Poder e Governo
Entrevista: PT 'sempre busca' hegemonia na esquerda, critica Heloísa Helena
De volta ao Congresso após 18 anos, parlamentar critica Lula, rejeita conciliações com o capital financeiro e vê federação PT-PSOL como erro
Suplente de Glauber Braga (PSOL-RJ), que recebeu uma suspensão de seis meses da Câmara, a deputada federal Heloísa Helena (Rede-RJ) retornou ao Congresso na semana passada, 18 anos depois do fim de seu último mandato como senadora. Crítica do governo Lula e do PT, ela também alfinetou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem travou disputa pelo comando da Rede. Em entrevista, Helena defendeu que Marina continue no partido para “reconhecer a vitória do lado vencedor”; na última quinta-feira, aliados da ministra divulgaram nota acusando a atual direção da sigla de “ataque” e perseguição a ela.
Briga com o PT e disputa com Marina Silva:
Presidente:
A senhora chega à Câmara agora como suplente do deputado Glauber Braga. Você vê diferença em como a presidência da Casa lidou com ele e o tratamento dado a parlamentares da oposição em outras ocasiões?
Todas as respostas institucionais pautadas na moral das conveniências, que condenam o adversário e que acobertam os seus, são desprezíveis. Infelizmente, é uma modalidade utilizada na política, mas deve ser combatida de forma implacável. Já vivenciei isso há 20 anos, quando era senadora e fui colocada, sob bombas de gás lacrimogêneo e pontapés, para fora do prédio do INSS, por determinação autoritária do governo Lula. Portanto, é inaceitável sempre, vindo do deputado Hugo Motta ou de qualquer outro que provisoriamente esteja à frente de uma instituição.
E como a senhora enxerga a reação vinda da população e de parte da esquerda que classifica o Congresso como “inimigo do povo”?
Qualquer movimento social que, nas ruas, condena retrocessos, autoritarismo, perseguição política, sempre será muito importante para o aprimoramento da frágil democracia no Brasil.
Estamos às vésperas de um ano eleitoral e temos visto, nas últimas semanas, a movimentação de parte da direita pela candidatura do senador Flávio Bolsonaro. Como a senhora vê essa articulação? Considera essa uma ameaça?
A decisão deles é previsível, pois no mundo da idolatria política e das neo-oligarquias, sempre resgatam a velha forma, ora sobrenomes conhecidos, ora arranjos eleitoreiros, e o programa de governo fica só para impressão gráfica. Fortes eles são, ridículo seria não reconhecer, mas sinceramente considero muito difícil que consigam ser vitoriosos numa campanha presidencial.
No campo da esquerda, o presidente Lula tem sinalizado que buscará a reeleição. A senhora e a Rede vão apoiá-lo?
Olha, temos tanto trabalho pela frente, inclusive na construção de um programa que aponte mudanças estruturais profundas para o Brasil. Fui escorraçada do PT em 2003, por coerência ideológica, e todo mundo sabe disso. Minhas convicções não mudaram, permaneço do mesmo lado, continuo cuspindo na traição de classe. O país passou por um trauma gigantesco nos últimos anos. Fomos governados por um soldado covarde que abandonou o país no seu momento mais dramático, deixando feridos para trás e mais de 700 mil mortos na pandemia. Antes de deixar o poder, o sujeito tentou dar um golpe, provavelmente para instalar uma ditadura. Esse vai ser o cenário que deve ser levado em conta para se debater 2026. Agora, não contem comigo para conciliar com o grande capital, apoiar o arcabouço fiscal, privatizar setores estratégicos, drenar recurso público das políticas sociais para encher a pança dos insaciáveis do capital financeiro. Não contarão sequer com minha paciência.
No caso de outros dissidentes com o PT, aconteceram reconciliações com o presidente Lula. No seu caso, você manteve a sua posição crítica. O que te fez mantê-la ao longo dos últimos anos?
Não sei dizer em que contexto se deram essas reconciliações. Tenho obrigação de respeitar decisões, não tenho direito de contestar nada ou promover julgamento do que não conheço. No meu caso, não vejo essas questões como pessoais ou sentimentais; são ideológicas. O mandato em que provisoriamente estou exige de mim o que considero como honra, coerência, coragem, compromisso social.
Durante o seu discurso de posse na Câmara, a senhora criticou, além da privatização dos recursos naturais, a extração de terras raras, que tem sido considerada pelo governo. Você considera o aval dado a essas medidas como erros da política ambiental da atual gestão?
Considero um crime de lesa-pátria reproduzir com as terras raras e os minerais estratégicos, como o nióbio, a história fracassada da exportação mineral sem beneficiamento e a preço vil. Mais do que ignorância econômica ou inocência incompatível com a administração da coisa pública, a ausência de iniciativas em reverter este quadro perpetua uma condição de subserviência econômica, entreguismo e afronta à soberania nacional.
Para o ano que vem, o PT formalizou uma proposta de federação com o PSOL, que, para se juntar ao partido do presidente Lula, precisaria deixar a aliança firmada com a Rede. Como fundadora do PSOL, como você avalia esse movimento e a aproximação entre os dois partidos?
Cada partido tem legitimidade para avaliar com quem deve federar, portanto, mesmo sendo uma das fundadoras do PSOL, esse tema deve ser debatido nas suas instâncias partidárias sem interferência de outros partidos. Minha avaliação é que o PT sempre busca ser uma força hegemônica na esquerda brasileira, desta forma, faria mais sentido apenas para eles essa federação. Entretanto, acredito que bons rebeldes do PSOL não vejam nessa possibilidade uma alternativa aceitável. Por outro lado, considero a federação PSOL/Rede muito importante para os dois partidos e, como já enfrentamos juntos a mais complexa eleição, municipal em país de dimensões continentais, ficará mais fácil seguir em frente. Agora nossos partidos estão debatendo sobre isso nos diretórios nacionais.
Depois dos resultados da disputa pelo comando da Rede neste ano, a ministra Marina chegou a receber propostas para deixar o partido se filiar ao PT ou PSB. A senhora acha que ela deve sair?
Não acredito que a ministra Marina Silva, com seu agrupamento político, se desfilie da Rede, até porque, em qualquer tipo de disputa interna nos partidos, se pode ganhar ou perder. Faz parte da democracia reconhecer a vitória do lado vencedor e seguir trabalhando pelo que se acredita.
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