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Modelo matemático pode proteger 'Capela Sistina da Pré-História' dos efeitos da crise climática; entenda

Imagens na caverna de Altamira, na Espanha, sofrerão deterioração nos próximos anos se não forem tomadas medidas contra o aumento das temperaturas externas

Agência O Globo - 09/08/2024
Modelo matemático pode proteger 'Capela Sistina da Pré-História' dos efeitos da crise climática; entenda

As imagens de bisões e veados e outras mais esquemáticas criadas por artistas do Paleolítico Superior na gruta de Altamira (norte da Espanha) podem se deteriorar nos próximos anos, de acordo com as previsões dos cientistas que trabalham na sua conservação. Estudos apontam que os desenhos, feitos há 35 mil anos, podem sofrer com o aumento das temperaturas exteriores e da concentração de CO2 no interior das cavernas.

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Um modelo matemático resultante de um estudo realizado por especialistas espanhóis e franceses pode ser uma ferramenta eficaz para a conservação da arte rupestre diante da ameaça do aquecimento global, o que se soma ao risco já representado pelas visitas aos santuários da pré-história.

O trabalho da equipe interdisciplinar composta por cientistas do Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN), do Instituto Geológico e Mineiro (IGME) e das universidades de Alicante, Almería e do Centro de Estudos Espaciais da Biosfera de Toulouse (CESBIO) pretende projetar cenários futuros de maior concentração de dióxido de carbono (CO2) na caverna de Altamira, reflexo do aumento do mesmo composto no exterior e principal causa da aumento das temperaturas na Terra.

Visitas restritas

Para Roberto Ontañón, diretor do Museu de Pré-história de Santander, “este modelo fornece a nós que gerenciamos a conservação da arte rupestre uma ferramenta que vai além das capacidades de nossos equipamentos de medição. Por exemplo, para determinar quantas pessoas podem entrar numa caverna sem perturbar o seu ambiente.” Atualmente, as visitas a Altamira estão restritas a cinco pessoas por semana, mas é muito provável que num futuro próximo até essa cota seja eliminada, da mesma forma que acontece com outras joias da arte paleolítica, como a caverna Lascaux, na França.

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Sobre a ameaça do aquecimento climático às pinturas e riquezas geológicas das cavernas, Ontañón afirma que o aumento do CO2 também faz com que a água que penetra nas cavidades por infiltração se torne mais corrosiva devido à maior acidificação.

As primeiras medidas que poderiam ser tomadas para proteger o ocre e o preto dos bisões e veados de Altamira seriam “proteger o exterior e o entorno da caverna e não modificar o solo externo, pois isso provoca o aumento de partículas que favorecem a dispersão de microrganismos no interior da caverna”, segundo Sergio Sánchez Moral, pesquisador do Departamento de Geologia do MNCN. Ontañón, por sua vez, acrescenta a necessidade de limitar a luz solar e a instalação de antecâmaras “para aprofundar as cavernas”. Porque uma solução a médio prazo é “isolar mais as cavernas”, diz ele.

Temperatura exterior

O aquecimento global também representa um desafio ao processo natural nas cavernas e galerias subterrâneas, onde as concentrações de CO2 dependem em grande parte das condições ambientais externas. E o desafio é ainda maior quando se trata de cavernas que preservam em suas paredes rochosas obras-primas da arte pré-histórica, já que as pinturas são as expressões da arte rupestre mais vulneráveis ​​aos riscos de corrosão. Além de Altamira, no subsolo da costa cantábrica escondem-se grutas com algumas das mais importantes pinturas do Paleolítico Superior, como El Castillo, La Pasiega ou Las Monedas, em Puente Viesgo, ou El Pendo, a poucos quilômetros de Santander.

“Entre 1996 e 2012 medimos e compilamos dados de temperatura e umidade do piso externo da caverna e os comparamos com aqueles obtidos também sobre temperatura e concentração de CO2 nas salas e galerias de Altamira. Com base nesses dados e com técnicas avançadas, os cientistas do CESBIO desenharam um modelo matemático que prevê a dinâmica da concentração de dióxido de carbono no interior da caverna”, explica Sergio Sánchez Moral.

O modelo também incorpora uma série de dados obtidos a partir de séries temporais de imagens de satélite, o que permitiu simular as variações na concentração de CO2 na chamada Capela Sistina da Arte Paleolítica sob diferentes condições climáticas e contrastar os resultados com dados reais.

Segundo Sánchez Moral, o estudo aborda não só a inter-relação entre clima, solo e rocha e o seu impacto nas condições ambientais da gruta, mas também o impacto causado pelas atividades humanas e os previsíveis efeitos da deterioração que resultará do aquecimento global.

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“Esta ferramenta nos fornece informações fundamentais sobre a interação entre o clima externo e o subsolo, que é a chave para manter a estabilidade ambiental da cavidade e, portanto, para conservar o valioso patrimônio cultural que ela guarda”, continua o pesquisador do Museu Nacional de Ciências Naturais, que destaca o sucesso de ser capaz de explicar um processo natural através de um padrão matemático abstrato.

Os pesquisadores espanhóis recolheram os dados de temperatura e concentração de CO2 durante os anos em que Altamira foi visitada por até mil pessoas diariamente e compararam com o comportamento destes parâmetros na gruta no seu estado natural obtidos nos anos subsequentes. Desta forma foi possível reconstruir o passado e medir o impacto da atividade humana na gruta, particularmente intensa durante o período 1950-1970.

Soledad Cuezva, geóloga também do MNCN, que participou no estudo, confirma que os resultados obtidos não deixam dúvidas sobre o enorme impacto do elevado fluxo de visitantes durante aquele período do século passado, quando as temperaturas exteriores também eram mais baixas.

“Isso fez com que uma grande quantidade de CO2 se acumulasse no seu interior, favorecendo processos de condensação na cobertura e a posterior corrosão da rocha que sustenta as pinturas, por isso foi fundamental tomar medidas para reduzir o impacto que as visitas estavam produzindo”, afirma Cuezva.

Ela destaca outro perigo ao ecossistema das cavernas na entrada e dispersão de microrganismos que não só atacam as pinturas, mas também “as espectaculares mineralizações que algumas delas albergam”, que por vezes se refletem em belos veios coloridos na rocha, que podem ser admirados em cavernas como El Castillo. Segundo a cientista, “este modelo matemático diz que não só haverá maiores concentrações de CO2, mas também um aumento na oscilação de máximos e mínimos, o que causará maior instabilidade e poderá resultar na intensificação, não só dos processos de corrosão das rochas, mas da precipitação mineral que recobre as pinturas.”

O estudo, portanto, utilizou uma técnica de modelagem global para reconstruir o passado e seus resultados permitem estabelecer medidas para continuar conservando o patrimônio cultural de Altamira que serão aplicáveis ​​a outras cavernas, antecipando mudanças no clima que modificarão previsivelmente suas condições ambientais.

Equações dinâmicas

O método de trabalho se baseou no desenvolvimento de equações dinâmicas que controlam a variabilidade temporal e espacial dos fluxos de troca de gases, energia e matéria entre o ambiente externo e o ambiente subterrâneo. Esta abordagem permitiu aos cientistas de Toulouse, liderados pelo matemático Sylvain Mangiarotti, desenhar o modelo que simula e analisa as interações entre estes fatores e leva em conta as influências internas e externas no microclima da caverna.

A formulação algébrica dos modelos obtidos confirmou que os principais impulsionadores do microclima da caverna são a temperatura externa, a umidade do solo-rocha e a atividade humana no interior. Cuezva garante que as condições ambientais de cada caverna são diferentes e o modelo obtido é adequado às previsões em Altamira, “mas o método seguido é aplicável a outras cavidades subterrâneas para lidar com as mesmas ameaças em outros santuários pré-históricos.”

Pesquisadores apontam que as pinturas rupestres são, em geral, o motivo que desperta o interesse da sociedade em conservar os ecossistemas cavernícolas, mas, além de sua importância cultural, as cavernas são ambientes nos quais sobrevivem espécies adaptadas a determinadas condições ambientais muito específicas e contendo formações geológicas, como estalactites e estalagmites, que nos permitem vislumbrar o clima do passado. “Proteger a biologia e a geologia destes espaços envolve o desenvolvimento de práticas de gestão sustentável”, conclui Cuezva.