Economia

Planos de saúde: após acordo para fim dos cancelamentos, entenda o que as operadoras esperam para restabelecer contratos

Nos últimos meses, tem ocorrido um aumento no número de reclamações de usuários que perderam a assistência médica por decisões exclusivas das empresas

Agência O Globo - 29/05/2024
Planos de saúde: após acordo para fim dos cancelamentos, entenda o que as operadoras esperam para restabelecer contratos
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou nesta terça-feira (dia 28) que fechou um acordo com operadoras de planos de saúde para que elas suspendam cancelamentos unilaterais de contratos recentes de usuários em tratamento. Nos últimos meses, aumentaram as queixas referentes a rescisões anunciadas pelas operadoras e que afetam usuários com doenças como câncer ou com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Leia também: Senacon notifica 18 operadoras de planos de saúde e associações do setor para explicarem cancelamentos unilaterais de contratos

Número de usuários de planos odontológicos dispara 66% em dez anos, e clínicas populares se espalham. Veja o que oferecem

Lira afirmou ao blog da colunista do GLOBO Míriam Leitão que as empresas firmaram compromisso de não suspender contratos enquanto se discute uma saída legislativa para o setor. O acerto foi firmado em reunião que contou também com a presença do deputado Duarte Jr. (PSB-MA), relator do projeto da nova lei dos planos de saúde, além de representantes de empresas como Unimed, Amil, Bradesco Saúde, SulAmérica, associações do setor e Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O acerto foi firmado também após mobilização na Câmara por uma CPI dos planos de saúde, hipótese que perdeu força, mas ainda não está descartada.

— Eles fizeram um gesto, no caso da Unimed, de suspender (o cancelamento de planos). No caso da Amil é mais complicado: estavam querendo cancelar 70 mil vidas (contratos), 35 mil eles suspenderam (rescisões que ainda seriam feitas), e das outras 35 mil que já foram canceladas, eles devem reativar em torno de 5 mil. As mais graves, ou seja, aquelas que estão com tratamento crônico, com tratamento de câncer, com gente internada em tratamento não serão canceladas, serão suspensos os cancelamentos — disse Lira.

Não está definido a partir de qual data contratos que poderão ser reativados. Na reunião de ontem, as operadoras ficaram de apresentar propostas, e Lira se comprometeu a ouvir outros agentes do setor para abrir um debate sobre a saúde suplementar. Entre os temas, deve ser discutido o Transtorno do Espectro Autista.

— A ideia é fazer uma proposta legislativa que tenha a possibilidade de inovar, como foi feito em 1988. Quando houve a transição para esse modelo, os (contratos) anteriores, que já eram adeptos dos planos, não foram obrigados a migrar. Então você pode ajustar a uma realidade mais atual, sem obrigar ninguém a migrar e vai vendo como é que vai compensando — afirmou Lira.,

Tratamento interompido

Nos últimos meses aumentaram casos como os da família de Daniel Simões. Aos 9 anos, ele faz uma série de tratamentos por conta do quadro de paralisia cerebral e transtorno do espectro autista (TEA). Semanalmente, são sessões de fisioterapia respiratória e motora, psicomotricidade e fonoaudiologia, entre outros. Mas quando o menino começou a dar sinais de avanço, o plano foi cortado pela Unimed.

A mãe dele, a fisioterapeuta Fabiane Simão, 45, conta que foi notificada no início de novembro passado pela Qualicorp. A administradora do contrato coletivo por adesão informou que a partir de dezembro a Unimed cancelaria o plano da criança porque a carteira deixaria de ser atendida.

A família levou o caso à Justiça, que decidiu pela proibição da suspensão da cobertura. Ainda assim, o contrato foi cancelado pela Unimed. As mensalidades de R$ 400, no entanto, continuam chegando e sendo pagas.

– Ele passou mal na semana passada e tive que recorrer a uma UPA. Daniel só se alimentava por sonda, mas com o acompanhamento multidisciplinar, estava no processo de adaptação para alimentação oral. Sem as terapias, ele regrediu muito.

E mais: Usuários da Unimed-Rio transferidos para Unimed Ferj têm dificuldades para obter boleto de mensalidade

Cenário parecido é enfrentado pela família do barbeiro Francisnei Brito Vieira, 61. Desde 2018, ele está acamado em meio às sequelas neurológicas de uma cirurgia para retirada de um tumor nas amígdalas.

A filha dele, a analisa de TI Lídia Vieira, 37, conta que entrou em contato com a Amil no último dia 22 para informar que a família mudaria de endereço. Pela ligação, foi comunicada que o plano do pai – também coletivo por adesão – seria cortado em nove dias, a partir do dia 31. Lídia diz que a família não recebeu nenhuma notificação formal, seja por e-mail ou correspondência.

– Também não nos deram nenhuma justificativa. Estamos com todo o pagamento em dia. A mensalidade é de mais de R$ 2,3 mil – afirma.

Em nota, a Qualicorp afirmou que decisão de cancelamento do plano de Daniel não partiu da empresa. A administradora informou que foi notificada pela Unimed Rio e enviou a carta de cancelamento “cumprindo o prazo de 30 dias de antecedência, de acordo com contrato”, que foi reativado. Procurada pelo EXTRA, a Unimed afirmou que “está atuando na apuração do caso”.

A Amil afirmou que o plano de Francisnei permanece ativo e não será cancelado no dia 31.

Aumento: Reajuste dos plano de saúde individuais deve ser de 7% neste ano

Sem cobertura, a saída para muitos usuários têm sido buscar a Justiça. No Vilhena Silva Advogados, especializado em direito à saúde, o volume de ações do tipo praticamente dobrou desde o ano passado, principalmente envolvendo contratos coletivos por adesão, segundo o sócio Rafael Robba.

Ele lembra ainda que, pelas regras da ANS, o cancelamento de contrato coletivo pela operadora só pode acontecer se for comunicado num prazo de 60 dias. Ele também explica que a agência reguladora não prevê nenhuma proibição de suspensão em caso de tratamento, mas o Superior Tribunal de Justiça já deu decisões favoráveis ao usuário nesse sentido

– O que existe na Lei dos Planos de Saúde é a proibição do cancelamento se o titular está internado. Mas como muitos casos vão para a Justiça, já se firmou um entendimento de que o plano não pode ser cancelado em meio a tratamento que garanta a sobrevivência ou integridade física do usuário – afirma.

Promessa de empresas

Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar, representante de operadoras, diz que as empresas também se comprometeram a manter os planos coletivos por adesão vigentes. E que a reunião abordou problemas que afetam a sustentabilidade dos planos, como a aprovação da lei que passou a considerar exemplificativo o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A mudança significou que as empresas podem ter de arcar com procedimentos fora da lista prevista pela agência. Mencionam ainda o estabelecimento de coberturas ilimitadas para terapias e a ocorrência de fraudes.

Segundo Lira, as demandas do setor devem ser entregues em um prazo curto, embora não haja data para que as medidas sejam tomadas. De acordo com Duarte Jr., ficou acordado na reunião que os planos não impedirão a adesão de idosos, crianças com necessidades especiais e pessoas com doenças graves. O deputado disse que os planos esperavam suspender até 40 mil contratos nos próximos meses.

Só nos quatro primeiros meses deste ano, a ANS recebeu 5.888 reclamações sobre rescisões unilaterais de contratos. O número representa alta de 31% em relação às queixas registradas em igual período do ano passado. Na semana passada, a Secretaria Nacional do Consumidor notificou 16 operadoras e quatro associações a prestarem esclarecimentos sobre o cancelamento unilateral dos contratos.