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‘Se eu compro muitas vacinas, a população não vem vacinar’, diz CEO do Grupo Sabin
A bioquímica Lídia Abdalla garante que a segunda dose do imunizante contra a dengue está garantido que, após a pandemia, o Brasil está mais preparado

Na visão da presidente-executiva do Grupo Sabin, Lídia Abdalla, a Inteligência Artificial (IA) “não vem para substituir todo o trabalho humano na saúde”, mas deve assumir tarefas que são executadas melhor por máquinas.
Em entrevista ao GLOBO, a CEO da empresa e bioquímica formada pela Universidade Federal de Ouro Preto afirmou que o movimento antivacina está afetando o mercado laboratorial. Veja os melhores momentos.
O país vive uma epidemia histórica de dengue. Houve atraso na produção da vacina contra essa doença?
Eu não digo atraso porque tem uma questão de prioridades para a indústria. Por exemplo, os pesquisadores estão desenvolvendo um teste novo para identificar um tipo de tumor, e aí de repente aparece a Covid que eles não estavam esperando, e tem que investir nisso. A indústria funciona assim. A produção de vacinas é um pouco diferente porque demanda tempo, são processos longos de fabricação. Não se produz vacina em alguns meses. A indústria sabe que todo ano tem dengue, mas foi desviada nesses últimos anos pela Covid.
Devemos nos acostumar a essa alta? É o ‘novo normal’?
Talvez não seja com a intensidade que foi neste ano. Eu acredito que já vamos ter uma parte da população imunizada, então devemos ter menos casos nos próximos anos. Além disso, acho que o cenário que estamos presenciando levará à população a se prevenir melhor e ter mais cuidados mais para frente. Mas sim, temos o risco de seguir tendo surtos semelhantes.
A empresa fornecedora da vacina tem uma baixa capacidade de produção. Diante do cenário, o Sabin e outros laboratórios que estavam fornecendo o imunizante precisaram suspender a aplicação da primeira dose. Há risco de a segunda dose não ser garantida?
No Sabin, começamos a comercializar a vacina em janeiro e a procura estava muito alta, em 15 dias, aplicamos 10 mil doses, foi acabando rápido. De repente veio o comunicado da Takeda (empresa fabricante) de que não poderia fornecer mais. Nós paramos de vender a primeira dose. E seguramos o que tínhamos de estoque para a segunda dose. A Takeda nos garantiu que nos forneceria 70% do total de segundas doses — esse é o índice das pessoas que tomam a primeira e voltam para a segunda aplicação. Temos esse estoque reservado para garantir a segunda dose.
O Sabin pretende abrir a venda dessas vacinas para a população caso não haja procura para segunda aplicação?
Podem ser utilizadas, sim. O esquema vacinal exige um intervalo de 90 dias entre as duas doses, mas se as pessoas não vierem pode ser utilizado porque, no caso das doses que compramos, o prazo de validade é só no final do ano. E aí precisaremos calcular para garantir a segunda dose da pessoa que vier depois.
O movimento antivacina afeta o trabalho da indústria laboratorial no Brasil?
Sim, afeta. Em alguns países, como Estados Unidos, isso é mais forte. Mas, na saúde, as fake news são muito impactantes. Isso alimenta muitas vezes os movimentos antivacinas. Para a indústria é difícil e para a gente, enquanto serviço, também é difícil. Que quantidade de vacina que eu compro? Porque se eu compro muitas, a população não vem vacinar. Há desinformação de tudo quanto é lado.
A Inteligência Artificial veio para contribuir nos trabalhos na saúde? Como ela é utilizada no laboratório?
A gente utiliza ferramentas de Inteligência Artificial desde chatbots no contato com clientes. Também temos ferramentas em algumas áreas do laboratório em bancos de dados de imagens que os nossos equipamentos depois cruzam e liberam para os profissionais analisarem. As próprias análises genéticas já usam Inteligência Artificial. O reconhecimento de mutação, que pode por exemplo mostrar o risco de um câncer, também é feito com IA.
A IA pode substituir o trabalho humano na saúde?
Não vem para substituir todo o trabalho humano, ela vem para substituir aquele trabalho que hoje é feito por um humano e que não precisa ser feito por ele, muitas vezes a máquina pode fazer até melhor porque erra menos.
Na saúde, o papel da IA, então, é de auxílio?
Sim. Ela vem para que os profissionais possam utilizar o tempo e o conhecimento em atividades que sejam muito mais ricas e importantes para o diagnóstico do paciente. Tivemos esse mesmo medo de substituição do trabalho em análise clínica no início dos anos 2000, quando chegaram os primeiros equipamentos automatizados, mas com o tempo percebemos que as máquinas só poupavam nosso tempo, que começamos a usar para pesquisas e controle de qualidade. Quando falamos de IA não é diferente.
Quais são os principais desafios hoje no mercado de saúde no Brasil?
Um grande desafio é o envelhecimento da população. As pessoas estão vivendo mais e precisando cada vez mais de medicina de qualidade. A pirâmide etária já mudou, é fato, e um desafio do setor da saúde é manter a própria sustentabilidade.
A Organização Mundial de Saúde alertou que o mundo deve se preparar para enfrentar uma próxima pandemia. Como vocês lidam com isso?
Investir em pessoas preparadas, treiná-las e capacitá-las, é assim que a gente se prepara para outras epidemias que possam chegar. Somos muito atentos a isso, temos um grupo de pesquisadores e assessores médicos que acompanham a todo tempo os boletins epidemiológicos globais, tudo o que está surgindo de novo e o que temos disponível para isso.
Os desafios da saúde no Brasil estão em sintonia aos desafios globais?
Não acho que estamos atrasados, acho que são desafios semelhantes aos desafios globais. Vimos isso durante a pandemia, que colocou o sistema de saúde do mundo na vitrine. No contexto de imunização, o Brasil, um país de quase 215 milhões de habitantes, tem efetividade no PNI (Programa Nacional de Imunizações). No momento em que nós tivemos vacina disponível, conseguimos vacinar com velocidade grande parte da população, mais do que inclusive Estados Unidos e outros países da Europa. Somos um país tropical que tem muito mais infecções do que países desenvolvidos, é uma característica do nosso país, mas a depender do que surja, entendo que estamos mais preparados.
Ficamos dependentes da Europa e Estados Unidos na pandemia de Covid.
Sim. E agora o país tem a oportunidade de investir mais na indústria nacional, na pandemia nós dependíamos de EPI (Equipamento de Proteção Individual) da China, e aí não chegava aqui, os EUA desviavam. Nós corremos o risco de ficar sem luva, sem máscara, foi um problema global. Hoje, fora desse cenário de pandemia, eu entendo que nós temos desafios que são os mesmos de outros países, diferentes às vezes pelo tamanho da população e pelo sistema de financiamento.
Mais de 70% dos cargos de poder no Sabin são ocupados por mulheres. Qual é a importância dessa política?
Está na essência do Sabin, uma empresa fundada por duas mulheres. Não é só da minha gestão. Faz toda a diferença. Uma empresa com pessoas diferentes e com espaço para serem da forma que são é uma empresa que fomenta o ambiente de criatividade e inovação. Oferecemos as mesmas oportunidades independente de gênero, raça, orientação sexual e deficiência. Não contratamos ninguém para cumprir cota.
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