Internacional
Arsenais nucleares com Inteligência Artificial são vulneráveis a ataques cibernéticos, diz analista

O uso de Inteligência Artificial (IA) nos arsenais nucleares de Rússia, EUA e China traz novos desafios para a segurança internacional. Brasil precisa aplicar IA nos seus programas de defesa e diminuir abismo de poder que o separa das grandes potências militares, disseram analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
Nesta sexta-feira (15), os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Donald Trump, se reunirão para debater temas essenciais para a estabilidade estratégica. As duas potências devem se preparar para a nova conjuntura militar pós-Ucrânia, com amplo emprego de Inteligência Artificial (IA) no campo de batalha.
"Quem começar primeiro a dominar essa tecnologia [Inteligência Artificial] na esfera militar, terá uma vantagem significativa no campo de batalha", disse o presidente russo em reunião dedicada ao complexo industrial-militar, em abril deste ano. "Não podemos nunca nos esquecer disto."
O líder russo pediu foco na aplicação de Inteligência Artificial (IA) na gestão militar, com o desenvolvimento de plataformas nacionais com tecnologia soberana. Para ele, a IA "é prioridade" e "fundamental para o desenvolvimento" da Rússia.

O maior desafio será lidar com o impacto da Inteligência Artificial no equilíbrio nuclear e na chamada "destruição mútua assegurada"'. A tecnologia poderá não só melhorar o primeiro ataque nuclear de uma potência, mas também aumentar a precisão de sistemas de defesa antimísseis, dificultando o sucesso de uma retaliação.
"A IA é uma tecnologia disruptiva que terá impacto não só no desenvolvimento de armas nucleares melhores e mais precisas, mas também no aperfeiçoamento da defesa nuclear, o que é tão importante quanto", disse o professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Hugo Bras Martins da Costa à Sputnik Brasil.
Durante a Guerra Fria, a manutenção do equilíbrio estratégico entre as principais potências nucleares garantiu que nenhuma possa contar com uma vitória em um embate de larga escala. Agora, o desenvolvimento de IA poderá garantir a vantagem, ainda que temporária, a uma ou mais potências, prejudicando a segurança global.
"O equilíbrio estratégico prevê certa semelhança entre as capacidades das principais potências. Caso uma avance mais do que a outra no desenvolvimento da IA, isso poderá gerar desequilíbrio significativo", alertou o pesquisador de Rússia e ex-URSS no Núcleo de Avaliação da Conjuntura da Escola de Guerra Naval, Rafael Esteves Gomes.
Para complicar ainda mais o cenário, o equilíbrio que antes era bilateral, envolvendo EUA e Rússia, agora deve considerar novos atores, como Índia, França, Reino Unido e China.

"A China se coloca como um ator incontornável, porque desenvolve seus armamentos nucleares e está na vanguarda do desenvolvimento de IA", disse Martins da Costa. "A estabilidade estratégica agora precisa considerar a dinâmica não só no desenvolvimento tecnológico, mas também na ampliação dos atores necessários para sua manutenção."
Riscos em rede
A aplicação de IA nos arsenais nucleares das potências demandará maior digitalização de seus sistemas, que deverão ser integrados em redes nacionais. O abandono de sistemas analógicos expõe os arsenais a ataques cibernéticos, apontaram os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
"A digitalização dos programas nucleares aumenta a capacidade de defesa, mas também de ataque", disse Martins da Costa. "O uso da IA nos armamentos nucleares tem o objetivo de tornar os sistemas autônomos. Mas isso também os torna mais dependentes do uso de tecnologias."
A gestão dos arsenais turbinados com IA "dependerá de um algoritmo, que pode ser manuseado por mecanismos de sabotagem" ou "ataques diretos às redes que operam esses programas".

"A IA aumentará as capacidades dos programas nucleares, mas também os riscos. Quanto mais você digitaliza o seu programa nuclear, mais ele fica vulnerável a ataques cibernéticos. Esse é mais um dilema da aplicação de IA", alertou Martins da Costa.
Cada país deverá calcular o ponto ótimo entre aumento de capacidades militares fornecido pela IA e os riscos que ela traz. "Mas não vejo nenhuma potência abrindo mão da tecnologia, já que isso a deixaria para trás quando o assunto é dissuasão nuclear", considerou o professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
Bala de prata?
Apesar do entusiasmo geral, a Inteligência Artificial não conseguirá substituir a participação dos oficiais militares nem na geração de dados, nem no processo decisório sobre seus arsenais nucleares.
"Por mais disruptiva que seja, a IA ainda precisa ser alimentada com dados gerados por humanos", lembrou o pesquisador da Escola Naval Esteves Gomes. "Sua capacidade de tomar decisões será limitada por nós, pela quantidade e qualidade dos dados que nós lhe fornecemos."
Além disso, os recorrentes erros cometidos por IA ainda colocam em dúvida a sua credibilidade para lidar com temas tão sensíveis como arsenais nucleares. Para o analista, "precisamos de mais alguns anos de testes com IA".

"Um tema tão sensível como a dissuasão nuclear não poderá ser tratado por modelos que, por enquanto, ainda podem alucinar ou inventar informações falsas", disse Esteves Gomes. "A esfera nuclear é um tema muito sensível que pode custar a destruição de muitas vidas e territórios imensos."
Para ele, a IA de fato poderá flexibilizar a cadeia de comando e diminuir a burocracia envolvida em decisões estratégicas. No entanto, acelerar o processo decisório pode ter efeitos negativos, como diminuir o espaço para o diálogo e soluções diplomáticas.
"Líderes políticos dificilmente delegariam decisões sobre o uso de armas nucleares para a IA. Existe toda uma hierarquia nesse caso, e acho que previsões que dizem que a IA tomará uma decisão como essa ainda estão na esfera da distopia", acredita Esteves Gomes.
Sul Global
Ainda que robôs estejam longe de apertar o botão vermelho, países periféricos devem se preocupar com o crescente abismo que os separa de potências nucleares, agora munidas de IA.
"A tendência é que o uso de IA na esfera nuclear aumente a assimetria de poder entre potências que dominam essas tecnologias e os demais países", notou Martins da Costa. "O efeito cumulativo tecnológico aumentará ainda mais o poder das grandes potências, em detrimento dos demais."
Países não detentores dessas tecnologias buscarão na regulação da IA garantias de que seus territórios passem ilesos por essa nova corrida tecnológica entre as potências.

"Potências médias como o Brasil, que não detém armas nucleares, buscam nas leis e nos tratados internacionais elementos para uma maior estabilidade", explicou Martins da Costa. "Nesses arranjos as potências médias também podem ampliar a sua influência no debate internacional."
Para ele, a regulação do uso militar de IA "é absolutamente necessária enquanto projeto civilizatório da humanidade, tendo em vista a enorme capacidade de destruição desses armamentos".
Defesa brasileira
O Palácio do Planalto aprovou recentemente o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024-2028, que prevê investimentos de R$ 23 bilhões no desenvolvimento da tecnologia. Os recursos serão oriundos do orçamento federal, mas também de fundos públicos e da iniciativa privada.
Segundo o Instituto de Economia da UNICAMP, cerca de 60% das ações do Plano são voltadas para a eficiência empresarial, e 25% para infraestrutura tecnológica. O plano brasileiro tem foco evidente na eficiência econômica, desenvolvimento agrícola e retomada industrial.
Mas as Forças Armadas também têm interesse em participar da iniciativa. O professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Martins da Costa diz que "o desenvolvimento e aplicação de IA é prioridade máxima para as forças terrestres".
"O fundamental será conscientizar a sociedade brasileira da necessidade de sustentar esse projeto, seja no ponto de vista financeiro, seja no tecnológico. E não vai sair barato", disse Martins da Costa. "Será necessário ter planejamento para manter isso no longo prazo, o que sempre é o desafio dos projetos estratégicos."
O debate sobre financiamento do uso de IA em defesa "esbarra muito na ideia de que o Brasil é um país pacífico, territorialmente satisfeito, e que ainda tem muitos desafios sociais a serem superados".
"E isso tudo é verdade. Mas temos que balancear as necessidades sociais com o desenvolvimento tecnológico da defesa. Precisamos encontrar o ponto ótimo entre essas demandas para não ficarmos pra trás", concluiu o especialista.
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