Internacional

Lula volta à China em hora de tensão com Trump e busca acordos ligando PAC à Nova Rota da seda

11/05/2025
Lula volta à China em hora de tensão com Trump e busca acordos ligando PAC à Nova Rota da seda
Foto: Reprodução / Instagram

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta à China nesta semana pela segunda vez no atual mandato e vai realizar a terceira reunião bilateral de alto nível com seu homólogo chinês, Xi Jinping. A missão do presidente brasileiro se insere num contexto de diversificação e ampliação de parcerias buscado por Lula, após o acordo estratégico selado com Xi no ano passado em Brasília. Eles devem anunciar investimentos em áreas como infraestrutura, ligando os projetos da Nova Rota da Seda e do Novo PAC, além de iniciativas em saúde e energia.

O presidente busca explorar mais a relação na Ásia, no contexto de dificuldades de relacionamento com os Estados Unidos sob o governo do presidente Donald Trump, com quem nunca falou, e que adotou políticas opostas às defendidas pelo Brasil. Lula e Trump têm posições contrárias na política, na pauta climática e sobre o funcionamento de instituições multilaterais e o comércio exterior. Parceiros no Brics, grupo de países emergentes que virou alvo da ira de Trump, Lula e Xi devem fazer uma enfática defesa do multilateralismo.

Se o Brasil recebeu tarifação extra de 10% sobre produtos exportados aos EUA, segundo maior parceiro comercial atrás da China e principal origem de investimentos, a China foi o principal alvo de Trump e as tarifas extrapolaram 100%. Ambos podem explorar oportunidades de intensificação de fluxos comerciais em consequência da guerra tarifária.

Até a semana passada, havia 16 protocolos já negociados, e outros 32 em negociação para assinatura durante a visita de Estado do petista a Pequim.

Lula, no entanto, tem sido orientado a equilibrar a estratégia e também mandou recados a Pequim de que o Brasil não deseja se tornar dependente, nem ser "quintal de ninguém", como disse em visita à Rússia. A palavra de ordem no Itamaraty, no entanto, é que a relação com a China não deve ser vista como uma contraposição aos EUA.

Direto de Moscou, Lula desembarcou em Pequim pouco antes da meia-noite deste sábado, dia 10, e terá compromissos oficiais a partir da segunda-feira, dia 12. Entre eles, um seminário com empresários brasileiros e chineses. Participam da missão executivos de multinacionais brasileiras e chinesas com presenças em ambos países como: Eurofarma, Suzano, China Merchants Port Group, Kwai, Vale, Raízen, BYD, GWM, State Grid, Ambipar, Weg, BRF Marfrig, Alibem, Bayer Brasil, Santa Felicidade, COFCO, Luckin Coffee, China Meat Association, Unem, Embrapa e BNDES.

Lula irá ao encerramento do fórum e discursará após o presidente da Apex Brasil, Jorge Viana. O painel ministerial vai contar com participação dos ministros brasileiros: Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e os presidentes do Banco Central, Gabriel Galípolo, e do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros.

A visita foi precedida de discussões longas entre as partes, com objetivo de formalizar mais negócios privados e parcerias públicas. Os governos pretendem anunciar os projetos conjuntos que envolvem, pelo lado brasileiro, o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, pelo lado chinês, a Belt And Road Initiative (Iniciativa Cinturão e Rota), mais conhecida como Nova Rota da Seda. Há expectativa de aporte chinês para obras destinadas a concluir os corredores bioceânicos que atravessam a América do Sul e podem encurtar o tempo e reduzir despesas de transporte de mercadorias de e para a China.

Brasil deixou de aderir formalmente à Nova Rota da Seda

Como combinaram no ano passado, o Brasil deixou de aderir formalmente à iniciativa chinesa, frustrando uma expectativa de Xi, mas admitiu que projetos do Novo PAC e da Nova Rota da Seda deveriam ser estudados caso a caso, se pudessem ser convergentes. Uma força tarefa foi organizada para estudar as oportunidades de "sinergia" nas estratégicas de infraestrutura. O Brasil também quer investimentos em indústria naval, óleo e gás, finanças e conectividade.

A Nova Rota da Seda é um projeto de infraestrutura lançado em 2013 por Xi. Ele virou a ponta de lança da inserção chinesa globalmente, com valor trilionário em contratos, e cerca de 140 países aderiram. Na América Latina, faltam Colômbia e Brasil. Uma das primeiras ações de Trump foi ameaçar tomar o canal do Panamá de volta, incomodado com a presença de empresas de origem chinesa operando no canal, construído pelos EUA em 1914 e operado pelo país centro-americano desde 1999. Com a ameaça, o Panamá decidiu romper sua participação no projeto chinês, sob protesto de Pequim.

Desde abril, missões técnicas e políticas do Brasil viajaram à China e vice-versa. As rotas de integração sul-americanas foram apresentadas à delegação chinesa em Brasília.

Os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia), entre outros, foram previamente à China preparar o terreno para a chegada de Lula. Os acordos estão sendo negociados até segunda-feira, dia 12.

"Teremos anúncios novos de investimentos e parcerias entre empresas brasileiras e chinesas para produzir no Brasil, desenvolver tecnologia e fazer obras de infraestrutura", garantiu, na ocasião, o ministro da Casa Civil. Costa apresentou a empresários chineses 14 leilões de rodovias que devem ocorrer no País neste ano. Até o fim do governo, a expectativa é atrair US$ 50 bilhões em investimentos rodoviários. Também visitou empresas de energia e ferrovias para metrô, VLT e trem.

Dois assuntos pendentes de encaminhamento são o envio de um casal de pandas ao Brasil, um gesto de amizade diplomática tradicional da China, e a venda de até 20 aeronaves comerciais da Embraer para operar em rotas regionais comerciais internas no país. Lula não conseguiu destravar o negócio na última visita a Pequim, em 2023. Já a cessão dos pandas foi acertada no ano passado, mas houve uma disputa interna no Brasil sobre o destino deles e também sobre as garantias das despesas elevadas para sua conservação no País tropical.

Os governadores petistas Rafael Fonteles (Piauí), Jerônimo Rodrigues (Bahia) e o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também vão discursar.

O assessor especial da Presidência da República Celso Amorim, ex-chanceler de Lula, tem expressado a visão de que a China apresenta mais oportunidades e menos riscos do que os EUA, já que Trump age, segundo ele, sob a lógica transacional de um "real state agent", um corretor de imóveis. Outros nomes do governo já externaram antes uma preferência por parcerias com a China.

Já na terça-feira, 13, Lula participará como convidado especial do Fórum ministerial China-Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), e depois terá uma audiência com Xi Jinping. Além dele, são esperados chanceleres de ao menos 17 dos 33 países da Celac, e os presidentes de Honduras, Xiomara Castro; Uruguai, Yamandú Orsi; Colômbia, Gustavo Petro; e a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley. Todos vão discursar na abertura do Fórum de dez anos do mecanismo de inserção chinês China-Celac. Após um almoço, Lula vai para os encontros com autoridades chinesas.

O fórum é uma ferramenta de inserção chinesa na América Latina e no Caribe e ajuda a promover os interesses de Pequim na região - historicamente sob influência dos EUA, mas agora dividida politicamente entre governantes de direita e de esquerda. O subcontinente americano é tratado pela administração Trump como um "quintal" a ser dominado - e os EUA adotam uma retórica de enfrentamento para conter a presença chinesa.

A China tem interesses comerciais, estratégicos e geopolíticos na América Latina, como fomentar a construção de infraestrutura, principalmente portuária, estradas e ferrovias. A região também é palco de uma ofensiva contra Taiwan - estão na região sete dos seus únicos 12 aliados diplomáticos remanescentes. Desde 2017, Panamá, República Dominicana, El Salvador, Nicarágua e Honduras romperam com Taipei e formalizaram relações diplomáticas com Pequim.

Taipei segue perdendo terreno, sem conseguir fazer frente à China continental, que apresenta promessas de investimentos massivos, acesso ao capital de bancos estatais e poder de amplas compras comerciais com os países insulares e centro-americanos. Para isso, eles devem reconhecer o princípio de que existe "uma única China", o qual baseia a reivindicação de Pequim sobre a Ilha Formosa.

Xi Jinping tem preparado o Exército de Libertação Popular para uma possível invasão ou bloqueio sobre o território taiwanês, e realiza constantes manobras navais e aéreas ao redor da ilha. Os exercícios ficam numa zona cinzenta, mas espalham temor de que um conflito ocorra, embora autoridades taiwanesas entendam que o objetivo de Xi é vencer a uma guerra sem ter que lutar.

No ano passado, Lula cedeu e adotou uma linguagem mais favorável ao pleito histórico do Partido Comunista Chinês por "reunificação pacífica", motivando protestos do governo democrático em Taiwan, que se considera um "país de fato" e busca manter o status quo, com autonomia em relação a Pequim.

Ucrânia também deve estar na pauta

No plano geopolítico, Lula e Xi devem discutir repercussões das respectivas conversas com Vladimir Putin, enquanto estiveram em Moscou para celebrações de 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Ambos cultivam acesso e uma abordagem amigável ao líder do Kremlin e são vistos também no Ocidente como capazes de levar lobbies à consideração dele.

Brasil e China criaram um grupo de "Amigos da Paz", formado essencialmente por membros do Sul Global, e lançaram a proposta sino-brasileira com princípios para alcançar um cessar-fogo e iniciar negociações de paz, agradando mais aos russos do que aos ucranianos. O ex-chanceler brasileiro chama de proposta de texto "Amorim-Wang Yi".

Como o Estadão revelou, o governo de Volodmir Zelenski pediu que o brasileiro e o chinês intercedessem junto a Putin para uma trégua na guerra. Lula, então, sugeriu que Putin aproveitasse o cessar-fogo que havia decretado por três dias para coincidir com o feriado nacional do Dia da Vitória sobre a Alemanha nazista e o prolongasse para 30 dias. Zelenski já havia topado uma pausa por esse período, em mediação conduzida por Trump. Mas Putin resiste.