Etelvino tinha vindo com aquele ar de malandro carioca, puxando de uma perna. Diariamente no início da tarde ele aparecia com um jornal embaixo do braço, mancando, cumprimentava os habitués do Bar do Chope, abria o jornal e danava-se a ler. Era jornal da semana anterior, mas impressionava por ser jornal de grande circulação no sul do país, O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil.
Com o tempo Etelvino conseguiu plantar informações que o deixou muito respeitado entre os desocupados e boêmios de plantão. Certa vez conversando com um bêbado, ele insinuou ser informante do S.N.I. e das Forças Armadas. No início dos anos 70, auge da ditadura, isso era nitroglicerina pura, como diria depois de alguns anos um nosso Presidente.
Histórias cheias de mistério, invencionices, cada vez mais circulavam no bar. Uns diziam que Etelvino mancava consequência da explosão de uma granada na luta armada contra comunistas, outros afirmavam com certeza, ele era coronel da Aeronáutica, mancava devido à queda de um avião. Todas as histórias convergiam ele ser um araponga em busca de informações, gente importante naqueles anos. Deviam tomar cuidado, não falar sobre política na frente da autoridade. Meter o pau no presidente Médici, nem pensar. Era cadeia certa.
Etelvino alimentava o mistério sobre sua situação, às vezes exagerava em opiniões e histórias. Já fazia parte da roda de desocupados. Quando ele chegava, os companheiros perguntavam pelas novidades. Ele sério colocava o indelével jornal na mesa, entrelaçava os dedos das mãos e iniciava suas invencionices em tom confidencial, carregando no sotaque carioca.
-“Ontem jantei com o coronel comandante do 20º BC no quartel do Exército, infelizmente não posso revelar detalhes, entretanto, digo uma coisa meus amigos, aqui para nós, não vão dizer que fui eu que falei, confio em vocês. É que lá pelo Amazonas para as bandas do Rio Aragarças e Araguaia está havendo maior guerra. Os guerrilheiros comunistas treinados em Cuba, China e Moscou, estão lutando contra os pára-quedistas do Exército. A coisa está preta, muitos mortos e feridos dos dois lados.”
Os colegas de copo ficavam admirados. Essas notícias eram proibidas de serem publicadas em jornais, o que dava uma maior credibilidade ao Coronel Etelvino, como os desocupados já o chamavam. Era coronel para cá, coronel para lá.
Etelvino tinha uma boa fonte de informação. Seu sobrinho, sargento da S/2 secção de informações do 20º BC, passava-lhe algumas notícias por alto, o tio insistia. Depois ele desenvolvia a história com fanfarronice no Bar do Chope.
Certo dia ele estava lendo O Globo da semana anterior, enquanto 10 a 12 estudantes bebiam e conversavam junto à sua mesa. Ele ficou escutando a conversa, maior atenção. Logo depois Etelvino se juntou aos amigos numa mesa mais ao canto e começou sua história da tarde. Os bêbados ficaram emocionados em verem os personagens bem perto, ao vivo.
-“Estão vendo aqueles estudantes, são todos comunistas, fichados. Aquele magro é o Eduardo Bomfim, o galego é o Ronaldo Lessa, o outro mais gordinho chama-se Jurandir Bóia, ainda tem o Ênio Lins, o Aldo Rebelo e o José Rocha. Estão bebendo e tramando subversão. Serão presos nesses próximos dias.”
Os vadios ficavam na maior excitação. Ele sabe de tudo! Que cara bem informado. Admiravam e se orgulhavam da amizade do Informante.
Até que certa tarde quando a “galera” puxava um chope ouviu-se um tiro, dois tiros, vários tiros. Maior correria na Rua do Livramento, gente se abaixando, outros se deitando. Foi Ivanildo Omena, irmão do famoso Cabo Henrique, havia assassinado, descarregando o revólver no seu inimigo Paulo Calheiros no meio da multidão em frente à Igreja do Livramento.
Quando acabaram os tiros, serenou a gritaria, corpos no chão, os bêbados gritaram, “Coronel prenda o assassino”. Só encontraram o grande ídolo algum tempo depois, encolhido embaixo de uma mesa por trás da mureta. Ao responder a um colega que exigia sua interferência naquele brutal assassinato, ele balbuciou, gaguejando, tremendo, ainda acocorado.
“ Não… não.. não sou co..coronel não!!!”
Ao correr para o banheiro Etelvino não pode esconder a calça melada, cagou-se de tanto medo. Depois desse dia nunca mais o carioca Etelvino, o informante, apareceu no Bar do Chope, nem no Centro da cidade.
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