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Israel deu 'ordem de retirada e imediatamente começou a lançar bombas', conta palestina em Rafah

Segundo ela, forças israelenses não deram tempo para que população se colocasse em segurança; ao menos 110 mil pessoas fugiram da área, de acordo com ONU

Agência O Globo - 11/05/2024
Israel deu 'ordem de retirada e imediatamente começou a lançar bombas', conta palestina em Rafah

Os folhetos do exército israelense ordenando a saída dos habitantes do leste de Rafah caíram do céu "às 9h30 da manhã", conta Amal, nome falso de uma mulher palestina de 36 anos, que ainda não acredita que ela e seus dois filhos, de 12 e 9 anos, tenham saído de lá vivos. Segundo ela, os avisos caíram do céu no que costumava ser a sua rua ao mesmo tempo em que bombas eram lançadas por Israel.

— Foi um milagre termos escapado da morte, porque não havia tempo para deixarmos o local. Juro que [os israelenses] não nos deram tempo para sair. Eles anunciaram a ordem de retirada e imediatamente começaram a lançar bombas como loucos nas pessoas — explica Amal via mensagens de WhatsApp.

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De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), pelo menos 110 mil pessoas fugiram de Rafah, no sul do enclave, desde segunda-feira, depois que Israel ordenou a retirada — as Forças Armadas israelenses falam em 150 mil deslocados.

Assim como Amal e seus filhos, que tiveram que fugir de casa na Cidade de Gaza, no norte do enclave, em outubro, "a maioria das [pessoas] desalojadas pelas ordens de retirada militar israelense no leste de Rafah já havia sido deslocada de outras áreas de Gaza", informou as Nações Unidas em um comunicado na quinta-feira. Essas pessoas agora estão partindo com tudo o que podem carregar "em veículos, caminhões, motocicletas e carroças de burro", de acordo com a UNRWA. Somente na quarta-feira, mais de 47,5 mil palestinos deixaram seus abrigos em Rafah, segundo estimativas da agência da ONU.

Israel alegou na segunda-feira que sua ordem para retirar os deslocados da área afetou 100 mil pessoas, mas de acordo com outras fontes da ONU no local, citadas pelo Guardian, aqueles que deixaram a parte leste da cidade agora excedem esse número, que pode subir para 300 mil nos próximos dias.

Esses números não parecem exagerados. A área desocupada abrange 31 quilômetros quadrados e a densidade populacional nessa cidade palestina era de 20 mil pessoas por quilômetro quadrado, quase o dobro da cidade de Nova York, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Antes da guerra, a região de Rafah tinha uma população de 220 mil habitantes, aos quais se somaram mais de um milhão de deslocados por sucessivas ordens israelenses de retirada.

Das janelas do armazém onde Amal, seus filhos e seu marido estavam sobrevivendo desde outubro — a casa deles foi destruída por bombardeios — era possível ver a passagem de Rafah. A fronteira com o Egito está sob o controle de tanques israelenses desde terça-feira. A ordem de retirada do leste da cidade e a tomada da travessia, que até agora tem sido o principal ponto de entrada de ajuda humanitária, foram interpretadas como os primeiros passos da temida ofensiva terrestre israelense no sul da cidade, que ainda não ocorreu, pelo menos não em grande escala.

Rua São Jorge

O bairro de Amal, al Geneina, está no coração das nove áreas de Rafah — Israel dividiu o território de Gaza em áreas — que o exército israelense ordenou que fossem esvaziadas na segunda-feira. Embora a cidade tenha sido definida até agora como uma "área segura" por Israel, suas forças nunca pararam de bombardeá-las.

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Quando os panfletos começaram a cair, Amal e seus filhos não tiveram tempo de juntar seus já escassos pertences, pois os aviões israelenses "imediatamente começaram a lançar bombas", diz ela.

— Peguei meus filhos e comecei a correr pela rua com outras pessoas do abrigo. Tudo que eu conseguia pensar naquele momento era como manter meus filhos a salvo dos bombardeios. Fugimos enquanto as bombas caíam ao nosso redor, nos abrigos e nas outras casas da região — lembra. — As ordens de retirada são apenas propaganda israelense para a mídia estrangeira.

Amal menciona o nome da rua onde ocorreu o bombardeio e pela qual ela escapou com seus filhos, juntamente com outras pessoas deslocadas: "Saint Georges", ou São Jorge.

Na segunda-feira, a agência de notícias oficial palestina Wafa relatou bombardeios no bairro de al Geneina, matando pelo menos quatro civis, incluindo duas crianças, e outro ataque aéreo na rua Saint Georges. Lá, pelo menos quatro outras pessoas foram mortas, sendo duas delas menores de idade. Entre a noite de segunda-feira e a quarta-feira, 109 palestinos foram mortos e 296 ficaram feridos em ataques do exército israelense em Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde do território governado pelo Hamas. Nos sete meses de combates, cerca de 34,9 mil palestinos morreram na Faixa e 78.404 ficaram feridos, de acordo com a fonte.

— Nunca vivemos um terror como o desta segunda-feira — diz Amal. — Não consigo explicar o que sentimos. Ficamos correndo sob o bombardeio por duas horas. Não posso acreditar que ainda estamos vivos. Deus nos salvou.

Eles e o marido, que foi deixado para trás quando a esposa e os filhos fugiram, tentaram pegar "algumas roupas e cobertores para cobrir as crianças durante a noite". Depois de cinco horas, o homem conseguiu deixar o bairro. Agora, toda a família está abrigada em "um velho armazém vazio" no outro extremo de Rafah.