Internacional
Entre o cerco do governo e a ameaça do sectarianismo: o que está em jogo para os Druzos na Síria?

Os druzos, uma minoria religiosa do Oriente Médio, permanecem em grande parte um mistério para muitos. Com raízes profundas no Egito medieval e uma história marcada por perseguições, essa comunidade tem uma identidade única que combina elementos de várias tradições, incluindo o Islã, o cristianismo, o judaísmo, o hinduísmo e o budismo.
Embora a fé seja pouco conhecida, ela tem uma influência significativa em algumas regiões do Oriente Médio, além de ter se espalhado para países como Brasil, Estados Unidos e Argentina.
Em entrevista recente ao Mundioka, o professor Dani Zahreddine, especialista em relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, compartilhou suas vastas pesquisas sobre os druzos, esclarecendo o que é essa fé sincrética e o impacto de suas escolhas religiosas no cenário geopolítico atual.
O especialista explicou que o druzismo tem suas origens no ramo fatímida do islã, no século XI, com a figura central de um califa do Cairo, al-Hakim. A fé é caracterizada pela crença em um Deus único e na reencarnação, ideias influenciadas por diversas tradições espirituais.
Ao longo dos séculos, devido às perseguições religiosas, a fé drusa tornou-se uma religião secreta nas montanhas do Líbano, Síria e Israel, onde a prática da fé ocorreu de forma oculta.
A religião se divide entre os "iniciados", conhecidos como Akhal, que são os únicos que possuem pleno acesso aos ensinamentos secretos, e os Juhal, ou seculares, que têm uma formação teológica mais superficial.
"Não existe casamento fora da religião, não existe conversão", disse ele, refletindo as restrições impostas por séculos de perseguição.
Sobre as semelhanças com outras religiões, Zahreddine destacou que, embora ela compartilhe alguns elementos com o cristianismo, judaísmo e islamismo, ele também se distingue por acreditar na reencarnação, um conceito oriundo do hinduísmo e budismo. A comunidade druza reconhece figuras como Jesus Cristo e Maomé, mas sua visão é distinta.
"Nós acreditamos em Jesus de uma determinada forma, mas não se fala que Jesus é o único filho de Deus, porque há o princípio do unitarismo", o Tawheed, explicou o professor.
O historiador e professor Gabriel Mathias Soares, doutor em História Social e mestre em Estudos Árabes pela USP, compartilhou sua análise sobre a situação dos drusos na Síria, especialmente na província de As-Suwayda, e o impacto de conflitos internacionais na região.
Soares, que leciona na Habib University, em Karachi, Paquistão, detalhou o complexo cenário geopolítico, apontando os múltiplos fatores que contribuem para a instabilidade no país árabe.
Apesar do cessar-fogo firmado em julho, a violência continua a marcar a província de As-Suwayda, com duas mortes relatadas no último domingo. Apoiado por facções radicais dentro do governo sírio e grupos jihadistas, o conflito reflete a complexidade da política interna síria, que ainda carrega tensões históricas.
Para Soares, a instabilidade é uma constante na região e a pacificação parece distante: "Isso pode durar muito tempo, pode não ser resolvido, ou pode ser resolvido através de uma violência extrema de um lado ou de outro."
Os drusos, uma minoria religiosa que há séculos mantém uma postura armada e estratégica, são parte fundamental desse quebra-cabeça. O professor observou que, ao longo da história, os drusos na Síria passaram a adotar diversas posturas políticas, com alguns se alinhando ao governo e outros se opondo abertamente. Contudo, a situação atual impõe riscos ainda maiores a essa comunidade. Ele explicou que "os drusos podem vir a ser, no atual momento, os mais vitimados", principalmente aqueles que estão em As-Suwayda, onde enfrentam o cerco de forças do governo sírio, mesmo sob o cessar-fogo.
A escalada do sectarismo na Síria é outro aspecto destacado por Soares. Ele explicou que, apesar de a minoria alauíta (a qual pertence a família Assad) ter sido a mais hostilizada no contexto histórico recente, a situação dos drusos não está muito distante disso.
O governo sírio, segundo ele, falha em lidar com o sectarismo de maneira eficaz, permitindo que movimentos radicais, como os salafistas e jihadistas, agitem ainda mais as divisões sectárias. Além disso, Soares alertou para o perigo de os drusos e outras minorias sofrerem mais ataques de facções mais radicais dentro do próprio Exército sírio.
"Os drusos, mesmo sendo uma minoria, estão muito expostos, especialmente aqueles que vivem sob o cerco do governo. O sectarismo se intensifica e o governo não tem uma posição firme contra esses fanatismos", disse.
O historiador também chamou a atenção para a falta de medidas concretas do governo sírio para garantir a segurança e a convivência pacífica entre as minorias no país. Ele questionou a eficácia do futuro político da Síria: "Se for apenas uma outra forma de dominação de cima para baixo, será que realmente haverá mudança?"
Por Sputinik Brasil
Mais lidas
-
1TURISMO
Alagoas é eleito o melhor destino do Brasil de 2025 em premiação nacional
-
2TRAGÉDIA
Tragédia em Quebrangulo: ex-prefeito Marcelo Lima morre após ser arrastado pela correnteza do rio Paraíba do Meio
-
3EDUCAÇÃO QUE TRANSFORMA
Jovem de Palmeira dos Índios cruza o Atlântico para viver experiência inédita na Inglaterra
-
4HISTÓRIA
A saga de Lampião e Maria Bonita, 83 anos após a chacina de Angicos
-
5PALMEIRA DOS ÍNDIOS
Ministério Público Eleitoral atesta fraudes à cota de gênero e pede cassação de chapas partidárias e mandatos de vereadores