Brasil
Tarifaço de Trump cria 'trégua temporária' entre os Poderes e engaveta anistia, dizem analistas

À Sputnik Brasil, especialistas apontam que os ataques de Trump ao Brasil enfraqueceram a oposição e sua defesa de Bolsonaro, e enfatizam que a união entre Poderes em defesa das instituições, apontada em nota divulgada por Alcolumbre, é apenas "circunstancial".
O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), divulgou uma nota reagindo às tarifas norte-americanas aos produtos brasileiros e à pressão politica contra o Poder Judiciário. Segundo o politico, o Legislativo esta "unido" e "vigilante" na defesa das instituições e da soberania nacional.
"O Parlamento acompanha de perto cada desdobramento dessa questão, em conjunto com o Executivo e o Judiciário, para assegurar a proteção da nossa economia e a defesa intransigente das instituições democráticas", disse, reagindo às manobras do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O posicionamento surpreendeu parlamentares da oposição, que esperavam uma postura diferente tanto de Alcolumbre, quanto do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), que também vem se posicionando contra o tarifaço e em prol da união entre os Poderes.
Recentemente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, afirmou que Motta e Alcolumbre correm o risco de serem punidos por Washington com a Lei Magnitsky caso não incluam, na pauta de votação do Congresso, o projeto de lei de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro, bem como pedidos de impeachment contra magistrados do Suremo Tribunal Federal.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam como fica a relação da oposição com os líderes do Congresso e se o imbróglio do tarifaço tem potencial para reaproximar o Executivo e o Legislativo, que têm a relações abaladas desde o impasse em torno das emendas parlamentares.
Rodolfo Tamanaha, advogado e professor de ciências políticas do Mackenzie Brasília e IBMEC-DF, considera que a união demonstrada por Alcolumbre e Motta é pragmática, e resultante de "uma medida esdrúxula" de Trump contra o Brasil,
Segundo ele, apesar do "verniz político", há um "interesse econômico vigente" em prol dos Estados Unidos que mira fragilizar o Brasil para obter uma barganha melhor na mesa de negociação.
Dessa forma, a a junção de forças entre o Congresso, "mais preocupado com emendas parlamentares" e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em torno do tarifaço é apenas uma "união circunstancial".
"A oposição perde força em relação a esse tema, porque a população entende que a medida do Trump, no final das contas, vai dificultar a vida das empresas brasileiras e da própria economia brasileira."
Ele acrescenta ainda considerar difícil que a pressão externa exercida possa levar ao avanço da pauta da anistia irrestrita, levada a cabo principalmente pelo campo bolsonarista.
"Não sei o quanto que isso realmente surtiria o efeito que eles querem de pautar o tema. [...] Pode ser que avance uma coisa que seja não uma anistia irrestrita, mas algo que seja pontual, como se fosse uma medida no meio do campo."
Marcus Ianoni, professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca à Sputnik Brasil que "nem toda a oposição está comprometida com a agenda bolsonarista do PL e seus aliados".
"Os conservadores são maioria no Congresso, mas grande parte deles têm vínculos com setores do empresariado que não estão apostando no quanto pior melhor."
O especialista acrescenta que "o tarifaço colocou a oposição contra a parede", destacando que se de um lado "os bolsonaristas batem palma para Trump", do outro os governadores conservadores, como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Jr. (PSD-PR) não compareceram aos atos públicos em prol de Bolsonaro do último domingo.
"Só o governador do Rio de Janeiro [Claudio Castro, do PL] foi ao ato em seu estado. O prefeito de São Paulo [Ricardo Nunes, do MDB] compareceu ao ato na Av. Paulista. O tarifaço prejudica o emprego e a renda de trabalhadores e empresários."
Segundo Ianoni, diante disso, é possível que haja convergência entre o governo federal e alguns políticos da oposição, como o visto em abril, quando o Congresso aprovou a Lei da Reciprocidade em resposta às primeiras medidas protecionistas de Trump.
"Há muito pragmatismo e fisiologismo em parlamentares conservadores, como são os do centrão. Veja que vários partidos que têm ministérios no governo Lula estão votando contra o governo em algumas matérias. Esse pragmatismo pode também levar alguns partidos e políticos a apoiarem algumas medidas legislativas de interesse do governo", afirma.
No que tange à pressão pela anistia dos envolvidos no 8 de Janeiro, Ianoni avalia que o projeto "continuará engavetado pelo Hugo Motta",.
A opinião que é compartilhada por Rodrigo Stumpf Gonzalez, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo ele, os ataques de Trump enfraquecem tanto a defesa de Bolsonaro quanto os ataques da oposição ao governo.
"Temas como a anistia devem ir para a geladeira. Neste momento, o tom de unidade é necessário para não parecer traidor do país. Mas em pouco tempo voltará a pressão do Congresso em questões como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras [...]. É apenas uma trégua temporária, um cessar-fogo, não um acordo de paz."
Gonzalez afirma que é pouco provável que um brasileiro apoie um ataque dos EUA ao país, independentemente do motivo. Alguns podem até tentar colocar a culpa em Lula por não negociar, mas a pressão exercida or Trump só prejudica a direita no Brasil."E quanto mais Eduardo fala, mais afasta possíveis aliados".
"No momento, o discurso nacionalista, do patriotismo, caiu no colo do Lula. O que a oposição vai ter de fazer é encontrar novos discursos, [...] buscar pautas internas, como inflação e segurança pública."
Para ele, uma punição norte-americana aos líderes do Congresso Nacional aos moldes da Lei Magnitsky poderia levar a uma retaliação parlamentar, como a cassação de mandatos de membros da família Bolsonaro.
Desse modo, diz, neste momento, a lei de anistia vai para a gaveta. "Poderá ser ressuscitada, mas depois da eleição, com Bolsonaro fora do cenário, com algum discurso humanitário de reduzir penas."
Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), afirma que o posicionamento de Motta e Alcolumbre em defesa da união das instituições "é o mínimo que seria esperado", uma vez que ambos "cumprem funções que são institucionais que são regidas pela Constituição brasileira".
"Isso é o que a gente espera do ponto de vista de qualquer situação que atente contra o Estado brasileiro. Se os deputados e outros senadores da oposição reagiram ou esperavam uma situação oposta, teríamos um erro de postura desses parlamentares."
Santana enfatiza que pesquisas demonstram que a maioria da população é contra o tarifaço, mas a situação em si não vai afetar a relação de Lula com a oposição, "cristalizada" por outras questões para além das tarifas.
"A relação da oposição mais conservadora vai se manter, e dificilmente essa situação vai se alterar. Mas Lula consegue angariar aí uma simpatia maior, [...] pessoas que estão ali no centro, que poderiam ser apoiadores em um eventual processo de reeleição."
A professora afirma ainda que, após todo esse episódio, é improvável que o projeto da anistia avance no Conngresso, "pois seria uma afronta ao Poder Executivo e ao Judiciário". "Essa não é a predisposição de nenhum dos presidentes das Casas". conclui.
Por Sputinik Brasil
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