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'Casamento às cegas', 'Soltos', 'Túnel do amor': por que reality shows de relacionamento fazem tanto sucesso
Segundo dados da Parrot Analytics, a quantidade de lançamentos globais deste tipo de programa, em 2023, foi 60% maior do que a média dos últimos dez anos

Uma parede separa moças e rapazes, todos solteiros. Eles não se veem, mas conseguem conversar. E as mulheres têm a primazia de escolher com qual pretendente gostariam de ter um encontro romântico e, quem sabe, até uma relação mais duradoura. Parece um reality show contemporâneo do streaming? Parece. Mas é uma cena de “Blind date” (“Encontro às cegas”, em tradução livre), programa da TV aberta americana que foi exibido pela primeira vez nos idos de 1949, há 75 anos.
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É ele que inaugura a era dos “namoros na TV”, um filão que nunca saiu de moda, mas que vem conquistando corações e mentes como nunca se viu, um fenômeno impulsionado pela crescente produção das plataformas de streaming. Os números dão mostras de como o amor está no ar. Segundo estudo da empresa americana de dados de entretenimento Parrot Analytics, obtido com exclusividade pelo GLOBO, a quantidade de lançamentos globais em 2023 foi 60% maior do que a média dos últimos dez anos.
Há programas de todo tipo: para gays se enturmarem, para resolver problemas com a sogra, para ajudar os pais a encontrar um par romântico, para arriscar se casar com alguém às cegas, para testar os limites da fidelidade. E com formatos dos mais variados: com solteiros convivendo dentro de uma casa, ou presos numa ilha, ou vivendo num mesmo ambiente mas com tarefas a realizar, como administrar um negócio enquanto busca encontrar a alma gêmea. Uns parecem puro experimento social; outros são entretenimento escrachado; e há ainda aqueles que misturam fórmulas de reality shows e atiram para vários lados.
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Casais cisgênero heterossexuais, portanto, não são mais os únicos retratados nas telas, e até sociedades mais conservadoras, como a japonesa, que não reconhece legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dão espaço para o amor LGBTQIAP+. “O namorado”, que estreou no dia 9 na Netflix, é o primeiro reality de namoro gay do país. Spoiler: há um brasileiro entre os rapazes, que vão morar juntos numa casa de praia e precisam administrar também juntos um café instalado num trailer — e viver da renda obtida com o negócio.
Jovens sarados não são mesmo mais os únicos candidatos à felicidade. O Globoplay está produzindo uma atração em que pais e mães solteiros terão a ajuda dos filhos para achar um namorado. No caso de “Match das estrelas”, do Prime Video, é a astrologia que guia os encontros Jovens sarados não são mesmo mais os únicos candidatos à felicidade. O Globoplay está produzindo uma atração em que pais e mães solteiros terão a ajuda dos filhos para achar um namorado. No caso de “Match das estrelas”, do Prime Video, é a astrologia que guia os encontros (o participante marca encontros com quatro pretendentes e precisa escolher se vai seguir o coração ou as dicas do mapa astral).
No caso de “É amor ou falsidade?”, da Netflix Itália, o uso de inteligência artificial é parte essencial da dinâmica: uma tecnologia de deepfake cria cenas para testar a fidelidade de cinco casais, que são separados em dois grupos e devem conviver com solteiros em festinhas regadas a álcool, naquele esquema de “gente bonita, clima de paquera”. Depois, ao assistirem vídeos do cônjuge com outros, os participantes precisam decidir se o que estão vendo é fato ou fake (ou seja, se é mesmo o seu amado que está ali, naquela cena caliente com outra pessoa).
A bancária Dayanne Feitosa já esteve dos dois lados da telinha. Ela conta que costuma ver todos os reality shows do gênero que pode. Talvez por isso não tenha o convite para participar da primeira temporada de “Casamento às cegas Brasil” (Netflix), em 2021.
—Já assistia à versão estrangeira (“Love is blind”) — diz Dayanne, que, no programa, chegou a aceitar o pedido de casamento de um participante, Rodrigo Vaisemberg, mas não consumou a união e, atualmente, namora uma mulher. —Se for reality show de relacionamento, vou estar lá sentadinha para ver. Antes, assistia para desopilar. Hoje, eles me fazem pensar um pouco.
Polêmica e acusações
Misturar pessoas diferentes num ambiente com o propósito de despertar a paixão e incentivar um relacionamento pode ter desdobramentos imprevisíveis. Para o bem e para o mal. No último dia 10, o mesmo programa “Casamento às cegas Brasil” virou assunto dominante nas redes sociais por ter exibido um relato de estupro marital. Sem nenhum alerta antes do início do episódio, a audiência assistiu a uma das participantes dizer que o casamento promovido pelo programa terminou porque ela era rotineiramente abusada enquanto dormia. Foi uma avalanche de críticas, da falta de aviso sobre possíveis gatilhos à espetacularização da dor e da prática criminosa. A Netflix e a Endemol Shine, produtora do programa, se limitaram a dizer que “repudiam veementemente qualquer tipo de violência”. As empresas não responderam às perguntas da reportagem.
— Relações heteronormativas, machismo, abuso, abandono, todas essas questões que você escuta na roda de amigos, de repente, aparecem na televisão — diz Dayanne. — Todo mundo me pergunta se (as histórias do programa) são verdadeiras e, por mais que essa dúvida exista, você assiste a pessoas passando por situações que também já passou.
Consumidora e apresentadora de produções do tipo, Sabrina Sato já viu e ouviu um bocado de relatos. Ela diz que cada um deles ajuda a derrubar ideias preconcebidas de relacionamento:
— Já testemunhei casos que se desdobraram além da falsa ideia de “contos de fadas” —diz Sabrina, que apresentou “Let love” em novembro, juntamente com o ex-namorado João Vicente de Castro, para o Multishow/Globoplay. — Essas relações refletem complexidades e belezas humanas.
Desde que a Humanidade começou a fazer arte, o amor é um tema recorrente, mas por que agora relacionamentos despertam tantas paixões na audiência? A psicanalista Carol Tilkian, colunista da rádio CBN, tem um palpite:
— Todo mundo quer ser feliz no amor, e as narrativas hollywoodianas da ficção parecem cada vez menos possíveis. Colocar a experiência de um encontro dentro de uma lógica de game traz um apelo forte nos dias de hoje.
Essa gameficação, diz Carol, pode aparecer de forma mais ou menos romantizada. E, de fato, um filão de muito sucesso no Brasil são os reality de “pegação”, “inaugurado” no Brasil em 2016 com o “De férias com o ex” (MTV/Paramount+), com um nome autoexplicativo. Segundo Glauco Sabino, gerente criativo do Amazon MGM Studios no Brasil, a franquia “Soltos”, que desde 2020 já teve temporadas em Florianópolis e Salvador e em breve terá no Rio, é a de maior sucesso na plataforma. Na atração, jovens de várias orientações sexuais são convidados para “viver as melhores férias de suas vidas”. Já no Globoplay o hit é “Túnel do amor”, cuja terceira temporada entrou no ar em junho. No programa, duplas de amigos são divididas em duas casas, ligadas por um túnel, e precisam escolher um namoro perfeito um para o outro — fazendo vários test drive.
— Atualmente, “Túnel do amor” é considerado um dos maiores sucessos do Globoplay, com mais de dez milhões de horas consumidas, e também foi um destaque no Multishow— diz Tatiana Costa, diretora de gestão de conteúdo de produtos digitais e canais pagos do Grupo Globo.
Nos dois programas, há a tática de chamar celebridades e influenciadores para participar ou comentar as “tretas” e “saliências” do que acontece na tela da TV, a fim de aumentar o engajamento do público. No entanto, este não é o único sinal dos tempos.
— Esses tipo de produção pegam clichês do nosso imaginário romântico e atualizam com comportamento contemporâneos, tipo “hoje quero ficar com mais de uma pessoa” — diz Carol Tilkian. — Não desistimos do amor, pelo contrário. Queremos muito esse sentimento, mas adaptamos essa ideia em tempos de OpenAI e ChatGPT, em que queremos respostas em poucos minutos.
Para “casar” ou para “pegar”, essas produções, acreditam psicanalistas, trazem algum alento para quem acha que a vida atrás da tela anda complicada.
—Estamos com bastante dificuldade em nos relacionar e manter os laços — diz o psicanalista André Alves, fundador da Floatvibes, instituto de estudos culturais e pesquisa comportamental. —Nesse sentido, esses programas dão uma esperança de que é possível encontrar alguém e estar numa relação que vá trazer bons frutos. Só que, nesses produtos, vemos algo distorcido. É uma artificialidade que parece autêntica, gostamos de acreditar que é verdade.
É como se houvesse um pacto: a audiência sabe que aquilo é editado — e, de alguma forma, roteirizado — para funcionar na lógica da TV. Ainda assim, toma o que vê como a mais pura verdade.
— Vivemos num país em que as pessoas já bateram em atriz que fez vilã em novela — diz Eloy Vieira, professor da pós-graduação em comunicação da Universidade Federal do Sergipe e pesquisador do formato. — Se existe isso com o que sabemos ser ficção, imagina com um programa de nome reality show?
A psicóloga Luana Braga, outra participante da primeira temporada de “Casamento às cegas Brasil”, garante que tudo é real. Sua paixão por Lissio Fiod foi verdadeira, assim como o casamento e a relação que eles mantiveram por dois anos. O problema, para ela, é que a audiência projeta nas pessoas do programa o que queriam para si mesma.
— A identificação do público comigo foi muito grande, queriam continuação, ficar assistindo (pelas redes sociais) — conta. — Quando anunciamos a separação, as reações começaram.
Uma porção de fãs deixou de segui-la. E outros tantos que começam a assistir ao programa hoje, passam a acompanhá-la e descobrem que ela se separou, muitas vezes cortam laços virtuais também.
—Depositavam esperança na gente. Sempre abordo isso nas minhas redes: há muita projeção envolvida nesses programas.
Futuros amantes
Para pais e filhos, ainda em produção (Globoplay): ainda sem nome oficial, formato vai juntar pais e mães solteiros que procuram um par — e quem vai ajudá-los são os filhos. A Formata, que produz a atração, está fazendo a seleção de participantes por todo o Brasil.
Ilhados com a sogra (Netflix): as gravações da segunda temporada do reality, que testa os limites entre a relação conjugal e familiar, já terminaram e a plataforma garante estreia em breve. O formato foi criado no Brasil e a apresentação é de Fernanda Souza.
Ilha da tentação: Brasil (Prime video): o casal Flávia Alessandra e Otaviano Costa comandam a atração, gravada no México. Nela, quatro casais são separados em duas vilas, onde aparecem diversos solteiros atraentes para testar a solidez dos relacionamentos. A estreia está marcada para este semestre.
O ultimato: Ou casa ou vaza (Netflix): o programa reúne casais em que um está pronto para subir ao altar, enquanto o outro tem dúvidas. Em oito semanas, eles precisam decidir que caminho seguir. A segunda temporada está programada para dezembro. A versão “Queer love”, com mulheres e pessoas não binárias, também ganha segunda temporada este ano.
Soltos (Prime Video): a quinta temporada foi filmada no Rio e em Salvador, no carnaval, e a promessa da plataforma é lançá-la em breve.
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