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Petróleo, minerais e envio de palestinos: por que Israel mantém aliança com o Sudão do Sul?

22/08/2025
Petróleo, minerais e envio de palestinos: por que Israel mantém aliança com o Sudão do Sul?
Foto: © Ronen Zvulun

Israel e Sudão do Sul estariam negociando o envio de sobreviventes de Gaza para o país africano. Conheça as origens das relações especiais entre Israel e Sudão do Sul e entenda por que Tel Aviv mantém um parceiro prioritário no leste da África.

Nesta segunda-feira (18), o Ministério das Relações Exteriores de Israel anunciou o envio de ajuda humanitária urgente para o Sudão do Sul, em função de epidemia de cólera no país. A operação é realizada em meio a relatos de que Israel estaria em negociação com o Sudão do Sul para o envio de sobreviventes da Faixa de Gaza para o país africano.

Na ausência de países vizinhos dispostos a receber os palestinos, Israel teria recorrido ao seu aliado no leste africano. De acordo com as fontes sul-sudanesas, o acordo ainda não estaria finalizado, mas atende aos interesses de ambas as partes: Israel consolidaria sua política de "migração voluntária" de palestinos, enquanto o Sudão do Sul manteria sua relação próxima com Tel Aviv e ganharia pontos com a administração de Donald Trump nos EUA.

Ajuda humanitária é lançada de avião sobre a Cidade de Gaza, Faixa de Gaza, em 28 de julho de 2025
Ajuda humanitária é lançada de avião sobre a Cidade de Gaza, Faixa de Gaza, em 28 de julho de 2025

As informações, inicialmente reveladas pela agência Reuters, foram duramente criticadas por grupos palestinos e negadas por autoridades do Sudão do Sul. No entanto, fontes internas do governo de Juba confirmaram as tratativas para o jornal norte-americano The New York Times.

As negociações revelam a grande influência que Israel exerce sobre o Sudão do Sul, país que contou com o apoio resoluto de Israel desde antes de sua independência formal do Sudão, em 2011, relatou o professor da Universidade Veiga de Almeira (UVA), Alexandre Alvarenga.

"Israel mantém contatos com o Sudão do Sul desde a Primeira Guerra Civil sudanesa [1955-1972], com fluxo de refugiados sul-sudaneses para Israel, cooperação técnica e humanitária que se desenvolve entre as décadas de 60 e 70", disse Alvarenga à Sputnik Brasil. "Essa relação se dava à revelia do Sudão, que não tinha relações diplomáticas com Israel."

Para ele, ainda que "o recente movimento de Israel com o Sudão do Sul chama atenção, mas não é inédito, muito pelo contrário, é algo já recorrente ao longo das décadas".

Soldados de paz da ONU patrulham uma rua na capital do Sudão do Sul, Juba, em 12 de fevereiro de 2025
Soldados de paz da ONU patrulham uma rua na capital do Sudão do Sul, Juba, em 12 de fevereiro de 2025

Segundo a assessora do Instituto Brasil-Israel e professora de Relações Internacionais na Universidade de Sorocaba (UNISO), Karine Calandrin, o apoio fornecido por Israel ao Sudão do Sul "visava garantir um aliado estável no leste africano".

"O interesse de Israel foi claramente estratégico. Ao apoiar a independência do Sudão do Sul, Israel contribuiu para enfraquecer o antigo regime do Sudão, que historicamente se alinhava a inimigos seus, como o Irã e grupos islâmicos radicais", disse Calandrin à Sputnik Brasil. "Além disso, a região do Sudão do Sul é rica em recursos naturais e tem posição geográfica relevante, inclusive no contexto das disputas em torno do Nilo."

A dependência internacional do Sudão do Sul deixaria o país suscetível a pressões externas, principalmente para garantir acesso à cooperação técnica e humanitária.

Vobia Kawaja, 34 anos, mãe de cinco filhos, sentada do lado de fora de sua casa com seus filhos e os filhos de vizinhos em Kotobi, Sudão do Sul, em 26 de junho de 2025
Vobia Kawaja, 34 anos, mãe de cinco filhos, sentada do lado de fora de sua casa com seus filhos e os filhos de vizinhos em Kotobi, Sudão do Sul, em 26 de junho de 2025

"Trata-se de um país com instituições frágeis e grande dependência de apoio internacional, o que o torna mais suscetível a acordos com potências externas em troca de ajuda financeira ou técnica", disse Calandrin. "Além disso, o país está distante do centro do debate internacional sobre a Palestina, o que poderia reduzir o custo diplomático de um eventual acolhimento de palestinos deslocados, mesmo que sob o pretexto de ajuda humanitária."

De fato, o Sudão do Sul apresenta índices de desenvolvimento econômico e humano extremamente ruins, apesar das amplas reservas de petróleo do país. O Sudão do Sul também é fonte valiosa de minerais estratégicos, disse o professor Alvarenga.

"O país vive sob constante crise social, escassez de alimentos, miséria, alta mortalidade infantil e privação de praticamente todos os serviços básicos de saúde", lamentou Alvarenga. "Mais de 70% da população é analfabeta, 95% não tem acesso à eletricidade e 80% não tem acesso à saneamento. A situação é alarmante e preocupante."

Nesse contexto, "a palavra 'desenvolvimento' passa longe do Sudão do Sul, que infelizmente é um país altamente instável, apesar de ter sido celebrado por todos" durante seu processo de independência.

Moradores da cidade de Kotobi, Sudão do Sul, em 26 de junho de 2025
Moradores da cidade de Kotobi, Sudão do Sul, em 26 de junho de 2025

Na ocasião da separação do Sudão, o Sudão do Sul ficou com 75% das reservas de petróleo do antigo país, de onde retira parte significativa do seu orçamento. No entanto, esses recursos não têm sido transferidos em forma de riqueza para a população local.

"O Sudão do Sul não tem saída para o mar e depende de oleodutos do Sudão para escoar a sua produção para o mar Vermelho", explicou Alvarenga. "As reservas ficam em uma zona de fronteira não delimitada entre as partes, o que gera uma indefinição sensível em relação a um recurso altamente estratégico na geopolítica mundial."

Ainda por cima, o país tem democracia frágil, cujas alianças políticas já evoluíram para conflitos armados, como durante a guerra civil entre 2013 e 2018, lembrou Alvarenga.

"Nesse contexto, seria algo realmente inimaginável pensar no deslocamento de pessoas na situação dos palestinos de Gaza – já expostos a uma fragilidade humanitária muito grande por conta da guerra – serem ainda deslocados para um país completamente instável, que vive uma violência sistêmica, sem esperança de desenvolvimento no curto e médio prazo", considerou o especialista.

A professora de Relações Internacionais da UNISO Calandrin ainda questiona a legalidade de acordo bilateral para o deslocamento forçado de populações, como seria o caso de um acordo entre o Sudão do Sul e Israel.

Menina palestina espera comida em uma cozinha comunitária na Cidade de Gaza, 22 de agosto de 2025
Menina palestina espera comida em uma cozinha comunitária na Cidade de Gaza, 22 de agosto de 2025

"Esse tipo de acordo seria extremamente problemático. Ainda que apresentado como medida humanitária, na prática, pode configurar uma transferência forçada de população sob ocupação, o que é proibido pelo direito internacional humanitário e pode ser classificado como crime de guerra", disse Calandrin.

Em entrevista ao canal 14, em maio de 2025, a ministra de Ciência e Tecnologia de Israel, Gila Gamliel, disse que o governo "está fazendo um trabalho intenso para acomodar essa população [de Gaza] em outros países", sugerindo o deslocamento de até um milhão de pessoas.

Mídia: Forças de Defesa de Israel lançam ofensiva a Gaza e controlam arredores da cidade
Mídia: Forças de Defesa de Israel lançam ofensiva a Gaza e controlam arredores da cidade

Além do Sudão do Sul, Israel ainda considera países como Líbia e Síria como possíveis destinos dos palestinos deslocados de Gaza, reportou o The Wall Street Journal.

"Do ponto de vista moral, seria uma forma de exílio forçado, rompendo laços históricos, territoriais e identitários entre os palestinos e Gaza. Além disso, tanto Israel quanto o Sudão do Sul sofreriam desgaste internacional significativo. É uma solução artificial que não responde às causas estruturais do conflito", concluiu a especialista.

Por Sputinik Brasil