Internacional
Morte de Ebrahim Raisi embaralha planos de sucessão 'tranquila' do líder supremo do Irã, Ali Khamenei
Presidente morto no domingo era um dos favoritos para o cargo, mas filho do aiatolá, também na disputa, enfrenta acusações de nepotismo e questões sobre credenciais clericais
A morte do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, na queda de um helicóptero com outras oito pessoas — incluindo o chanceler Hossein Amirabdollahian — impacta o sistema político do país para além de quem será escolhido para substituí-lo em eleições marcadas para 29 de junho. Mais importante, sua ausência embaralha os planos de sucessão "tranquila" do líder supremo, Ali Khamenei, que no domingo, quando as buscas pela aeronave ainda estavam em andamento, prometeu estabilidade e recomendou que “a nação iraniana não deveria estar ansiosa ou preocupada: não haverá nenhuma interrupção no trabalho do país".
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Aos 85 anos, a saúde de Khamenei inspira cuidados, e o veterano aiatolá e ex-presidente costura há algum tempo sua sucessão ao cargo, que assumiu em 1989. A começar pelo processo de eliminação de potenciais dissidentes, como fez no final dos anos 1990, ao ordenar a prisão do aiatolá Ali Montazeri, que chegou a ser cogitado como sucessor do fundador da República Islâmica, Ruhollah Khomeini. Nas décadas seguintes, clérigos de vários níveis de importância foram perseguidos e presos por fazerem críticas a Khamenei.
Para analistas, além de calar vozes dissonantes, Khamenei sinalizava que queria tomar as rédeas da sucessão — a tarefa de escolher o líder supremo é da Assembleia dos Especialistas, eleita pelas urnas, mas os candidatos às 88 vagas no órgão podem ser vetados indiretamente a mando do próprio Khamenei, que não tem essa atribuição dentro do sistema, mas pode fazê-lo se quiser..
Até a queda do helicóptero por falhas técnicas, segundo a mídia local, o cenário pós-Khamenei parecia razoavelmente definido, com dois nomes apontados como favoritos. O primeiro era Raisi, um presidente impopular, considerado incompetente na economia e gestão pública, e cujos maiores feitos incluem a repressão a protestos, o crescente número de execuções de presos políticos e uma guinada conservadora simbolizada pela repressão a mulheres sem hijab.
Mas Raisi era considerado perfeito para Khamenei e para as outras forças que ditam os rumos do país, como a Guarda Revolucionária: um presidente que seguia ordens, defendia com unhas e dentes a repressão estatal, representava razoavelmente os interesses do Irã no exterior e agia como escudo para as críticas ao Estado.
“As mesmas qualidades que provavelmente fizeram Raisi parecer uma escolha segura para a Presidência também fizeram dele um principal candidato à sucessão de Khamenei como líder supremo”, escreveu o jornalista e analista político Arash Azizi em artigo para o site The Atlantic. “Até agora, muitos clérigos que [não partilhavam a política linha-dura de Khamenei] morreram ou foram politicamente marginalizados, deixando o campo aberto a Raisi.”
Nepotismo à iraniana
Além de Raisi, havia outro favorito: o filho de Ali Khamenei, Mojtaba, de 65 anos. Em março, uma pesquisa do serviço persa da BBC com analistas iranianos o colocava à frente na disputa. Integrante da elite religiosa, veterano da Guerra Irã-Iraque e ligado à milícia paramilitar Basij, Mojtaba é professor no principal seminário do país, em Qom, e tem boas relações com o aparato de segurança, incluindo a Guarda Revolucionária.
Mas nem toda a influência conseguiu dissipar o maior “porém” à sua candidatura: Mojtaba é filho de Khamenei, e o atual líder supremo disse no passado que o nepotismo se assemelha a “ditaduras” e a “monarquias”, e é algo “não islâmico”. Até Khomeini já havia criticado o caráter hereditário do trono iraniano, em especial da dinastia Pahlevi.
— O islã não reconhece a monarquia e a sucessão hereditária. O único monarca real é Alá — disse Khomeini durante sermão em Najaf (Iraque), em fevereiro de 1970.
Em março, o aiatolá Mahmoud Mohammadi Araghi, que integra a Assembleia dos Especialistas, denunciou que Khamenei teria vetado uma investigação do órgão sobre a questão da hereditariedade.
— Em outra ocasião, quando eles (Assembleia dos Especialistas) buscaram permissão do líder para investigar uma pessoa ligada a ele, ele respondeu “não, vamos riscar esse assunto” — disse Araghi ao site Nour News.
Além das objeções familiares, as credenciais religiosas de Mojtaba, que não é aiatolá, são vistas com restrições. Mas a opção por ele pode estar mais perto do que gostariam seus críticos. Nas novas eleições marcadas para 29 de junho, um velho conhecido de votações passadas deve estar nas cédulas: Mohammad Baqer Qalibaf, ex-presidente do Parlamento, próximo da linha-dura e com bom trânsito junto à Guarda Revolucionária.
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Embora Qalibaf tenha muitos inimigos dentro do sistema, e seja visto como “excessivamente tecnocrata”, Azizi aponta que entre seus aliados há muitos que também são simpáticos à ideia de Mojtaba ser o líder supremo. E um episódio da última sucessão pode dar pistas sobre o futuro.
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Em 1989, logo após a morte de Khomeini, quando o Irã ainda se recuperava da brutal guerra contra o Iraque, o então presidente do Parlamento, Hashemi Rafsanjani, pressionou a elite política para aceitar o nome de Ali Khamenei como líder supremo. O hoje aiatolá não tinha as credenciais religiosas exigidas, mas Rafsanjani, agiu para "flexibilizar" as regras em troca de um acordo não escrito que lhe daria mais poderes quando fosse presidente, o que aconteceu naquele mesmo ano.
Nesse sentido, um pacto entre Mojtaba e Qalibaf pode ser costurado, mas o desfecho do acordo Rafsanjani-Khamenei precisa ser levado em conta. Depois de passar o poder ao reformista Mohammad Khatami, em 1997, Rafsanjani passou a ser afastado do núcleo do poder, um processo que chegou ao ápice em 2009, após suas críticas à repressão nos protestos contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad. Sua morte, em 2017, foi considerada "suspeita" por sua família.
'Azarão' na disputa
Sem Raisi no páreo, e com Mojtaba em xeque, um “azarão” pode entrar na disputa. Alireza Arafi, de 67 anos, foi eleito para a Assembleia dos Especialistas em março, recebeu elogios de Khamenei — foi chamado de “jurista original, intelectual e com recursos” — e é visto como um defensor da tecnologia para romper com a “monotonia clerical”, embora isso não se traduza em visões progressistas.
“A única falha em seu currículo é a cor de seu turbante, que ao contrário de Khomeini e de Khamenei, não é preto. Os turbantes pretos são usados pelos ‘sayyids’, que dizem ser descendentes do profeta Maomé e do imã Ali, o primeiro Imã xiita”, escreveu, em artigo para o Centro Stimson, o analista político Shahir Sahidsaless. “Contudo, vale notar que Hossein Ali Montazeri, indicado como sucessor de Khomeini, também usava um turbante branco.”
Há um outro fator a ser observado: até que ponto o aparato de segurança terá o país sob controle. Protestos como os de 2022, após a morte de Mahsa Amini, foram duramente reprimidos, com centenas de mortes e milhares de prisões, e os fogos de artifício nos céus de algumas cidades após o anúncio da morte de Raisi mostraram que há muitos descontentes. Com condições econômicas deterioradas, regras sociais estritas, prisões recorrentes e cada vez menos representatividade política, Khamenei não tem tantas garantias de uma sucessão sem percalços.
Um exemplo não violento da desconexão entre o povo e o poder foi vista há cerca de duas semanas, no segundo turno das eleições legislativas: em algumas áreas, como Teerã, o comparecimento às urnas foi de 10%. Mesmo que candidatos minimanente moderados (ou menos radicais) sejam liberados para concorrer, o que não deve acontecer, a participação dos eleitores não deve ser maciça.
— A República Islâmica realmente está mais preocupada em manter a conformidade no topo do que garantir a legitimidade na parte de baixo — disse Ali Vaez ao New York Times, sugerindo que a eleição presidencial de junho deve, assim como a de 2021, ter apenas candidatos alinhados a Khamenei. — Tudo que o governo quer agora é uma transição tranquila para o próximo líder supremo.
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