Internacional
Guerra em Gaza deixa milhares de órfãos 10 meses após o início do conflito
Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) estimam que pelo menos 19.000 crianças estão sobrevivendo separadas dos pais

A guerra em Gaza, iniciada em 7 de outubro de 2023, há dez meses, tira crianças dos pais e pais das crianças, desfazendo a ordem natural das coisas, rompendo a unidade básica da vida no local. O conflito está criando tantos órfãos em tal caos que nenhuma agência ou grupo de ajuda consegue contabilizá-los com exatidão.
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A equipe médica diz que as crianças são deixadas vagando pelos corredores do hospital e se defendendo sozinhas depois de serem levadas às pressas para lá ensanguentadas e sozinhas — “criança ferida, sem família sobrevivente”, alguns hospitais as rotulam. Unidades neonatais abrigam bebês que ninguém foi reivindicar.
Em Khan Younis, ao sul da Faixa de Gaza, um acampamento administrado por voluntários surgiu para abrigar mais de 1.000 crianças que perderam um ou ambos os pais, incluindo os Akeilas. Uma seção é dedicada a “sobreviventes”, crianças que perderam suas famílias inteiras, exceto talvez um irmão. Para ser acolhido, há uma longa lista de espera.
Em meio aos bombardeios, devido às constantes evacuações desordenadas de barraca em barraca, de apartamento em hospital e de abrigo, ninguém sabe dizer quantas crianças perderam o contato com seus pais e quantas os perderam para sempre.
Usando um método estatístico extraído da análise de outras guerras, especialistas da Organização das Nações Unidas ( ONU) estimam que pelo menos 19.000 crianças estão sobrevivendo separadas dos pais, seja com parentes, com outros cuidadores ou sozinhas.
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Mas o número real é provavelmente maior. Essas outras guerras não envolveram tanto bombardeio e tanto deslocamento em um lugar tão pequeno e lotado, com uma população que inclui uma proporção tão alta de crianças, disse Jonathan Crickx, porta-voz da agência infantil da ONU.
O choque da perda
Mohammed, Mahmoud, Ahmed e Abdullah Akeila estão ansiosos para ver os pais novamente. Eles estão convencidos de que isso vai acontecer assim que puderem voltar para a cidade de Gaza, onde cresceram antes que a guerra fosse iniciada.
— Baba [papai] e mama [mamãe] estarão nos esperando lá — as crianças à tia Samar, que está cuidando dos quatro. Eles dizem isso mesmo tendo sido informados de que seus pais estão há meses, desde o ataque aéreo que atingiu próximo ao local onde a família estava abrigada.
Exceto Ahmed, o segundo mais novo, de 13 anos, nenhum deles viu os corpos. Os irmãos passam cada marco em lágrimas, quase incapazes de falar — o dia das ães foi difícil; assim como o feriado do Eid (celebração muçulmana que marca o fim do jejum do Ramadã) — mas ainda assim eles mantêm a esperança. Toda noite, quando a oração do pôr do sol é dita, Abdullah, de 9 anos, diz que consegue ouvir a voz de sua mãe.
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A tia deles, Samar al-Jaja, de 31 anos, que divide uma tenda com as crianças em Khan Younis, está perdida.
— Quando eles veem outros pais segurando seus filhos perto e conversando com eles [imagino] como eles se sentem — diz a mulher.
O que Israel diz?
O exército israelense diz que toma precauções para limitar danos a civis em sua devastadora campanha em Gaza para erradicar o Hamas após o ataque do grupo em 7 de outubro a Israel, que deixou cerca de 1.200 mortos e cerca de 250 feitos reféns. Mais de 100 prisioneiros ainda permanecem em Gaza, pelo menos 30 dos quais acredita-se que estejam mortos.
Israel acusa o Hamas de colocar em perigo os moradores de Gaza ao operar em seu meio. O Hamas defende seu uso de roupas civis e casas civis, dizendo que seus membros não têm alternativa.
Dezenas de milhares de pessoas foram mortas: muitas delas crianças, muitos pais. Em abril, 41 por cento das famílias que a agência de Crickx pesquisou em Gaza estavam cuidando de crianças que não eram suas.
— Algumas crianças nasceram órfãs depois que suas mães feridas morreram durante o parto — afirma Deborah Harrington, uma obstetra britânica que viu dois bebês nascerem dessa forma enquanto era voluntária em Gaza em dezembro.
Rastrear os perdidos é uma tarefa complexa
Com muito mais frequência, crianças e pais são separados quando as forças israelenses prendem os pais ou, após um ataque aéreo, as crianças são levadas sozinhas para os hospitais em meio à confusão. Os médicos dizem que trataram muitas crianças recém-órfãs, muitas delas amputadas.
— Não havia ninguém lá para segurar suas mãos, ninguém para confortá-los durante as operações agonizantes — lamenta Irfan Galaria, um cirurgião plástico da Virgínia que se ofereceu como voluntário em um hospital de Gaza em fevereiro.
Trabalhadores humanitários tentam rastrear os pais, se estiverem vivos, ou parentes. Mas os sistemas governamentais que poderiam ter ajudado entraram em colapso. As comunicações são irregulares. Ordens de evacuação dividem as árvores genealógicas, enviando os estilhaços em todas as direções.
Algumas crianças ficam tão traumatizadas que ficam mudas e não conseguem dar seus nomes, tornando a busca quase impossível, de acordo com a SOS Children's Villages, um grupo de ajuda que administra um orfanato em Gaza.
Por outro lado, há Mennat-Allah Salah, de 11 anos, que fala constantemente sobre seus pais. Órfã desde dezembro, ela copia o jeito como sua mãe ria, piscava, andava. Ela usa os tênis e a camiseta favorita de sua mãe, embora sejam grandes demais.
— Minha mãe era tudo para mim — conta a menina, antes das lágrimas virem.
Entre os bebês prematuros que chegaram ao Hospital Emirati na cidade de Rafah, no sul, em novembro, estava uma menina de 3 semanas cuja família era desconhecida. Seu arquivo dizia que ela havia sido encontrada ao lado de uma mesquita na Cidade de Gaza após um ataque aéreo que matou dezenas de pessoas, de acordo com Amal Abu Khatleh, uma enfermeira neonatal do hospital. A equipe a chamava de “Majhoul”, árabe para “não identificada”.
Chateado com a dureza desse nome, Khatleh decidiu dar a ela um nome apropriado: Malak, ou “anjo”. Ela ligou para jornalistas no norte de Gaza para descobrir quais famílias perderam membros em um ataque perto de onde Malak foi encontrada, então questionou pacientes com esses sobrenomes sobre uma menina desaparecida. Sem sorte.
Em janeiro, preocupada com o desenvolvimento de Malak, a enfermeira neonatal decidiu levá-la para sua casa. Como em outras sociedades muçulmanas, restrições religiosas tornam a adoção legal impossível em Gaza, embora as pessoas possam acolher e patrocinar financeiramente órfãos.
No entanto, a família, amigos e colegas de Abu Khatleh se uniram em torno dela, doando roupas, fórmula e fraldas. A menos que ela encontre os pais de Malak, ela disse que planeja mantê-la, apesar dos obstáculos legais.
— Eu sinto que Malak é minha filha de verdade. Eu a amo. Meus amigos até dizem que ela se parece comigo agora — afirma.
Na maioria dos casos, dizem os funcionários da assistência, as famílias extensas e unidas de Gaza intervêm como cuidadoras. Foi o que aconteceu com os irmãos Akeila. A tia deles, al-Jaja, contou a história: Eles eram sete, o pai, um alfaiate, a mãe, que ficava em casa, seus quatro filhos e sua filha bebê, Fátima.
Em 23 de outubro, eles estavam abrigados na casa de um parente quando um ataque aéreo destruiu um prédio vizinho, de acordo com a família. Zahra Akeila, 40, foi morta junto com Fatima, seus corpos desenterrados por parentes seis horas depois.
Neste dia, al-Jaja chorou por sua irmã. Mas Ahmed, a única criança ali a ver o corpo de sua mãe em seu caixão, ficou com os olhos secos e em silêncio com o choque.
Seu irmão mais velho, Mohammed, 21, tem deficiência de desenvolvimento desde o nascimento. A família mentiu para ele no começo, dizendo que sua mãe estava em cirurgia. Mahmoud, 19, que estava gravemente ferido na perna direita, foi enviado para outro hospital antes que pudessem lhe contar.
Abdullah, o mais novo, de 9 anos, ainda estava sendo tratado quando a enterraram. Horas antes da greve, ele se lembrava dela fazendo o jantar para eles, entregando suco e batatas fritas, prometendo uma mesada de alguns shekels; ele se lembrava de ouvir um estrondo, lembrava dela os conduzindo para longe das janelas.
A próxima coisa que ele soube, ele disse, foi que estava acordando no hospital. Quando ele não parava de perguntar sobre sua mãe, parentes finalmente lhe disseram:
— Mamãe está no céu agora.
Poucos dias depois, o pai das crianças, Mohammed Kamel Akeila, 44, que estava internado na UTI, morreu. O exército israelense disse que o prédio próximo ao abrigo dos Akeilas que foi atingido era "infraestrutura" do Hamas, sem dar detalhes.
Por conta disso, al-Jaja deixou seu noivo em outra cidade para viver com os meninos. Mesmo depois de se casar, ela e o tio dos meninos ajudarão os avós a criá-los.
— O futuro dessas crianças não é nada sem seus pais. Mas vamos tentar. A mãe deles era uma pessoa tão gentil. Agora temos que retribuir todas as coisas boas que ela fez por nós — explica.
O acampamento fornece algumas refeições e dinheiro. Enquanto todos lutam pela sobrevivência, no entanto, assistentes sociais da ONU têm visto algumas famílias de Gaza priorizarem seus próprios filhos em detrimento de parentes órfãos, de acordo com Crickx. E órfãos são altamente vulneráveis à exploração, violência e abuso.
Se eles sobreviverem a tempos de paz, abrigo, água potável e assistência médica física e mental serão questionáveis, sem falar em sua educação, emprego e perspectivas de casamento. Mesmo para crianças que ainda têm pais, Gaza do pós-guerra será um lugar difícil para crescer, segundo Mahmoud Kalakh, um trabalhador de caridade que fundou o campo de órfãos.
— E o que acontece com essas crianças que não têm fonte de renda ou provedor, tendo perdido seus pais ou mães? — questiona.
Abu Bakr Bashir e Ameera Harouda contribuíram com a reportagem.
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