Internacional
ABIN ajudaria Lula a lidar com pressão dos EUA? Especialistas divergem

Tarifas dos EUA contra o Brasil levam governo Lula a avaliar o aumento do orçamento de agências de inteligência como a ABIN. Analistas apontam como a agência pode ser fortalecida para atender aos interesses do Estado brasileiro, e não de grupos políticos particulares.
As tarifas impostas pelos EUA contra o Brasil levam o Palácio do Planalto a avaliar a possibilidade de aumentar o orçamento da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), informou o Relatório Reservado. A avaliação em Brasília é que o governo precisa ter mais acesso à informação diante de cenário internacional turbulento.
As agências de inteligência do Estado brasileiro sofrem com falta de financiamento crônico, que reduzem sua capacidade de ação externa. O Brasil investe somente 0,005% do PIB no setor, o que contrasta com os 0,4% investidos por Washington, calculou a reportagem.

O alerta também foi dado na esfera digital, com a recente iniciativa do governo de retomar o uso de aplicativos de mensagens instantâneas protegidos pela ABIN. Desde o governo Bolsonaro, o aplicativo nacional Athena foi descontinuado em prol de plataformas estrangeiras como o WhatsApp.
O aumento do orçamento de inteligência, no entanto, é assunto polêmico no Brasil. A memória em relação ao uso deste tipo de órgão para repressão política interna, além das acusações de politização da ABIN, gera desconfiança entre a população e especialistas.
"É necessário diferenciar a inteligência que faz espionagem de inimigo político, que de fato foi a prática no Brasil durante governos autoritários, [...] da inteligência de pensamento estratégico funcional, como seria o caso da ABIN, que deveria ter a capacidade de fazer projeções", disse a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ana Penido à Sputnik Brasil.
Segundo a especialista, o imaginário popular "associa agências como a ABIN a atividades de espionagem secretas", enquanto "boa parte da inteligência na verdade é feita com fontes abertas".
"Uma agência como a ABIN teria que olhar para um cenário macro ampliado e alimentar o governo com subsídios para que ele toma decisões acertadas", explicou Penido. "Fornecer ao governo a capacidade de olhar estrategicamente e projetar cenários desejáveis para o Brasil é fundamental, apesar de ser mais difícil no nosso sistema político."
As rivalidades políticas domésticas brasileiras podem dificultar a capacidade de o governo Lula dobrar a aposta em uma agência como a ABIN. Fatos divulgados pela imprensa nacional associaram de maneira contundente a ABIN com movimentos pró-Bolsonaro, o que gera desconfiança na agência por parte da esquerda.

"Ficou muito gravada uma imagem negativa da agência, muito associada ao bolsonarismo", disse Penido. "A ABIN pode ter sido instrumentalizada não para gerar inteligência para o Estado, mas sim para o governo daquele momento, mais preocupado com a vigilância doméstica do que em pensar cenários de projeção internacional para o Brasil."
Inteligência para lidar com EUA
Mesmo com as diferenças políticas, o governo parece estar convencido de que falta assessoramento de inteligência para lidar com desafios significativos, como as novas tarifas impostas pelos EUA.
Para Penido, a imposição de tarifas contra o Brasil e sanções contra brasileiros era um cenário plausível, que deveria ter sido melhor explorado pelas agências de inteligência do Brasil.
"Hoje, dois terços do mundo estão sob sanções econômicas dos EUA. Então, a rigor, não há novidade na imposição de sanções, inclusive contra países amigos. A inteligência aqui deveria fazer projeções e identificar respostas que outros países encontraram para esse desafio", disse Penido. "A agência fez muita falta nesse sentido."
Para o professor da UFRJ Francisco Teixeira, a crise com Trump motiva o governo a fortalecer a ABIN, "mas essa não é a decisão correta".
"A ABIN possui um DNA complexo e herança do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura militar. Ela se prova extremamente politizada e com perfil claramente conservador", disse Teixeira à Sputnik Brasil. "Além disso, por diversas vezes a agência demonstrou pouca competência para realizar as suas tarefas."
Para o especialista, depois do 8 de janeiro ficou claro que a Polícia Federal "é o órgão mais indicado para produzir inteligência interna no país".
"A Polícia Federal é diretamente ligada ao Ministério da Justiça e, portanto, tem as ferramentas legais necessárias para produzir inteligência interna e externa de qualidade no Brasil", declarou Teixeira. "Na minha opinião, a ABIN, visto o seu passado recente e a continuidade de escândalos, deve ser extinta, e seus recursos devem ser passados para a Polícia Federal."
Para garantir subsídios de qualidade à Presidência da República, Lula deveria "criar grupos de especialistas no âmbito do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)", acredita Teixeira.

"Essa era a função original do GSI, formar grupos de expertos em áreas fundamentais como saúde, educação, transporte público, relações exteriores, para fornecer ao presidente material relevante, novo e proativo", disse o professor da UFRJ. "Esperar isso da ABIN seria ingenuidade."
Farinha pouca
Apesar da demanda, sucessivos governos brasileiros encontram dificuldades para aumentar o orçamento de agências estratégicas. Os pesados encargos com a dívida pública e opção por política de arrocho fiscal limitam as opções do Estado brasileiro.

"Se considerarmos nosso orçamento de segurança pública, ele normalmente é alocado para atividades de repressão, como policiamento de ronda, que gera uma sensação de segurança na população, ainda que falsa", notou a professora Penido. "Mas gastamos pouco com atividades preventivas, como a inteligência."
Considerando ainda o papel da inteligência como provedora de subsídios para a política externa, "vemos que a ABIN não tem o orçamento necessário para atender as demandas de um país que se deseje enquanto potência regional".
"E para o Brasil não interessa ter só uma agência de inteligência forte. Um país democrático precisa de mais de uma, para que elas se regulem entre si. Temos que fortalecer as agências e garantir o controle civil externo sobre as atividades que elas estão desenvolvendo, para não criarmos um monstrengo", concluiu a especialista.
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