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A festa continua

16/09/2016
A festa continua

Existiu um sacerdote francês chamado Marcel Marie Desmarais. Era doutor em Filosofia e Teologia. Diplomado em Psicologia e Literatura Francesa. Era portanto homem culto e grande conferencista. Escreveu vários livros entre os quais “A vida num de Mar de Rosas” (O sentido da Vida).

Andou por vários países, fazendo conferências. Esteve no Brasil, inclusive até em Maceió. No mencionado livro, Desmarais lembra uma festa muito cheia de música, artes, canções, enquanto bem perto há garotos que choram com fome. O pai está doente e a mãe morreu.

Enquanto isso, há um casal muito rico que cochila na sua mansão soberba como um castelo. Um automóvel de luxo, uma fábrica em que trabalham mais de duzentos operários. A esposa, por sua vez, tem seis propriedades, algumas empregadas e seus lazeres. Também não faltam joias preciosas.
Batem à porta. Trata-se de uma comissão de coletores de esmola. O marido vai meio aborrecido ver o de que se trata. Dá como resposta o que se segue: Lamento, não tenho nada … Talvez no próximo ano …

Como diz Desmarais ironicamente: “Feliz demais para ter coração”. E o aludido escritor continua: “Evidentemente, nem todos os ricos são desprezíveis. Conheço-os generosos, caridosos, edificantes. Mas esse senhor e sua senhora pertencem à categoria dos abjetos. Para eles, todas as fantasias são permitidas e não há preços que os detenham. Para socorrer os pobres nunca têm uma moedinha”.
Após algumas ruas desse luxo exagerado, encontravam-se cinco crianças e sua mãe, quase que morrendo na sua miséria. Certa noite, vizinhos foram até à sociedade de São Vicente de Paulo participar o triste acontecimento. Dois membros da Conferência Vicentina arranjaram pão, leite e outros alimentos. Não quiseram esperar para o outro dia. E assim descreveu o Padre Demarais: “Era pungente ver os pobrezinhos devorarem a sua ração como feras”.

Adlai Stevenson, no seu Discurso em Kasson, chegou a dizer: “Um homem com fome não é um homem livre”. Já Pope(1688-1744) diz com certa ironia: “Juízes com fome apressam-se a assinar a sentença. Miseráveis são enforcados para que o júri possa jantar”.

O citado conferencista e escritor explica como a família das crianças esfaimadas chegou a tal extremo. Após a chamada Segunda Grande Guerra (1939-1945), um soldado do Canadá se casou com uma jovem holandesa, levando-a para o Canadá. Ele, soldado, não se adaptou à vida civil.
Nesse ínterim, foram chegando os filhos e a situação foi se complicando. O dono da casa voltou a alistar-se novamente. Veio, algum tempo depois, a falecer. A esposa, agora viúva, recebeu durante certo tempo, uma pensão do governo.

Depois nada mais recebeu. Os visitantes das crianças esfaimadas foram no outro dia visitar as crianças que se alimentaram com a chegada dos auxílios. E viram a mãe como que enlouquecida, porque um bebê de um ano e quatro meses teve a ponta da orelha e um dedo devorados por ratos.
Os visitantes ficaram a refletir em tragédias semelhantes, ou piores, que acontecem mundo afora e os ricos e poderosos dizem simplesmente que no momento não é possível auxiliar ninguém. Como assim o fez o senhor rico e obeso: “Não tenho nada”. E a festa continua para os ricos avaros e os potentados.