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O recomeço longe de casa: conheça histórias de mulheres que sobreviveram a tentativas de feminicídio no Rio

Abrigo sigiloso da prefeitura acolhe mulheres que escaparam da violência cometida por seus companheiros em comunidades cariocas

Agência O Globo - 24/12/2025
O recomeço longe de casa: conheça histórias de mulheres que sobreviveram a tentativas de feminicídio no Rio
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial - Foto: Nano Banana (Google Imagen)

Em um endereço no Rio mantido sob absoluto sigilo, o espírito de Natal não terá luzes nem reuniões familiares em torno da ceia. Nove mulheres que foram espancadas por seus companheiros passarão a noite de hoje longe de seus filhos e de suas casas, mas em segurança num abrigo da Secretaria municipal da Mulher. Para elas, estar ali é o último recurso de uma jornada marcada pelo medo e pela violência. Para escapar com vida, a maioria deixou seus lares às pressas, apenas com a roupa do corpo.

Violência:

Plano enviado ao STF:

A história dessas mulheres, vítimas de tentativa de feminicídio, é o retrato de uma realidade fora, muitas vezes, do alcance do Estado. Moradoras de favelas, elas relatam uma barreira invisível, mas intransponível: a lei do crime organizado que se sobrepõe à Lei Maria da Penha. Quando a violência doméstica explode numa comunidade, a medida protetiva concedida pela Justiça vira um papel sem efeito. Todas dizem ter denunciado a violência cometida por seus companheiros à polícia, mas nenhum deles foi preso, o que aumenta o medo de perseguição.

Uma das vítimas, de 43 anos, contou ter sido jogada do terceiro andar da casa onde moravam após uma crise de ciúmes. Gravemente ferida, ela ainda foi arrastada pela rua. Sem ter a quem pedir ajuda, ela recorreu ao poder que estava mais próximo.

— Antes de procurar a polícia, temos que procurar a boca de fumo. Eu fui pedir para os traficantes pararem meu esposo porque ele iria me matar. E eles nos submeteram ao “tribunal do tráfico”, alegando que estávamos brigando muito. Mesmo machucada, fui presa num porão junto com meu esposo. Passamos a noite toda lá, e ele me chutava o tempo todo. Infelizmente, na comunidade, a medida protetiva não chega. Meu marido saía para trabalhar, levava a chave e me deixava trancada. Ele me obrigava a fazer chamada de vídeo a cada dez minutos para saber se eu estava mesmo lá. Era um pesadelo tão grande que fugi de casa antes que ele me matasse — relata.

Facão amolado todo dia

O controle obsessivo é uma marca nos casos de violência doméstica. Outra mulher, de 34 anos, que veio do Amapá e morava há dois anos em uma favela do Rio, descreve como a dependência financeira e física — agravada por uma deficiência visual — a tornou prisioneira. Sem documentos e sem dinheiro, ela diz que se viu forçada a voltar para o agressor por não ter renda:

— Eu falava para mim mesma: “Poxa, eu não posso ficar dependendo dos outros. Eu tenho uma filha”. Voltei com a esperança de que ele mudaria, mas não adianta, o agressor não muda. Ele puxou um facão de trás do guarda-roupa, que ele amolava quase todo dia, e tentou me matar. Eu cheguei aqui no abrigo só com a roupa do corpo, toda suja de lama. Ele não deixou que eu pegasse meu documento, nem meu celular. Na hora em que ele estava arrebentando meu chinelo, disse: “Se tu quiser ir, vai descalça, mas corre muito porque, se eu te pegar, eu te mato”.

Para além da segurança, o abrigo oferece a essas mulheres o apoio de profissionais que atuam no resgate da identidade delas. A psicóloga da unidade — cujo nome será mantido sob sigilo para impedir a identificação do abrigo — explica que o trabalho inicial é focado na estabilização do trauma, uma vez que muitas chegam em estado de choque ou com a saúde mental severamente abalada.

— O primeiro passo é tirar o peso da culpa que elas carregam. Muitas acham que provocaram a agressão ou que falharam com a família. Nosso papel é mostrar que a violência é responsabilidade do agressor — explica a psicóloga.

No campo jurídico, a advogada que atua no abrigo diz que, muitas vezes, as vítimas desconhecem seus direitos.

— Muitas chegam sem um papel sequer, porque o agressor queimou os documentos para que elas não tivessem identidade ou meios de fugir. Nós trabalhamos para garantir que o afastamento do lar não signifique a perda de direitos sobre os filhos ou sobre o patrimônio que elas ajudaram a construir. Meu papel é dizer: “Você tem direito à lei, você tem direito ao divórcio e você tem direito à paz”. E nem sempre o agressor vem do contexto da criminalidade comum, da favela.

Rafaela (nome fictício), de 53 anos, viveu um roteiro de horror ao se envolver com um homem, que usava sua imagem na mídia e em projetos sociais para isolá-la.

— Ele dizia: “Ninguém vai acreditar em você porque eu sou famoso aqui. Vão acreditar em mim e não em uma maluca”. Ele me obrigou a escrever uma carta dizendo que eu era psicopata e que ele não teria culpa se algo me acontecesse. Eu pedia socorro na igreja, e a pastora dizia que eu estava possuída, porque ele alimentava os irmãos. Ele me enforcava com a perna e me obrigava a segurar o celular para ele realizar fetiches com fotos de outras pessoas da minha família — conta.

97 mortes em 11 meses

E foi um relacionamento de apenas dois meses que forçou Patrícia (nome fictício), de 44 anos, a se afastar do filho adolescente:

— Estou triste por não passar o Natal com meu filho. Mas se eu estivesse em casa, estaria morta ou espancada.

Essas mulheres percorreram o mesmo caminho até o abrigo: registro na delegacia, solicitação de medida protetiva e, diante do risco de morte iminente, o acolhimento. Na unidade da prefeitura, elas recebem capacitação técnica em áreas como costura, design de sobrancelhas e manicure. O objetivo é que, ao saírem, tenham meios de sustento. Dados do Instituto de Segurança Pública mostram que, de janeiro a novembro desde ano, 97 mulheres foram vítimas de feminicídio e 348, de tentativa de feminicídio. Ainda que alarmantes, os números são menores que os de 2024.

Onde buscar ajuda e atendimento?

Centro de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Ceam): O Ceam oferece atendimento psicossocial e orientação jurídica para mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

CEAM Chiquinha Gonzaga – CENTRO

Endereço: Rua Benedito Hipólito, 125 – Centro

Telefones: 21 2517-2726 / 21 98555-2151

E-mail: [email protected]

CEAM Tia Gaúcha – SANTA CRUZ

Endereço: Rua Álvaro Alberto, 601 – Santa Cruz

Telefone: 21 97092-8071

E-mail: [email protected]

Núcleo Especializado de Atendimento Psicoterapêutico (Neap)

O NEAP proporciona atendimento continuado em psicoterapia para mulheres em situação de violência.

NEAP Chiquinha Gonzaga – CENTRO

Rua Benedito Hipólito, 125 – Centro

E-mail: [email protected]

NEAP Tia Gaúcha – SANTA CRUZ

Rua Álvaro Alberto, 601 – Santa Cruz

E-mail: [email protected]

Espaço de promoção de políticas públicas que oferece serviços de atendimento psicossocial, orientação jurídica, orientação pedagógica, cursos livres e oficinas com objetivo de promover a inclusão produtiva e/ou acesso à renda, além de palestras, rodas de conversa e outras atividades coletivas.

Núcleo Especializado de Atendimento à Mulher (NEAM)

O NEAM oferece atendimento com equipe multidisciplinar para mulheres em situação de violência.

Casa da Mulher Carioca e NEAM Dinah Coutinho

Endereço: Rua Limites, 1260 – Realengo

Telefone: 21 3464-1870/ (21) 97093-1514

E-mail: [email protected]

Casa da Mulher Carioca e NEAM Tia Doca

Endereço: Rua Júlio Fragoso, 47 – Madureira

Telefones: (21) 3085-3823/ (21) 97711-0295

E-mail: [email protected]

Casa da Mulher Carioca e NEAM Elza Soares

Endereço: Avenida Marechal Falcão da Frota, s/n – Padre Miguel

Telefones: (21) 3900-3749/ (21) 96897-4364

E-mail: [email protected]

Trata-se de um espaço de convivência e troca entre mulheres que promove a criação de redes no território. São ofertadas oficinas, rodas de conversa e outras atividades coletivas com diferentes temáticas que perpassam a vida das mulheres.

Sala Mulher Cidadã – Cosmos

Segunda a sexta-feira 8h às 17h, Sábado 8h às 12h

Clínica da Família Valdecir Salustino Cardozo – Praça Manuel Mariz, s/n – Cosmos

Sala Mulher Cidadã – Paciência

Segunda a sexta-feira 8h às 17h, Sábado 8h às 12h

Estr. Santa Eugênia, 653 – Paciência

Sala Mulher Cidadã – Santa Cruz

Segunda a sexta-feira 8h às 17h, Sábado 8h às 12h

Rua Felipe Cardoso, 1042, Santa Cruz

Sala Mulher Cidadã – Sepetiba

Segunda a sexta-feira 8h às 17h, Sábado 8h às 12h

Estr. Santo Antônio, 85/836 – Sepetiba

Sala Mulher Cidadã – Campinho

Segunda a sexta-feira 8h às 17h, Sábado 8h às 12h

Clínica da Família Lecy Ranquine – Estrada do Campinho, s/n – Conjunto Campinho

Sala Mulher Cidadã Gouveia

Segunda a sexta-feira 8h às 17h, Sábado 8h às 12h

Estr. do Gouveia, 2 – Paciência

Sala Mulher Cidadã Penha

Segunda a sexta-feira 8h às 17h, Sábado 8h às 12h

Avenida Vicente de Carvalho, 1129 – Vila da Penha

Sala Mulher Cidadã Gamboa

Segunda a sexta-feira 8h às 17h

Rua Bento Ribeiro, 85 – Gamboa

Contato: [email protected]

Abrigo sigiloso (1 unidade)

Casa Viva Mulher Cora Coralina existe em um endereço sigiloso e itinerante no Rio. O local é destinado a mulheres que estão em perigo iminente.

O Mulher.Rio é uma plataforma digital intuitiva desenvolvida pela Secretaria de Políticas e Cuidados para as Mulheres do Rio. Por meio de uma linguagem acessível, a mulher identifica o tipo de violência que está sofrendo e é direcionada para a rede de acolhimento mais próxima. A ferramenta oferece orientação, escuta e acesso aos serviços públicos de forma simples, segura e rápida.

Atualmente, são dois. Os CEAMs Chiquinha Gonzaga e Tia Gaúcha são especializados no atendimento as mulheres em situação de violência. É gratuito e não precisa do boletim de ocorrência.

CEAM Chiquinha Gonzaga

Endereço: Rua Benedito Hipólito, 125 – Centro

Telefones: 21 2517-2726 / 21 98555-2151

E-mail: [email protected]

CEAM Tia Gaúcha

Endereço: Rua Álvaro Alberto, 601 – Santa Cruz

Telefone: 21 97092-8071

E-mail: [email protected]

E-mail: [email protected]

Nas cinco unidades das Casas da Mulher Carioca, você encontra cursos de capacitação profissional, atendimento psicossocial, orientação jurídica e assistente social. Nas Casas também temos os Núcleos de Atendimento para as mulheres em situação de violência, os NEAMs.

Onde encontrar:

Casa da Mulher Carioca e NEAM Dinah Coutinho

Endereço: Rua Limites, 1260 – Realengo

Telefone: 21 3464-1870/ (21) 97093-1514

E-mail: [email protected]

Casa da Mulher Carioca e NEAM Tia Doca

Endereço: Rua Júlio Fragoso, 47 – Madureira

Telefones: (21) 3085-3823/ (21) 97711-0295

E-mail: [email protected]

Casa da Mulher Carioca Elza Soares

Endereço: Avenida Marechal Falcão da Frota, s/n – Padre Miguel

Telefones: (21) 3900-3749/ (21) 96897-4364

E-mail: [email protected]

Casa da Mulher Carioca – Polo Campo Grande

Endereço: Rua Mário Barbosa, 137 – Campo Grande

Telefone: (21) 96814-8886/ (21) 990226944

E-mail: [email protected]

Casa da Mulher Carioca – Filial Coelho Neto

Endereço: Av Pastor Martin Luther King Jr, 10.055 – Coelho Neto

Telefone: 21 96815-1042

E-mail: [email protected]