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Exército de Israel usou civis palestinos como 'escudos humanos' em túneis de Gaza, afirma jornal

Reportagem do Haaretz afirma que os capturados eram mantidos algemados por dias, e obrigados a caminhar em locais onde poderia haver explosivos

Agência O Globo - 14/08/2024
Exército de Israel usou civis palestinos como 'escudos humanos' em túneis de Gaza, afirma jornal

Uma investigação do jornal Haaretz revelou que tropas israelenses usaram civis em Gaza como escudos humanos durante incursões nos túneis que cruzam o enclave, e que oficiais superiores sabiam disso. As alegações corroboram denúncias anteriores da rede al-Jazeera (expulsa de Israel) e de organizações de defesa dos direitos humanos.

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Segundo o jornal, os soldados obrigavam os civis a vestirem roupas militares, os amarravam e, em seguida, eles eram forçados a entrar nos túneis, em especial naqueles onde havia a suspeita de existirem armadilhas plantadas pelo grupo terrorista Hamas.

— Nossas vidas são mais importantes do que as vidas deles — um oficial teria dito aos soldados, de acordo com o Haaretz. O jornal afirma que os civis usados como escudos humanos eram tratados por uma palavra árabe, de origem turca, “shawish”, que significa “sargento”.

Não há um padrão específico para “escolher” os civis, e há registros, confirmados ao jornal por militares que testemunharam essas ações em Gaza, de que menores e idosos foram mandados para os túneis. Alguns permaneceram junto às unidades, de maneira forçada, por até uma semana, embora as regras de combate de Israel vetem o emprego de civis em operações por mais de 24 horas, e também sua participação em ações que envolvam risco de vida.

— Ouvimos respirações muito profundas; parecia que ele estava com um pouco de medo — disse ao Haaretz um soldado que descobriu apenas ao observar as imagens de um dos túneis que a pessoa caminhando no local era um civil palestino. — Eles simplesmente o enviaram para dentro e ele mapeou tudo para os comandantes, com o comandante da brigada observando do lado de fora.

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Segundo outro militar, citado pelo Haaretz, sempre que alguém fazia questionamentos, era informado de que "a ideia em geral era que se o local estivesse com uma armadilha, ou se houvesse uma emboscada ou terroristas na área, eles matariam [o palestino que foi enviado] e não os soldados”. Em alguns casos, o civil, que trajava uniformes militares, acabou morto por atiradores do Hamas.

— As pessoas começaram a fazer perguntas, muito rapidamente uma confusão começou sobre esse procedimento — disse um soldado. — Alguns argumentaram que não estavam dispostos a realizar operações se isso incluísse um cidadão de Gaza que fosse forçado a se sacrificar. Claro, havia aqueles que apoiavam.

Desde o início da guerra em Gaza, em outubro do ano passado, Israel acusa o Hamas de usar civis como escudos humanos em locais como hospitais e escolas, e de certa forma tentando justificar os ataques que por vezes deixam dezenas de mortos, incluindo crianças e idosos. Ao mesmo tempo, o governo israelense também é alvo de denúncias similares, e mais antigas do que a reportagem do Haaretz.

Em junho, a rede al-Jazeera, que foi proibida de trabalhar em Israel, denunciou que tropas em Gaza amarraram um homem ferido no capô de um veículo militar em Jenin, na Cisjordânia, em uma aparente tentativa de usá-lo como escudo humano. Um vídeo corroborou a denúncia.

O jipe ​​passou e o homem ferido estava no capô — disse Abdulraouf Mustafa, motorista da ambulância que deveria levar o homem ao hospital, à Al Jazeera. — Um braço estava amarrado ao para-brisa e o braço estava em seu abdômen. Eles passaram por nós. Eles se recusaram a nos dar o paciente.

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Na época, as Forças Armadas israelenses afirmaram que o homem, identificado como Mujahed Azmi, foi ferido durante um tiroteio, mas que os soldados violaram os protocolos ao levá-lo no alto do veículo, e que isso “não estava de acordo com os valores” dos militares do país. Declarações que foram questionadas pelos soldados ouvidos pelo Haaretz.

— Quando vi a reportagem da al-Jazeera, eu disse: “Ah, sim, é verdade" — disse ao Haaretz um soldado de combate de uma brigada que usou de moradores de Gaza como escudos humanos. — E então eu vi a resposta da IDF, que não reflete a realidade. É feita com o conhecimento do comandante da brigada, no mínimo. Eles sabem que não é um incidente único de um comandante de companhia jovem e estúpido que decide por conta própria levar alguém.

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Desde 2005, a Suprema Corte de Israel veta o uso de civis em operações de alto risco, que incluem atuar como escudos humanos. Mas como relatam os soldados, a ordem não era cumprida à risca desde então, especialmente após o início guerra em Gaza.

— Um dos comandantes virou-se para um dos soldados de combate que tentava receber respostas e disse-lhe: “Você não concorda que as vidas dos seus amigos são muito mais importantes do que as vidas deles? E não é melhor que nossos amigos vivam e não sejam explodidos por um dispositivo explosivo, e que eles sejam explodidos por um dispositivo explosivo?" — afirmou um soldado ao Haaretz, acrescentando que muitas vezes os civis eram mantidos algemados por dias. — A maioria [soldados] percebeu que havia um incidente problemático aqui e era difícil para eles processarem.

Em resposta às alegações do Haaretz, o porta-voz das Forças Armadas afirmou que as normas “proíbem o uso de civis de Gaza pegos em campo para missões militares que representem um risco deliberado às suas vidas”.

“As instruções e ordens da IDF sobre o assunto foram esclarecidas para as forças. Após o recebimento da solicitação, as alegações foram encaminhadas às autoridades relevantes para revisão", concluiu o comunicado.