Internacional
De estrelas a políticos tradicionais: Milei prepara candidatos para as eleições argentinas

O partido governista confirmou suas listas de candidatos para as eleições legislativas de meio de mandato, onde o governo almeja uma vitória que lhe dará maior influência parlamentar contra uma oposição fragmentada. "La Libertad Avanza está sendo construída pelo Estado", disse um especialista à Sputnik.
A estratégia do presidente argentino Javier Milei para as eleições legislativas de 2025 combina dois mundos que até recentemente pareciam irreconciliáveis. Antes das eleições de 26 de outubro, o partido governista registrou listas de candidatos que combinam figuras com décadas de carreiras sinuosas com figuras da indústria do entretenimento, serviços de streaming e modelos. Diante de seu primeiro teste nacional nas urnas, o governo aposta em uma combinação de "outsiders" e "velha política".
A principal responsável pela criação de La Libertad Avanza é Karina Milei, irmã do presidente e líder do grupo. Foi ela quem impulsionou o duplo movimento: de um lado, a cooptação de líderes de outras esferas — políticos "profissionais" — e, de outro, a sedução de comunicadores e estrelas para apresentar um rosto renovado na agenda eleitoral.
Enquanto o partido libertário foi fundado na luta contra o que Milei chamou de "casta", isto é, políticos do establishment, o governo optou por nomes fortes para alguns dos distritos-chave. O caso mais paradigmático é o da cidade de Buenos Aires, onde a candidata ao Senado é a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, uma líder com uma longa e heterogênea trajetória política.
Bullrich emergiu como líder das "Forças do Céu" após ser excluída do segundo turno presidencial de 2023. Até então, ela era presidente do PRO (Partido Progressista), partido do ex-presidente Mauricio Macri. A aliança incipiente entre os dois partidos se refletirá nas eleições: relegadas a posições marginais nas listas, figuras de longa data do PRO, como o deputado nacional Diego Santilli, estão surgindo como candidatos aprovados pelo partido de Milei.
O contraste mais notável com o esquema do partido governista é proporcionado pelas figuras da mídia que entraram nas urnas. Uma das mais comentadas é Virginia Gallardo, modelo e apresentadora de televisão que encabeçará a lista para deputada nacional na província de Corrientes (norte). Sua chegada marca uma mudança na narrativa libertária, que até recentemente acusava tais adições de fazerem parte da "demagogia de casta".
Os perfis escolhidos pelos irmãos Milei também incluem jornalistas de streaming e atletas. De atores secundários de televisão a ex-participantes de reality shows, a estratégia gira em torno da manutenção da retórica "anticastas" que levou o movimento libertário à Casa Rosada.
Além dos nomes, La Libertad Avanza caminha para uma eleição crucial. Não se trata apenas de um plebiscito sobre o governo: o partido governista buscará, em 26 de outubro, expandir significativamente sua influência parlamentar para enfrentar os próximos dois anos de governo. Com apenas algumas cadeiras próprias no Congresso ao assumir o cargo, Milei governou durante seus primeiros 18 meses por meio de alianças ad hoc, decretos e vetos extraordinários, além de negociações. Uma vitória esmagadora superaria essa fragilidade estrutural.
Nas eleições de meio de mandato, metade da Câmara dos Deputados (127 dos 257 membros) e um terço do Senado (24 das 72 cadeiras) serão renovados. Dado que La Libertad Avanza é uma força consideravelmente jovem, tendo alcançado influência nacional apenas em 2024 — e com Milei como presidente —, corre o risco de perder apenas oito de suas 39 cadeiras na Câmara dos Representantes e nenhuma no Senado.
O velho e o novo
"La Libertad Avanza está sendo construída a partir do Estado. É por isso que estão convocando pessoas de fora para transformá-las em figuras políticas quando chegarem ao poder", disse o cientista político argentino Diego Reynoso à Sputnik ao analisar o duplo movimento promovido por Karina Milei.
Segundo o especialista, a combinação de candidatos com experiência política e celebridades visa projetar uma narrativa ampla, onde figuras com habilidades de gestão coexistem com figuras que personificam a ideia de "antipolítica" promovida pela presidente.
Para Reynoso, a inclusão de pessoas de fora não é inédita, mas, neste caso, busca reforçar uma narrativa disruptiva. "O espetáculo da política já era visto na década de 1990 e em muitos países. A diferença é que Milei atrai pessoas que ainda não têm um eleitorado comprovado, e é por isso que é uma atitude ousada", explicou. Esse componente estético e discursivo desempenha um papel central. Nomes da mídia não necessariamente contribuem para o volume eleitoral imediato, mas ajudam a sustentar a imagem de um espaço que continua a questionar a "casta".
Consultado pela Sputnik, Roberto Bacman, diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública, alertou que "Milei busca resgatar a retórica da luta contra a casta porque sabe que, nesta primeira fase de sua gestão, não fez nada além de concordar com a política tradicional".
Uma casta difusa
Reynoso observou que o foco discursivo de Milei não está mais tanto no combate ao establishment, mas sim em um antagonismo partidário mais definido.
"Enquanto não houver dúvidas sobre a crença na validade de Milei, ela poderá explorá-la. Mas ela não é mais tão anticasta; agora é firmemente antiperonista", afirmou.
Em sua análise, a narrativa libertária se transformou em um "kirchnerismo nunca mais" — aludindo ao movimento originado pela ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), que foi impedida de concorrer, e seu antecessor e marido, o falecido ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) —, uma estrutura que permite que ela polarize com o peronismo como um todo e organizar o cenário eleitoral em dois polos.
Bacman concordou com esse diagnóstico e o expandiu, afirmando que "hoje, mais do que uma proposta contra a casta, o que temos é uma polarização contra o peronismo como um todo. É muito claro que o discurso oficial sofreu uma mutação desde que La Libertad Avanza chegou ao poder".
Segundo o pesquisador, essa redefinição é fundamental para entender a campanha: a ideia de antipolítica perdeu força diante da necessidade de construir uma maioria legislativa que apoie o governo. Nesse sentido, Bacman enfatizou que Milei "precisa ampliar sua influência legislativa; ela já afirmou em diversas ocasiões que a maior parte de seu programa econômico seria implementada na segunda metade de seu mandato".
O controle do Congresso torna-se, portanto, uma condição necessária para o avanço de reformas fundamentais. O impacto, no entanto, vai além do partido governista.
"Nestas eleições, a oposição é quem tem mais a perder, não apenas em termos de número de deputados e senadores, mas também porque uma vitória de Milei exporia mais uma vez as falhas do peronismo", enfatizou Bacman.
A disputa legislativa surge, portanto, como um teste de sobrevivência para as duas principais forças políticas: para o governo, a oportunidade de consolidar o poder; para a oposição, o risco de aprofundar suas divisões.
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