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Aos 70 anos, Cyndi Lauper prepara turnê de despedida sem abrir mão de sua essência
Uma das atrações do Palco Mundo, no Rock in Rio 2024, cantora nova-iorquina também é tema de documentário

Numa tarde de sexta-feira de maio, Cyndi Lauper saiu de seu prédio no Upper West Side e foi para as ruas da cidade de Nova York. Ela usava óculos incrustados de glitter, tênis com sola de arco-íris e uma pilha de pulseiras de contas em cada braço. Uma sombrinha de papel de arroz balançava em sua mão. Enquanto caminhava, ela examinava a multidão e notava quando lampejos de interesse atraíam sua atenção.
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“Claro, aqui é um inferno da moda”, ela disse sobre sua vizinhança elegante. E ainda assim, a cada poucos quarteirões, ela ficava atenta ao olhar de outra mulher, seu famoso sotaque de "New Yawk" (como os nova-iorquinos foneticamente pronunciam o nome da cidade) delirando de prazer com o que via:
— Olhe para essas senhoras; não são fofas? Você amou essas calças? Eu meio que amei aquelas calças.
“Olhe para esta senhora”, disse ela, saindo do meio-fio e avistando uma transeunte. A mulher se movia com agilidade, mechas vermelho-tomate em seus cabelos prateados, corpo envolto em tons de fúcsia e cereja enquanto empurrava a estrutura de metal brilhante de um andador. “Fabuloso”, exclamou a cantora.
Aos 70 anos, o ícone pop e ativista não está apenas voltando às ruas. Em 3 de junho, Cyndi Lauper anunciou sua última turnê, a "Girls Just Wanna Have Fun Farewell Tour", que terá suas principais arenas em toda a América do Norte do final de outubro ao início de dezembro. (Em 20 setembro, ela subirá ao Palco Mundo com o show da turnê, no dia inteiramente dedicado às mulheres, com Katy Perry como headliner). E “Let the canary sing”, um documentário sobre sua vida e carreira que estreou no Tribeca Festival no ano passado, e entrou no catálogo do Paramount +.
Cyndi Lauper não realiza uma grande turnê – “Uma turnê de verdade, essa é minha” – há mais de uma década. Mas agora sua janela de oportunidade está se fechando, então ela está aproveitando:
— Acho que não conseguirei ter o desempenho que desejo em alguns anos. Eu quero ser forte.
E até recentemente, quando ela finalmente concordou em trabalhar com a diretora Alison Ellwood, ela não conseguia imaginar a história de sua vida filmada.
— Não ia fazer um documentário porque não estou morta — disse ela, para quem sua essência está no clipe de "Girls just want to have fun”, de 1983. — Tudo o que eu queria que eles (seus fãs) entendessem estava naquele vídeo.
Ela tem muitas pessoas que a entendem: o clipe foi visto no YouTube mais de 1 bilhão de vezes. Quarenta anos depois, ela o defende como uma tese, chave para decodificar a sua perspectiva artística e compreender tudo o que se seguiu.
Inspiração nos Beatles e Yoko Ono
Nascida no Brooklyn, criada no Queens, Cyndi andava pela casa ao som das músicas dos Beatles, com sua irmã mais velha, Elen, cantando os trechoes de Paul McCartney e ela, os de John Lennon. Foi sua primeira lição de harmonia e estrutura musical. Mas quando ela saiu de casa, aos 17 anos, estava com um exemplar do livro de arte conceitual feminista de Yoko Ono, “Grapefruit”, nas mãos.
Ono ensinou a ela que “Você pode criar arte em sua cabeça e então ver as coisas de maneira diferente". Essa atitude lhe serviu bem quando ela tentou (e muitas vezes falhou) trabalhar como pintora, vendedora de sapatos, garçonete do IHOP e cantora em uma banda cover.
Cantando músicas de outras pessoas em clubes e bares de Long Island, Lauper lutou para encontrar seu lugar. Ela tentou canalizar Janis Joplin, mas "Estava presa dentro do corpo dela e ela não gostou e eu também não gostei", conta. Ela tentou soar como Gene Pitney, e "acabou soando como Ethel Merman". Depois de um tempo, "você começa a sentir que não é bom o suficiente".
Na verdade, ela não era boa em ser outra pessoa além de Cyndi Lauper. Quando começou a escrever e fazer arranjos para si mesma, “com histórias que conhecia sobre as mulheres que conhecia", eles a guiaram de volta aos ritmos de sua própria vida, mesmo que, no início, poucos estivessem interessados em ouvir.
O título do documentário é uma frase retirada de um drama de tribunal da vida real: No início, a carreira de Lauper se envolveu nas ambições de um ex-empresário, que a processou para manter o controle de sua música. Ela afundou na falência tentando escapar dele. Quando o juiz ficou do lado de Lauper, ele bateu o martelo e disse: "Deixe o canário cantar" (em tradução livre).
A MTV ainda estava em sua infância em 1983, quando o álbum de estreia de Cindy, "She's so unusual”, foi lançado. Ela via sua imagem pública como uma forma de arte visual. A cantora parecia alcançar a fama como um ícone feminista totalmente formado. Ela se recusou a dizer sua idade aos entrevistadores (“Eu não sou um carro”, disse na época) e insistiu que eles reconhecessem a política por trás de suas escolhas estéticas. Ela apareceu na capa da revista feminista "Ms." e gravou a música “True colors”, de 1986, após a morte de um amigo por Aids.
— Sei que provavelmente perdi oportunidades porque falei muito sobre a Aids. Mas eu deveria me defender como qualquer bom italiano e defender minha família, sabe?
Em 2008, ela fundou a True Colors United para ajudar a combater a falta de moradia entre os jovens LGBTQIAP+. E em 2022, ela criou o fundo Girls Just Want to Have Fundamental Rights para apoiar o acesso ao aborto e outros movimentos de justiça reprodutiva.
Em 1985, Cyndi ganhou o Grammy de melhor artista revelação após o lançamento de “She’s so unusual”. O álbum – e músicas como “Time after time” e “All through the night” – quebrou recordes. Mas algo estranho estava acontecendo. Ela olhou em volta e viu versões de si mesma por toda parte. E foi acusada de ser um produto.
— Não, fui eu. Eu que me vesti assim. Essa era a minha comunidade. Eu tenho um cérebro — comentou.
Nos anos 1980, Cyndi foi comparada tão intimamente a outras artistas que ficou implícito que não havia espaço para todas elas. Ela foi confrontada com outras mulheres – principalmente Madonna, que lançou seu álbum de estreia no mesmo ano. Em programas de bate-papo e em pátios de escolas (e até mesmo no single beneficente “We are the World”), celebridades e fãs foram convidados a escolher uma delas. “Era como maçãs e laranjas”, disse Lauper.
Ela gravou mais 11 álbuns após sua estreia – entre eles um disco de blues, um disco country e um disco dance. No início dos anos 2000, foi à Broadway, estrelando “The Threepenny Opera” e escrevendo a música e a letra do musical “Kinky Boots”.
Preparação para a turnê
Para se preparar para a turnê, ela liga o aparelho de som de seu apartamento, dança e canta, irritando os seus pugs. Ela trabalha com um treinador vocal quatro dias por semana. E treina como se fosse um esporte. Sua rotina semanal de exercícios inclui fisioterapia, musculação, alongamento, fisioterapia, musculação, ioga, mais pesos, ioga, aeróbica, fisioterapia, musculação novamente. Ela está comendo saladas enormes que a fazem se sentir como um cavalo.
— Quando você canta, tem que ser um atleta. Não pode fazer merda por aí. Quando tem 20 anos, sim. Mas depois de envelhecer? Não.
À medida que a turnê se aproxima, ela sonha acordada com “todas as coisas malucas que tentei e que não funcionaram” ao de sua carreira. O vestido preto com asas de borboleta que ela deveria revelar ao sair do casulo. A parte em que ela deveria se transformar atrás de uma tela iluminada como um antigo personagem de desenho animado. Uma espécie de saia mecânica que lembrava um globo, girando-a lentamente enquanto ela cantava.
Cyndi não tem certeza do que fará desta vez. Quaisquer que sejam as mudanças, uma certeza permanece para ela: "Que diabo quer que eu seja é o diabo que eu sou”.
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