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Imagem do Ocidente sobre figura da mulher árabe e muçulmana é baseada em 'fantasia e distorção'

Sputinik Brasil 21/08/2025
Imagem do Ocidente sobre figura da mulher árabe e muçulmana é baseada em 'fantasia e distorção'
Foto: © AP Photo / Vahid Salemi

Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialista afirma que o Ocidente, ao longo dos séculos, construiu a imagem da mulher árabe e da mulher muçulmana, em geral, como uma figura submissa, que serve apenas como objeto de prazer, ignorando os avanços femininos em países como o Irã, onde a presença feminina em universidades e na política é ampla.

Oprimida, sem voz própria e desprezada. Essa é a forma que o Ocidente costuma classificar as mulheres árabes e muçulmanas, salvo quando não conferem a elas uma imagem excessivamente sensualizada.

Essa concepção, no entanto, oculta a verdadeira face das mulheres de determinados países do Oriente Médio, além de fatos: por exemplo, no Irã elas são a maioria em cursos de engenharia, enquanto no Ocidente a disciplina ainda é majoritariamente masculina.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Muna Omran, professora de pós-graduação de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), cofundadora e pesquisadora sênior do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM), explica que a construção da figura da mulher árabe e muçulmana é baseada em "fantasia e distorção".

Segundo ela, essa tendência começou com uma viagem de Napoleão Bonaparte em uma campanha militar no Oriente Médio, na virada do século XVIII para o XIX, e continuou com representações de artistas como o francês Eugène Delacroix, que em suas pinturas representava a mulher árabe como exótica e, por vezes, em haréns.

"Essa imagem é muito forte, e também a gente vai ter na literatura, por exemplo, o [escritor francês Gustave] Flaubert. Ele reforça isso quando vai descrever essas mulheres como sensuais, disponíveis. Só que não era uma imagem fiel, não era um retrato fiel. O que a gente vai ver é uma projeção dos desejos e das fantasias reprimidos de uma sociedade vitoriana europeia", explica.

Muna afirma que essa imagem foi sendo reforçada ao longo dos séculos, inclusive em produções televisivas, nas quais a mulher árabe ou persa é reduzida ao papel de submissão e passividade, servindo apenas como objeto de prazer. Essa imagem, acrescenta a professora, é replicada também em obras literárias que pintam a mulher árabe como espécie de escrava sexual.

"Então a gente vê que o Ocidente, quando traz esses contos até para fazer traduções que não são tão honestas, vamos assim dizer, eles estão assumindo a missão moral que o Ocidente se autoproclamou, que é de libertar as mulheres […] de toda uma sociedade que, para eles, é uma sociedade doente."

Ela acrescenta que essa é a "perspectiva de uma sociedade patriarcal, europeia, branca, que vai assumir uma lógica orientalista binária".

"Então a mulher árabe ou é uma odalisca, que é esse objeto de desejo, ou é uma vítima silenciosa. Ela merece, então, nossa piedade. De qualquer maneira, em ambas as situações que essa sociedade patriarcal, europeia, branca constrói, ela coloca essa mulher desprovida de qualquer ação política. Essa mulher é excluída da participação de movimentos", afirma.

Omran enfatiza que, hoje, a presença feminina nas universidades é alta no Irã, incluindo alunas e professoras, e que essa tendência começou por conta da guerra entre o Irã e o Iraque (1980–1988), quando elas ingressaram para cobrir postos deixados por homens que foram para o front.

"Essas mulheres começam a assumir esses postos de trabalho, ocupando mesmo, e elas vão ganhando espaço, um espaço público", afirma.

A especialista destaca que as mulheres iranianas também ocupam espaço na política, tendo, inclusive, chegado a postos de alto escalão do governo e defendido pautas feministas, como a luta pela opção de usar ou não o hijab.

"Elas não têm diferença salarial, por exemplo. Elas vão ocupar os mesmos postos que os homens, ganhando o mesmo. Você não vê […] relatos de violência política como acontece no Brasil, por exemplo, contra mulheres. Basta ver o que a ministra Marina [Silva] sofreu no nosso parlamento. Você não vê uma situação dessa no Irã."

Entretanto, ela ressalta que a questão geracional influencia a questão feminina no Irã, afirmando que mulheres mais novas são mais questionadoras, posicionando-se com mais força na questão do uso do hijab e do direito de casar ou não.

Para a entrevistada, o Ocidente enxerga o feminismo ignorando a sua pluralidade, baseando o seu conceito em um feminismo "branco, eurocêntrico e burguês".

"Nós estamos esquecendo do feminismo das mulheres que são muçulmanas, que vivem numa outra estrutura, que elas têm também outras demandas. […] Tem que haver uma ruptura. Porque a opressão não é a mesma para todas as mulheres. Então, quando a gente do Ocidente fala que a mulher iraniana, a mulher saudita, a mulher árabe é oprimida, esse conceito de opressão pode ser diferente", explica.