Geral
Lia D Castro parte de atividade como trabalhadora do sexo para criar obras que pretendem traçar perfil dos clientes
Em parceria com clientes que atende, artista apresenta 36 trabalhos em sua primeira exposição solo em um museu, que fica em cartaz até novembro deste ano

Logo depois de se levantarem da cama, os clientes que procuram o ateliê de Lia D Castro em busca de sexo participam da produção de suas obras. Esses homens emprestam suas experiências à pintora, que, seguindo a orientação deles, transforma os dados coletados em imagens. Desses trabalhos, 36 estão expostos na primeira mostra individual da artista num museu, no Masp, em São Paulo, até 17 de novembro.
Com formação em artes, Lia, de 46 anos, afirma ter entrado no trabalho sexual sabendo bem o que queria. Em sete anos, calcula ter recebido cerca de 600 homens, com idade entre 18 e 25 anos, em seu ateliê (que é também sua casa).
Dinheiro ou depoimento
Caso retornem ao local, diz a eles ter interesse em ser remunerada não mais em dinheiro, mas por meio de depoimentos, que respondem a questões como: quando se descobriu cisgênero, heterossexual? E quando se viu como branco? As perguntas, ela afirma, têm por objetivo “investigar a nova geração de masculinidade branca”.
Lia D Castro envia então os relatos para psicólogos, que os avaliam clinicamente e produzem um texto. Os clientes leem o conteúdo e decidem como agir a partir dele.
— Por ser um trabalho compartilhado, os clientes participam do processo. Eles assinam e têm o esperma usado para fazer o fundo das telas — diz. — Meu trabalho, que se define pela parte técnica, não representa a masculinidade, mas apresenta como esses homens são e como querem ser retratados. Eles decidem no sentido corporal, se querem uma posição ou outra, por exemplo, se querem estar no meu colo.
Assim nascem obras como a que mostra um homem num sofá junto a uma mulher vestida toda em esparadrapos. Ou a de um cliente surfista, que acabava de chegar de viagem buscando curar a depressão, e cujos pés aparecem flutuando sobre um vaso de flores depois de um tempo se equilibrando apenas sobre uma prancha no mar de Miami. Eles aparecem sem rostos nas pinturas.
Os homens sempre participaram do processo criativo e das decisões acerca das obras, mas nem sempre tiveram acesso à assinatura delas (“Era tão colonizada que, se eu pintava, tinha que assinar”, lembra Lia D Castro). Tudo mudou quando um cliente chegou ao ateliê e viu o seu busto em uma tela. “Nossa, esse sou eu?”, perguntou, impressionado, recebendo um aceno positivo como resposta. “Ah, então eu assino”, concluiu.
Às cenas pintadas são incorporadas frases de intelectuais negros como Frantz Fanon, Toni Morrison e bell hooks, num exercício com intenção de influenciar o debate sobre racismo e outras formas de desigualdade:
— Meu maior medo é estar no museu e o trabalho se encaixar naquele clichê do erótico ou da mulher que pinta os seus amantes. Não é sobre isso — diz ela.
A exposição “Lia D Castro: em todo e nenhum lugar” faz parte de uma programação do Masp sobre diversidade LGBTQIA+.
A curadora Isabella Rjeille conta ter conhecido a artista em 2019, quando a pintora participou de uma visita guiada ao museu. A curadora assistente Glaucea Helena de Britto reforça a mudança de perspectiva de Lia D, de visitante a expositora:
— Geralmente, existe uma ideia preconcebida em relação às mulheres, pessoas negras, transexuais, trabalhadoras do sexo etc. Então essa exposição é um convite para se despir dessa retina colonial, e se propor a ver e acessar de modo íntimo esse outro universo — diz Glaucea.
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