Poder e Governo
Entenda irritação do Congresso após sinalização do Planato de que deve vetar ‘jabuti’ de R$ 1,9 bi em emendas
Integrantes do Centrão alegam que manobra foi fruto de acordo com o governo; parlamentares do PT, por sua vez, tentam se desvincular do orçamento secreto
Mesmo com a participação de governistas no acordo que ressuscitou R$ 1,9 bilhão em emendas parlamentares, o Palácio do Planalto vai recomendar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que vete o “jabuti” incluído em projeto de lei aprovado na semana passada pelo Congresso. O dispositivo já foi suspenso por decisão liminar do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), no domingo, mas ainda será analisado pelo plenário da Corte. A orientação em discussão no Executivo provocou irritação, desconforto e surpresa no Congresso, com reações divergentes entre governistas, Centrão e oposição.
Indulto de Natal:
General Heleno:
O artigo foi incluído pelo relator na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), no projeto do governo que reduz em 10% as renúncias fiscais. O jabuti revalida emendas parlamentares não pagas pelo governo entre 2019 e 2023, inclusive canceladas. Ele disse que o artigo foi inserido a pedido do Executivo, para preservar restos a pagar, sobretudo de obras em andamento ou paralisadas. O Planalto nega participação na manobra.
No Senado, o texto teve como relator o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), que também manteve o trecho. O Planalto, no entanto, tenta se desvincular do acordo. Por se tratar de matéria tributária, Lula precisa sancionar ou vetar o projeto ainda este ano.
‘Quebra de compromisso’
Parlamentares do Centrão relatam irritação com o que classificam de quebra de compromisso e afirmam que o governo esteve representado nas negociações que viabilizaram a aprovação do trecho. Aqueles que participaram do acordo reforçaram a versão do relator de que o dispositivo foi apresentado como uma solução técnica para garantir a liberação de recursos já empenhados.
Integrantes do Ministério da Fazenda afirmam que, durante as reuniões sobre o projeto, parlamentares comunicaram a intenção de incluir o dispositivo no texto durante análise no plenário. Segundo eles, no entanto, o item não foi objeto de acordo com o governo. Também argumentam que se Lula vetar, não haverá descumprimento de acordo, pois isso não foi posto à mesa como condição para votação do projeto.
Esse é o segundo episódio em uma semana em que governistas e o Planalto discordam de movimentos no Congresso. Na última quarta-feira, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, criticou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), pela condução do projeto de lei da dosimetria, que reduz a pena do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros condenados por atos golpistas. Wagner afirmou que fez um acordo de procedimento para permitir o avanço da tramitação da proposta, assumindo pessoalmente a responsabilidade pela articulação, após a ministra negar publicamente a existência de qualquer negociação envolvendo o projeto.
No caso do jabuti que ressuscitou as emendas, a leitura predominante entre parlamentares do Centrão é que o Planalto tentou transferir ao Congresso o desgaste político.
— A decisão de suspender ou vetar confronta o que foi decidido pelo Legislativo e acordado internamente com todos os partidos. Se a Câmara ou o Senado discordarem, podem recorrer ao STF, mas é uma situação muito delicada, porque já é a última instância e, provavelmente, o entendimento será mantido — disse o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que foi relator da chamada PEC da Blindagem, que aumentava a proteção de parlamentares contra investigações.
Entre governistas, a estratégia tem sido marcar distância do dispositivo e reforçar a narrativa de que o trecho foi incluído sem o conhecimento da bancada do PT. Aliados do governo afirmam que a eventual decisão de vetar busca conter danos e evitar que o Executivo seja associado à reabertura de mecanismos ligados ao antigo orçamento secreto.
— O jabuti que foi colocado foi incluído sem que a bancada do PT soubesse, por pressão do Centrão e do bolsonarismo. A decisão de Dino foi excelente. São emendas do orçamento secreto lá de trás, não têm nada a ver conosco — afirmou o deputado Rogério Correia (PT-MG).
No Planalto, a avaliação é a de que a sanção integral do dispositivo ampliaria o risco de judicialização e poderia gerar novo desgaste na relação com o Supremo.
Na oposição, apesar do discurso público mais ruidoso contra o governo e o STF, as avaliações internas são mais fragmentadas, e não há consenso contra a sinalização de veto.
— Tinha acordo, sim, mas é inconstitucional. Foi correta a decisão mais recente (do Dino) sobre reviver restos a pagar — disse o deputado Kim Kataguiri (União-SP).
Em sua decisão, Dino afirmou que o jabuti incluído no projeto tenta reabrir espaço para a execução de recursos do antigo orçamento secreto, considerado inconstitucional pela Corte por falta de transparência e critérios objetivos. Entre parlamentares, a liminar foi recebida com surpresa e interpretada como um movimento que contraria uma articulação conduzida pelo próprio Executivo.
Dino sustentou que restos a pagar regularmente cancelados deixam de existir no plano jurídico e que sua revalidação equivale, na prática, à criação de nova autorização de gasto sem respaldo em lei orçamentária vigente.
O episódio ocorre em meio a uma relação já tensionada entre Executivo e Legislativo, após um ano marcado por atrasos na liberação de emendas. O Planalto ainda precisa formalizar sua decisão e, caso opte pelo veto, o tema voltará ao Congresso.
A decisão Dino também é mais capítulo do embate entre STF e Congresso em torno do controle do Orçamento da União. Além de considerar o orçamento secreto inconstitucional, a Corte tem cobrado transparência e aumentado a fiscalização sobre as emendas parlamentares, com autorização inclusive de operações da Polícia Federal (PF).
Para o ministro, a revalidação das emendas incluída no projeto viola o princípio da anualidade orçamentária, rompe a lógica do sistema constitucional das finanças públicas e compromete a segurança jurídica ao tornar imprevisível o encerramento das obrigações do Estado.
Além de permitir a revalidação de emendas, o projeto aprovado autoriza a aglutinação desses restos a pagar para financiar projetos maiores, o que, na avaliação de técnicos e parlamentares, facilitaria a execução de recursos que, isoladamente, seriam insuficientes para seus objetivos originais.
Desde 2023, e com maior intensidade ao longo de 2024 e 2025, o STF passou a impor exigências adicionais de transparência e rastreabilidade na execução das emendas parlamentares. Sob relatoria de Dino, o tribunal chegou a suspender pagamentos bilionários, exigir a identificação nominal dos autores das emendas e determinar que o Executivo só liberasse recursos após o cumprimento de novos critérios, mesmo após o Congresso aprovar leis sobre o tema.
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