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Onde 'É assim que acaba' erra (e onde acerta) ao falar sobre violência doméstica
No filme inspirado em livro de Colleen Hoover, personagem de Blake Lively se vê em relacionamento abusivo após passar a infância vendo o pai bater em sua mãe; profissionais que aconselham sobreviventes de violência doméstica comentam representação do prob

Uma pessoa tentando sair de um relacionamento abusivo, em média, precisa de sete tentativas para realmente escapar. Lily Bloom, a protagonista do novo drama "É assim que acaba", precisou de apenas uma. Na adaptação do best-seller de Colleen Hoover, Bloom (Blake Lively) é uma jovem que cresceu vendo seu pai bater em sua mãe e que vê seu próprio casamento com o neurocirurgião aparentemente perfeito Ryle Kincaid (Justin Baldoni, também diretor do filme) se deteriorar em abuso físico e emocional. Quando Bloom descobre que está grávida de um filho de Kincaid após uma noite violenta, ela decide ir embora.
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Profissionais que aconselham sobreviventes de violência doméstica ou trabalham em questões relacionadas dizem que "É assim que acaba" é uma representação simplificada do processo de fazer parte e de sair de um relacionamento abusivo. Mas se o filme é uma ferramenta capaz de alertar sobre o problema ou uma visão inatingível de como escapar do abuso, depende para quem você pergunta.
— Acho bem provável que algumas pessoas assistam ao filme e se vejam em Lily — diz Pamela Jacobs, CEO da organização sem fins lucrativos National Resource Center on Domestic Violence. Ela afirma que, embora “É assim que acaba” tenha tido problemas, ficou surpresa com o quão bem ele mostra o abuso em geral.
Saída difícil
A grande imprecisão, para os profissionais, é a facilidade com que Bloom vai embora quando percebe que está sofrendo abuso. Na vida real, ela provavelmente teria enfrentado perseguição, assédio e outras táticas de pressão crescentes, incluindo violência. Mas, no filme, a personagem e seu marido se separam pacificamente após uma única conversa.
Jacobs diz que não é realista a partida tranquila de Bloom — que acontece graças a sua independência financeira (ela é dona de uma floricultura) e ao apoio inabalável da comunidade, incluindo de sua melhor amiga, que também é irmã de Kincaid.
— Só espero que os sobreviventes que assistem a este filme não se comparem muito à história de Lily, porque ela conseguiu escapar muito mais facilmente do que as pessoas normalmente conseguem.
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Andrea Wainer, uma assistente social e terapeuta de Nova York que trabalha com sobreviventes de abuso doméstico, disse que a mensagem do filme pode ser perigosa, pois não explica o planejamento cuidadoso necessário para sair com segurança.
— É uma batalha e tanto para sair — ela destaca. — Se as pessoas identificarem que estão em relacionamentos abusivos e depois de assistirem a esse filme tiverem coragem de sair, algumas acabarão sendo mortas. Muitas ficarão sem seus filhos. Muitas ficarão sem teto e deprimidas, e a maioria terá TEPT — afirma, se referindo ao transtorno de estresse pós-traumático.
Wainer, uma sobrevivente de abuso doméstico, diz que vários aspectos do filme soaram falsos: Bloom não se envolve em uma batalha pela custódia, não enfrenta dificuldades financeiras depois de se tornar dependente de seu agressor e não passa por nenhuma interrupção no trabalho, isolamento social ou outras duras realidades de escapar.
Início romântico
Uma coisa que o filme acerta, dizem os especialistas, é o romance no início do relacionamento. Quase assim que vê Bloom, Kincaid faz uma ofensiva de charme, uma tática conhecida como “bombardeio de amor”, e a enche de flores e pedidos insistentes.
Seu comportamento controlador continua no início do relacionamento. Quando ele a machuca, consegue convencê-la de que foi apenas uma série de acidentes, e ela acaba confortando-o. Jacobs elogiou o foco no abuso psicológico e uma dinâmica na qual as vítimas interpretam ciúme e possessividade como comportamentos românticos.
Mas o marketing do filme também foi criticado por especialistas. Grande parte da discussão sobre "É assim que acaba" se concentrou na turnê de imprensa, em parte por causa da dissonância entre a promoção alegre e cheia de flores do filme e sua história sombria.
Maddie Spear, uma terapeuta em Raleigh, Carolina do Norte, faz vídeos online sob o pseudônimo @Therapy Thoughts. Ela disse que ficou surpresa com o quão bem o filme mostrou alguns aspectos do abuso, mas isso a deixou ainda mais decepcionada com seu marketing. Ela discordou especialmente de uma entrevista na qual Lively enfatizou que Bloom era uma pessoa com mais características do que ser vítima de abuso.
— Embora essa seja uma perspectiva realmente esperançosa, sobreviventes de traumas e especialmente de violência de parceiro íntimo e violência doméstica sabem que isso não é uma parte deles que eles podem simplesmente desligar e se livrar — diz Spear, que trabalha com jovens adultos e tratou muitos clientes que sofreram abuso em relacionamentos iniciais.
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Jacobs e Spear expressaram esperança de que, apesar de suas imprecisões, o filme possa ajudar as espectadoras a terem coragem de pensar em deixar um relacionamento abusivo.
O filme arrecadou mais de US$ 180 milhões nas bilheterias globais, mas é difícil dizer se ajudou as espectadoras. Uma porta-voz da National Domestic Violence Hotline disse que não havia visto um aumento nas chamadas vinculadas ao filme, mas registrou um aumento de 10% no tráfego do site desde que o filme foi lançado em 9 de agosto.
A produtora por trás do filme, Wayfarer Studios, fez uma parceria com a No More Foundation, que se concentra em campanhas de conscientização sobre violência doméstica, para consultar alguns aspectos da representação e desenvolver recursos que os espectadores podem aprender com os créditos. Em comparação com o mesmo período em julho, disse um porta-voz, a organização teve um aumento de 800% nas visitas ao site, três vezes o tráfego normal para seu diretório de serviços de suporte nos Estados Unidos.
A plataforma do grupo No More Silence, que convida sobreviventes e vítimas de abuso doméstico a compartilhar suas histórias de forma segura e anônima, também viu um salto nas postagens desde que "É assim que acaba" foi lançado.
"Eu sabia que esse filme mudaria tudo para mim e mudou", diz um post recente. "Eu finalmente o deixei e, por mais difícil que tenha sido, foi a melhor coisa para mim e para o meu futuro. Acredito que temos uma vida, por que eu a desperdiçaria com alguém assim?"
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