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Odebrecht pagou R$ 11,2 milhões para escritório de filho de ex-ministro do STJ

20/10/2016
Odebrecht pagou R$ 11,2 milhões para escritório de filho de ex-ministro do STJ

A questão central é apurar toda denúncia da Folha para se saber se houve ou não uma ajuda cleptocrata (“tráfico de influência”) em favor da Odebrecht. Cleptocracia ocorre quando as instituições (sobretudo as jurídicas) fomentam ou acobertam o enriquecimento ilícito ou politicamente favorecido em benefício das elites poderosas do país.

Fonte da matéria: Rubens Valente, Folha 16/10/16.

Prova dos pagamentos: um laudo feito pela Polícia Federal na Operação Lava Jato. De acordo com a PF, a empreiteira fez pagamentos de R$ 11,2 milhões para empresas do filho do relator, Marcos Meira

Fato: o escritório do advogado Marcos Meira, filho do ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) José de Castro Meira, recebeu pelo menos R$ 11,2 milhões da Odebrecht de 2008 a 2014. O ministro funcionou no caso de um cliente do seu filho. Seu filho não era o advogado do caso. Se isso tivesse ocorrido haveria impedimento absoluto.

O que fez o ex-ministro? Em 2010 (5/8/10), o então ministro Meira relatou um processo em que considerou prescrita uma dívida de R$ 500 milhões cobrada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional da Braskem, o braço petroquímico da Odebrecht.

Como foi feito o pagamento ao escritório? Quatro dias antes da decisão, foi feito um pagamento de R$ 1,4 milhão para uma das firmas do filho do juiz. A construtora pagou pelo menos R$ 1,1 milhão no ano de 2008, R$ 407 mil em 2009, R$ 3,1 milhões em 2010, R$ 5,1 milhões em 2012, R$ 231 mil em 2013 e R$ 876 mil em 2014.

No dia 16 de novembro, Meira ainda relatou e rejeitou um recurso da Fazenda Nacional contra a decisão.

Mais detalhes:

Os documentos da PF mostram que a Odebrecht mantinha na época relações financeiras com o filho do magistrado. E o magistrado julgou um caso de interesse da Odebrecht.

O processo começou a tramitar no STJ após a Procuradoria da Fazenda recorrer de um acórdão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região a favor da Braskem.

A petroquímica argumentou, e o TRF concordou, que os créditos tributários em discussão “haviam sido atingidos pelo prazo prescricional de cinco anos” da expedição das multas até a data de abertura de uma ação de execução fiscal.

No recurso ao STJ, a Fazenda apontou que o TRF ignorou a existência de várias certidões que, segundo o órgão, atestavam a suspensão de exigibilidade do crédito tributário em discussão.

Durante o julgamento na segunda turma do tribunal, o ministro Herman Benjamin concordou com a alegação da Fazenda Nacional de que o TRF não analisou esse ponto.

“Se ficar demonstrado que a empresa apresentou requerimentos nos quais reconhece a existência do débito, houve a interrupção do prazo prescricional”, disse o ministro na ocasião.

No entanto, Castro Meira, que foi ministro do STJ de 2003 a 2013, defendeu, como relator do recurso, que a prescrição já havia ocorrido e o débito teria que ser desconsiderado.

Castro Meira também afirmou que seguia um entendimento tanto do TRF quanto do Ministério Público Federal. O relatório foi então aprovado por três votos contra um.

Outro lado:

Procurado por meio de sua assessoria, o advogado Marcos Meira informou que “presta serviços” à Odebrecht “há cerca de 15 anos em diferentes áreas do direito, objeto e formas de contratação”.

Minhas propostas legislativas:

1ª) Explicitar, com toda clareza, que nenhum juiz (ou ministro) pode funcionar não só nos processos em que seus parentes (filhos, cônjuges etc.) são partes (isso já está no CPC), senão também nos processos de clientes de seus parentes; cria-se o dever de o advogado informar os nomes dos seus clientes ao tribunal (que assume o dever de sigilo);

2ª) Que a disponibilidade (suspensão), aposentadoria (cessação da função) ou exoneração de juiz (da função pública), em razão de grave violação dos seus deveres funcionais, será sempre sem vencimentos (a pena de exoneração carece de previsão legal e constitucional);

3ª) Explicitar (e, em parte, criminalizar) que o tráfico de influência, sobretudo o “cruzado” (filho de um ministro, por exemplo, exercendo influência em outro ministro), gera a pena de exoneração da função pública. Ministro (ou juiz) que admite o “tráfico de influencia”, particularmente quando “cruzado”, deve ser exonerado da função pública;

4ª) Permitir ação rescisória (por prazo mais longo que o normal) em todos os processos em que o juiz atuou violando o dever de abstenção (particularmente nos casos dos clientes dos seus parentes).

Dimensão extraordinária do problema:

Dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça, dez têm filhos ou mulheres advogados que defendem interesses de clientes com processos em tramitação na Corte (Frederico Vasconcelos, Folha 28/4/16).

Estão registrados como advogados no STJ parentes de Francisco Falcão (presidente), Laurita Vaz (vice), Felix Fischer (ex-presidente), João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino, Sebastião Reis, Marco Buzzi e Marco Bellizze.

A condição de parente do julgador não pode nunca implicar privilégio de tratamento (em detrimento dos outros advogados). Privilégios (que vêm do tempo da Colônia) são coisas abomináveis numa República.

Em março/16, a Folha revelou a existência de quatro decisões do ministro Falcão, todas favoráveis à parte representada por seu filho, o advogado Djaci Alves Falcão Neto.

A solução do problema ainda passa pelo aprofundamento da discussão da Resolução 200/2015, do CNJ, proposta pela corregedora Nancy Andrighi e considerada “moralizadora”.