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Do governo do povo ao governo das elites delinquentes.
O que está constitucionalmente programado para reger nossas relações políticas (governo do povo, governo fundado na “soberania do povo”, “todo poder emana do povo”) não é um retrato fiel do que ocorre na realidade. Há um descompasso imenso entre a democracia programada e a kleptocracia implantada (com “k”, kleptocracia é neologismo).
Do suposto governo do povo (o próprio título de Imperador e não o de rei, a D. Pedro I, tem essa base), o que se instalou no Brasil – desde 1822 – foi um tipo de governo dos ladrões e/ou aproveitadores. Quem está bem posicionado dentro do Estado, com raríssimas exceções, tira disso todas as vantagens possíveis. O Estado brasileiro é um dos mais privatizados do mundo (por causa do patrimonialismo = confusão do público com o privado).
Na ciência política constuma-se distinguir o governo do povo (expressão efetiva da vontade geral) da democracia em que o povo é o suporte de um governo dos políticos (ver J. Nun, Gobierno del pueblo o gobierno de los políticos?, p. 24). A divergência se fez presente nos EUA: os federalistas (do século XVIII) vitoriosamente defenderam a segunda visão, enquanto os antifederalistas postulavam a primeira. Leia-se: a Constituição norte-americana foi construída sobre bases descaradamente elitistas (ver R. Gargarella, Crisis de la representación política).
Do ponto de vista histórico, a democracia ateniense foi um “governo do povo” (que comparecia nas ágoras para as deliberações coletivas). Já a democracia de Esparta foi elitista (os candidatos se apresentavam e eram aclamados; os mais fortemente aclamados governavam em nome do povo).
O que nós construímos no Brasil foi um modelo elitista putrefato e delinquente a partir das experiências históricas de Esparta e dos EUA. Aqui reina um governo kleptocrata, ou seja, um sistema de governo e de Estado extrativista que prioriza o enriquecimento (com o dinheiro público ou com o apoio do poder público) das elites econômicas, financeiras e políticas (0,1% da população), em detrimento da grande maioria (99,9%).
Reclamamos do sistema de coligações partidárias nas eleições proporcionais (parlamentares). O eleitor, nesse sistema, vota no candidato “A” e acaba elegendo outro ou outros candidatos. Quem votou no Tiririca acabou elegendo mais uns 3 ou 4 deputados (sem sequer saber o nome deles). Quem votou em Russomano, da mesma forma. Trata-se de um “truque eleitoral”. Isso é explorado e explicado pelos políticos, intelectuais, cientistas e mídias (mesmo assim, grande parcela da população ainda inculta não sabe nada disso).
O que ninguém explica (salvo raríssimas exceções) é o seguinte: que o eleitor brasileiro vota no político “A”, mas está elegendo, na verdade, setores, frações ou grupos de delinquentes do mundo empresarial e financeiro que mandam nas decisões políticas, nos governantes, nos parlamentares (que se subordinam aos seus interesses). São eles, normalmente, que fazem a “pauta política”. E quanto menos participação da cidadania na vida pública, mais a “pauta” fica privatizada em torno dos interesses das elites dominantes (que são os donos do poder).
É preciso reconhecer que a “democracia representativa” nas kleptocracias do elitismo é, como regra geral, um embuste, uma fraude. A democracia, nas kleptocracias, se desativa – e vira mero procedimento, como dizia Schumpeter. É um jogo de ilusões, fundado na teoria enganosa da “soberania popular” (que é usada para engabelar o povo, que acha que seu voto vale tanto quanto o das empreiteiras, das empresas de bebidas e comidas, dos bancos etc.).
Vota-se no deputado “X”, que foi financiado pela empreiteira “Y” ou banco “Z”. Leia-se: nós não votamos em quem efetivamente manda, em quem comanda a nação, sim, em “representantes cooptados” por quem manda. Isso já é suficiente para desativar qualquer noção séria de democracia. No mundo visível o político seria o representante do povo. No mundo invisível (que a Lava Jato está tornando visível) o político é representante, em grande medida, dos interesses de quem manda nele.
No Brasil, no entanto, a engenhosidade e a criatividade (além da sensação de impunidade) das elites delinquentes foi mais longe: com o dinheiro da propina combinada se faz a doação de campanha ao político ou partido e ele, muitas vezes, registra isso na Justiça Eleitoral (é tanta impunidade…). Para além do crime de corrupção pratica-se também o crime de lavagem de dinheiro (tudo isso nas barbas da Justiça Eleitoral!).
Claro que o político cooptado não representa, em regra, os interesses gerais da nação (ideia bem intencionada, mas utópica de Rousseau – nas kleptocracias). Ele defende interesses muito particulares das elites econômicas e financeiras (construíram, quando podiam, muitos “jabutis” nas medidas provisórias que beneficiavam tais classes).
Para garantir sua carreira política (essa é a desgraça da existência do político profissional), paralelamente, procura ele também praticar o clientelismo com as parcelas sociais da base da pirâmide. Elitismo (favorecimento das elites) e clientelismo (ajuda assistencial aos carentes) são a base da atividade do político nas kleptocracias. Os meios para se conseguir sua eleição (bom marketing, uso de dinheiro etc.) são outra coisa.
Compra-se na experiência política brasileira muito gato por lebre. A manipulação do povo é diuturna e impressionante. Em toda notícia e em todas as imagens da televisão se vê isso. Manipulação. Não admitimos que toquem nosso corpo, mas todo tipo de invasão nas nossas mentes acontece. Dizem que querem nos agradar com entretenimento. Colocamos nosso estado de consciência em stand-by. Perdemos o senso crítico e aí entra a emoção e a manipulação. Deixamos de nos controlar.
É só aparecer alguém fumando ou bebendo num filme, inconscientemente, já queremos emular o comportamento. Crescemos ouvindo que o Brasil é uma democracia representativa, quando, na verdade, é uma kleptocracia, composta de elites delinquentes que nos roubam diariamente (é só ver a Lava Jato para se comprovar o que estou afirmando).
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