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Quando os atos falam mais alto que as palavras
Retificar as palavras. Eis a primeira atitude que, segundo os “Analectos” de Confúcio, deveríamos tomar para sermos capazes de edificar uma clara compreensão da realidade e, a partir dessa atitude, podermos realizar as mudanças que realmente sejam necessárias em nossa vida.
Vale lembrar que o ato de tornar as palavras retas não é sinônimo de tomar um dicionário em mãos para sabermos o que o mesmo nos diz a respeito deste ou daquele vocábulo. Nada disso.
Na verdade e na real, alinhar as palavras é compreendermos que os termos que dão sentido à vida, no momento presente, tem uma relação umbilical com a nossa experiência histórica e que, essa experiência, é eivada de lutas fratricidas pelo poder, silêncios nada obsequiosos e distorções tremendamente maliciosas.
Ora, quando uma palavra é repetida incessantemente, nos mais diversos contextos, e de forma escandalosamente contraditória e frívola, é sinal de que a pobre coitada está sendo esfolada sem dó nem piedade para que possa, inclusive, legitimar realidades totalmente contrárias ao seu sentido originário.
Um bom exemplo disso seria a palavra democracia. Uma palavra que está na boca de todo mundo e que é usada nas mais variadas ocasiões para, de forma canhestra, sinalizar uma virtude que inexiste no coração daqueles que incessantemente a evocam.
Para bem refletirmos sobre esse ponto, destaquemos um dos pilares dessa tal democracia, que é a dita-cuja da liberdade de expressão. Mas antes de pensarmos nos grandes abusos que foram e são perpetrados contra ela, pelas potestades Estatais, volvamos nossos olhos para o interior do salão pouco iluminado da nossa consciência e indaguemos o seguinte: quantas vezes nós desejamos, no silêncio da nossa alcova moral, que nossos desafetos políticos fossem censurados? Quantas vezes nós nos regozijamos quando alguém, com uma posição política diversa da nossa, teve sua liberdade de se expressar cerceada? Enfim, em alguma ocasião nós solicitamos - publicamente ou sorrateiramente - para que alguém fosse censurado? Por um acaso, alguma vez mandamos uma mensagem, ou algo do gênero, para o editor de um jornal para pressioná-lo a expurgar alguém de suas páginas por termos ficado desgostosos com algo que foi escrito por ele?
Bem, se nós respondemos afirmativamente para qualquer uma dessas perguntas (ou para todas elas), é sinal de que a palavra democracia, em nossos lábios, não tem valia alguma, tendo em vista os valores que são expressos por nossas atitudes nada republicanas, atitudes que revelam toda a verve tirânica que trepida em nossas veias.
É sempre importante lembrarmos que sem essa pedra angular, que é a liberdade de expressão, todo o edifício democrático acaba caindo, dando lugar a um vil e dissimulado despotismo que, por pura malícia, não deixará de ostentar a palavra democracia para justificar toda a sua vilania.
Para melhor alumiar as nossas reflexões a respeito dos Íncubos e Súcubos que estão atormentando o nosso país, procuremos lembrar dos tormentos que assolaram essas terras noutras épocas. Lembremos do famigerado Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, e não nos esqueçamos de tudo o que ele significa para a história da infâmia em nosso país.
Pois bem, no AI – 5 lemos o seguinte: “[...] conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção...”, e assim, nessa toada, segue o andor.
Sim, amigo leitor, essas são algumas das palavras iniciais do AI – 5. Ato que, inquestionavelmente, consolidou a Ditadura Militar na história recente do nosso país.
Aliás, vale lembrar que, na reunião em que o dito-cujo foi discutido, o então Ministro Jarbas Passarinho, havia dito: “Às favas, senhor Presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. Dito de outro modo: vale tudo para defender a “democracinha”, tudo, inclusive implantar uma tirania em nome dela.
Enfim, por essas e por inúmeras outras razões, que eu fico pra lá de ressabiado quando vejo uma galera cheia de salamaleques, com pose de bons moços, falando até pelos cotovelos de que deve-se tomar medidas extraordinárias para salvar as instituições democráticas porque, como todos nós sabemos, os personagens podem até mudar, os palcos podem ser trocados e, inclusive, os atores podem ser outros, mas a história, infelizmente, acaba sempre se repetindo. E sempre se repete de forma trágica.
Gostemos ou não, estamos sempre a dois passos da morte, cruenta ou incruenta, das nossas liberdades e, o golpe mortal contra elas, acaba sempre vindo de onde menos se espera.
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