Alagoas

Antônio Celestino, líder indígena Xukuru Kariri, recebe título de Doutor Honoris Causa

Pela primeira vez, uma pessoa indígena recebeu a mais alta honraria da Universidade, reconhecendo saberes ancestrais e da natureza como parte da produção de conhecimento

Por Jessyka Faustino — jornalista e Larissa Martins — relações públicas 02/06/2025
Antônio Celestino, líder indígena Xukuru Kariri, recebe título de Doutor Honoris Causa

No último sábado (31), a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), afirmando seu compromisso com a causa indígena, fez história ao conceder, pela primeira vez, o título de Doutor Honoris Causa a uma pessoa indígena. O homenageado foi Antônio Celestino da Silva, liderança ancestral, guardião dos saberes encantados, da natureza e da cultura do povo Xukuru-Kariri, do município de Palmeira dos Índios.

A cerimônia foi realizada no Campus do Sertão, em Delmiro Gouveia, e reuniu estudantes, docentes, representantes de comunidades indígenas e autoridades acadêmicas.

O título de Doutor Honoris Causa é a mais alta honraria concedida pela Ufal e, este ato, marca não apenas o reconhecimento da trajetória de Antônio Celestino, mas também a valorização dos saberes ancestrais, dos conhecimentos não acadêmicos e da luta dos povos originários pela preservação de suas culturas, territórios e modos de vida.

“Estou muito feliz por estar aqui agradecendo a todos vocês que vieram me ouvir. Não posso esquecer os momentos de sofrimento, de luta, de caminhada, mas tudo isso nos trouxe até aqui. Hoje, chegou o dia e tudo isso passou. Seguiremos nesse caminho sem temer os obstáculos e a perseguição, porque acima do medo está a coragem e, por isso, nós ainda estamos aqui”, destacou Antônio Celestino, emocionado, em seu discurso.

Reconhecimento dos saberes ancestrais na academia

O ato simbólico representa um rompimento com paradigmas coloniais que, historicamente, desconsideram os saberes dos povos originários como formas legítimas de produção de conhecimento. A presença dos saberes indígenas na universidade amplia os horizontes da ciência, promove a interculturalidade e reafirma a importância da diversidade epistêmica na construção de uma educação mais justa, plural e comprometida com a transformação social.

Durante a cerimônia, o reitor da Ufal, Josealdo Tonholo, destacou a importância do momento para a Universidade. “Se não exercitarmos a nossa capacidade da manutenção desses espaços democráticos abertos, nós estamos fadados a definhar. É preciso manter esses espaços do exercício do combate à desigualdade, do diálogo, da conversa, do exercício da construção de uma sociedade mais justa e resgate da nossa história. Se, hoje, estamos aqui ofertando uma comenda, uma honraria a Antônio Celestino, tenhamos a honradez de prezar pela história dele todos os dias”.

Memorial Antônio Celestino Xukuru Kariri

A trajetória de Antônio Celestino está profundamente ligada à história da retomada territorial dos Xukuru-Kariri. Na década de 1970, após conflitos internos e a insatisfação com a limitação territorial da Fazenda Canto, diversas famílias, incluindo a Celestino, migraram para a Mata da Cafurna, onde fundaram uma nova comunidade em 1979. A região, inicialmente sem infraestrutura, tornou-se símbolo de resistência e identidade para o povo Xukuru Kariri.

A liderança de Antônio Celestino inspirou novas gerações, como sua filha Maninha Xukuru Kariri, uma das fundadoras da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Eventos como o 7º Encontro da Juventude Xukuru-Kariri, realizado em 2023, evidenciam a continuidade da luta e a valorização das tradições culturais, como as Igaçabas – urnas funerárias tradicionais – que simbolizam a resistência e a conexão espiritual do povo.

Antônio é uma das figuras mais emblemáticas na luta pelos direitos territoriais e culturais do povo Xukuru-Kariri. Com mais de 80 anos dedicados à causa indígena, ele é reconhecido como pajé, líder espiritual e político, tendo desempenhado um papel central na resistência e organização do seu povo.

Um marco na história da universidade

A entrega do título a Antônio Celestino dialoga diretamente com o fortalecimento das políticas afirmativas, da luta antirracista e da valorização dos povos originários dentro da universidade pública, trabalho este feito na Ufal pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi). A proposta para conceder o título veio do Campus do Sertão, com apoio do Neabi, e com a relatoria do professor José Ivamilson.

Isto é, sobretudo, o reconhecimento de que os saberes dos encantados, da mata, dos rios e das ancestralidades também são fundamentais para a construção de um mundo mais equilibrado, sustentável e humano.

“Nós, enquanto Neabi, propusemos essa distinção no sentido de reconhecer essa trajetória. Um rito como forma de reconhecimento de alguém que já se apresenta ancestral devido às suas lutas. Ficamos muito felizes de poder reconhecer essa luta dos povos indígenas”, concluiu o professor Vagner Bijagó, coordenador do Neabi no Campus do Sertão.

Como se dá a concessão do título na Ufal?

O título de Doutor Honoris Causa é concedido pela Ufal a pessoas que se destacam por sua contribuição científica, acadêmica, cultural, política ou social, seja no Brasil ou no exterior. A proposta precisa ser apresentada e aprovada no Conselho Universitário (Consuni), instância máxima de deliberação da instituição, após análise de sua relevância e impacto para a sociedade e para a universidade.

Na história da Universidade, foram entregues esse título a personalidades como o sociólogo Betinho (Herbert de Souza), o educador Paulo Freire, o escritor Lêdo Ivo, o músico Hermeto Pascoal, entre outros. A entrega ao senhor Antonio Celestino da Silva Xukuru Kariri é a primeira destinada a uma liderança indígena, representando um marco na política de inclusão e no reconhecimento dos saberes não hegemônicos.